
Opinião
Modernização em Contraste: A MP 1.300 e os retrocessos que a sucederam
O contraste entre os aprimoramentos propostos pela Medida Provisória e os atos que a sucederam simboliza um dilema histórico do setor elétrico brasileiro: entre avançar com racionalidade técnica e soluções de mercado ou ceder a interesses pontuais com forte interferência centralizada

Coautora: Mariana Saragoça *
Há alguns anos o setor elétrico convive com uma promessa de reforma legal que efetivamente pudesse contribuir para a modernização do setor, como detalhado em Expectativas com a proposta do novo marco legal do setor elétrico.
Grande parte dessas expectativas estava centrada nas diretrizes da elogiada Consulta Pública MME nº 33/2017 e na ampla concordância com os Princípios para Atuação Governamental no Setor Elétrico Brasileiro definidos na Nota Técnica nº 3/2018/SE no âmbito da Consulta Pública MME nº 32/2017 e assim resumidos: (i) respeito aos direitos de propriedade, respeito a contratos e intervenção mínima; (ii) meritocracia, economicidade, inovação e eficiência (produtiva e alocativa, do curto ao longo prazo) e responsabilidade socioambiental; (iii) transparência e participação da sociedade nos atos praticados; (iv) isonomia; (v) priorização de soluções de mercado frente a modelos decisórios centralizados; (vi) adaptabilidade e flexibilidade; (vii) coerência; (viii) simplicidade; (ix) previsibilidade e conformidade dos atos praticados; e (x) definição clara de competências e respeito ao papel das instituições.
Depois de quase uma década de discussões sem que um Projeto de Lei tenha tido tração para, de fato, promover o novo marco legal da modernização do setor elétrico, a recente edição da Medida Provisória nº 1.300/2025 trouxe fôlego renovado às discussões, observando, em certo ponto, alguns dos princípios e diretrizes consensuadas há anos.
Com medidas que pretendiam privilegiar a racionalidade econômica e a eficiência, a referida MP avançou em pontos de extrema relevância como a abertura do mercado livre de energia e a reestruturação de subsídios setoriais, propostas que tinham por objetivo colocar os consumidores de energia como protagonistas e reparar distorções históricas que, se corrigidas, poderiam gerar ganhos de competitividade para o setor e a economia como um todo.
A ampliação do acesso ao mercado livre é uma mudança estruturante que, ao permitir que mais consumidores escolham seus fornecedores de energia, estimulando a concorrência, pode trazer importante redução de custos, aproximando o Brasil das melhores práticas internacionais.
Além disso, a racionalização dos subsídios – especialmente os pagos via Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) – tem por objetivo mitigar a pressão tarifária e discutir a adequação de benefícios concentrados em alguns segmentos, cuja justificativa econômica já era questionada, e que permitiria a liberação de recursos para outras políticas públicas.
Entretanto, parte dos avanços contidos na referida Medida Provisória podem ser perdidos com o risco já comentado de sua caducidade. Ainda, tais avanços contrastam fortemente com o retrocesso que se materializou com a derrubada dos vetos presidenciais à Lei das Eólicas Offshore.
Ao manter dispositivos que impõem a contratação obrigatória de determinadas fontes de energia, e e ainda em locais específicos, o Congresso reintroduz práticas que parecem ser contrárias aos princípios acima citados, em específico a prevenção de uso de tarifas de eletricidade para implantar políticas que não devem ser suportadas por elas e a priorização de soluções de mercado frente a modelos decisórios centralizados, e que podem comprometer não apenas a modicidade tarifária quanto a flexibilidade operativa do sistema tão demandada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS, ao desconsiderar critérios técnicos, locacionais e de custo-benefício.
Em um momento em que o Brasil quer avançar na liberalização do mercado e na geração por fontes renováveis intermitentes, cujos projetos já sofrem com o curtailment, é um contrassenso que a contratação da energia não atenda a critérios técnicos a serem avaliados oportunamente pelo planejador e operador do sistema. A decisão põe em risco não apenas a modicidade tarifária e a trajetória de modernização, mas também a credibilidade institucional de um setor já sensível a interferências.
Não fosse suficiente tamanha interferência no planejamento setorial, o setor ainda observou a recente notícia da drástica redução do orçamento da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, que irá comprometer atividades imprescindíveis realizadas pela Agência, incluindo a regulamentação de temas afetos à modernização do setor elétrico.
O contraste entre os aprimoramentos propostos pela Medida Provisória nº 1.300/2025 e os atos que a sucederam simboliza um dilema histórico do setor elétrico brasileiro: entre avançar com racionalidade técnica e soluções de mercado ou ceder a interesses pontuais com forte interferência centralizada.
Neste cenário, espera-se que a participação (inclusive bastante vocal) dos agentes e demais stakeholders do setor possam contribuir para a efetiva modernização com base em medidas estruturantes, afastando-se de interesses que possam perenizar o cenário já bastante desafiador enfrentado nos últimos anos, com impacto significativo na modicidade tarifária e, consequentemente, aumentos na conta de luz de todos.
* Mariana Saragoça é sócia do escritório Stoche, Forbes Advogados