Opinião

Transição energética justa: o bom senso que faltava

Por que uma transição energética igual para todos é, na verdade, profundamente injusta?

Por Théo Salim Najm

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Nos grandes fóruns internacionais sobre clima, uma ideia parece ser consenso: é urgente abandonar os combustíveis fósseis e migrar para fontes renováveis. Mas por trás dos slogans que apelam à ”neutralidade climática”, existe um problema que raramente ganha os holofotes: a transição energética não pode ser justa se não for diversa.

Aplicar uma política climática homogênea a países com realidades históricas, sociais e econômicas tão distintas é uma receita para perpetuar desigualdades. Em vez de corrigir erros do passado, ela os disfarça sob um verniz verde.

A herança de uma dívida histórica

Durante séculos, o Sul Global foi explorado para alimentar o crescimento industrial do Norte. Colonização, escravidão e destruição ambiental consolidaram riqueza para uns e miséria para outros. Hoje, os mesmos países que emitiram massivamente gases de efeito estufa cobram metas rígidas de quem ainda luta para oferecer energia, saneamento e saúde básica para sua população.

Alemanha, Noruega e Canadá já construíram suas infraestruturas e garantiram bem-estar social. Brasil, Índia e Nigéria ainda batalham por condições mínimas. Exigir os mesmos compromissos de todos é tapar os olhos para essas assimetrias.

O caso brasileiro: eficiência que incomoda

O Brasil está entre os países com menores emissões por barril de petróleo produzido. Veja o gráfico a seguir.

 Fonte: Rystad Energy

O mercado global quer ativos “verdes” com retorno financeiro. O petróleo brasileiro, por ter baixa emissão de CO2, se torna perfeito para esse tipo de maquiagem: financistas aliviam a consciência enquanto garantem lucros.

Podemos ser pragmáticos? Sim. Mas devemos cobrar caro por isso. Que os recursos captados sirvam ao povo brasileiro: em transição real, com investimento social, educação, saúde e tecnologia.

Política climática universal: falácia disfarçada

Uniformizar compromissos climáticos é ignorar:

  • Emissões históricas acumuladas;
  • Capacidade tecnológica instalada;
  • Eficiência atual das operações energéticas;
  • Realidades sociais e econômicas locais.

Essa abordagem penaliza quem faz melhor e recompensa quem historicamente contribuiu mais para a crise, pois a justiça climática começa com a justiça histórica.

Transição realista e responsável

Uma transição energética só será verdadeiramente justa se reconhecer a soberania dos países em desenvolvimento, respeitar as demandas dos territórios vulnerabilizados, combater ativamente o racismo ambiental e as desigualdades internas e, simultaneamente, garantir a criação de empregos verdes que sejam dignos e inclusivos para todos.

O Brasil não precisa pedir licença para liderar um novo modelo de transição. Ele já tem eficiência, matriz limpa e know-how. O que falta é que o sistema internacional reconheça: não há justiça climática sem justiça histórica. Se o futuro é verde, que também seja justo.

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Théo Salim Najm* é gerente de Óleo e Gás do IRB (Re)

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