Opinião
Um ano de grandes avanços na regulação do setor elétrico
Em 2024 a regulação do setor elétrico evoluiu bastante com relevantes alterações legislativas e normativas. Em continuidade, é necessário avançar em discussões sobre a modernização do setor, a racionalização dos subsídios e uma adequada alocação dos riscos.
Coautora: Mariana Saragoça
Já há algum tempo, dada sua essencialidade e dinamismo, observamos um rápido e significativo desenvolvimento do setor elétrico, com objetivo não apenas de acompanhar os avanços tecnológicos, mas também garantir um crescimento contínuo e sustentável, bem como segurança no suprimento e amplo acesso aos serviços de energia.
Neste cenário, é imprescindível que haja uma evolução legal e regulatória em ritmo compatível para atender às novas demandas sem perder de vista a segurança jurídica necessária aos investimentos no setor.
Ainda que o setor siga aguardando o esperado desfecho das discussões do já não tão novo marco legal, que começou a ser discutido há alguns anos no âmbito da Consulta Pública nº 33/2017 e originou alguns Projetos de Lei como o PL nº 414/2021, o ano de 2024 trouxe relevantes inovações e alterações regulatórias que contribuem para a modernização do setor.
Já em 1º de janeiro passou a vigorar talvez a mais relevante alteração regulatória do ano, com a abertura do mercado livre de energia para os consumidores do Grupo A que, nos termos da Portaria Normativa nº 50/GM/MME, deveriam ser representados por comercializadores varejistas. Essa alteração possibilitou a migração de cerca de 21 mil consumidores até o mês de outubro, um aumento de 183% em referência ao ano de 2023 segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE.
Desde então, o setor inaugurou uma nova dinâmica na comercialização de energia que vem exigindo uma série de reflexões acerca da segurança do mercado e de aspectos concorrenciais.
Para o segmento de geração de energia elétrica, no mês de abril de 2024, foi editada a Medida Provisória nº 1.212/2024 que, mesmo não convertida em Lei, permitiu a extensão do prazo, em 36 meses, para início da operação comercial de projetos de geração cujas outorgas foram solicitadas até março de 2021 com a garantia do desconto nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição. Essa medida acabou por conferir uma sobrevida a pelo menos 600 projetos que podem agregar 25,5 GW de capacidade instalada ao Sistema Interligado Nacional.
Além de potencialmente destravar investimentos e negócios no setor, a referida Medida Provisória também trouxe à tona discussões relevantes sobre a manutenção de subsídios, a capacidade de escoamento dessa energia e a necessidade de novas cargas para comportar o crescimento da oferta de energia.
Em junho, o segmento de distribuição de energia também foi objeto de tratamento normativo, com a publicação do aguardado e não menos relevante Decreto nº 12.068/2024, que estabeleceu as diretrizes para a prorrogação das concessões de distribuição de energia elétrica cujos contratos vencem entre os anos de 2025 e 2031, trazendo algumas inovações com o objetivo de adequar o serviço prestado às novas dinâmicas e desafios do setor.
Ainda no segmento de distribuição, o ano for marcado, também, por eventos climáticos extremos que comprometeram, de forma significativa, a prestação dos serviços de distribuição em algumas localidades e evidenciaram a necessidade de se discutir a resiliência das redes e as medidas necessárias à garantia do fornecimento de energia – tema esse que pode, inclusive, ser refletido no âmbito da prorrogação das concessões.
Com um viés de mais longo prazo, no mês de agosto de 2024, foi publicada a Lei nº 14.948/2024, que instituiu o marco legal do chamado hidrogênio de baixo carbono, talvez a principal aposta para a transição energética mundial, que demandará significativos investimentos ao longo dos próximos anos, em especial, no Brasil, que reúne condições para ser uma liderança no setor.
Sob a ótica de inovações tecnológicas no setor de energia, no mês de setembro, o Ministério de Minas e Energia – MME deu início à Consulta Pública nº 176/2024 para debater as diretrizes para a realização do Leilão de Reserva de Capacidade na forma de Potência, por meio de sistemas de armazenamento/baterias, medida que também pode contribuir para um maior dinamismo na operação do sistema e para ampliação da segurança e adequada atribuição de riscos e custos.
No segmento de minigeração distribuída, além da manutenção do crescimento exponencial com a adesão de 700 mil novas unidades que agregaram cerca de 7,5 GW ao sistema segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, o ano de 2024 também ficará marcado pelas discussões ocorridas no âmbito do Tribunal de Contas da União – TCU e da Aneel acerca dos modelos de negócios praticados, tema que será objeto de fiscalização pela agência ao longo de 2025.
Por fim, ainda que o segmento de transmissão de energia elétrica possa ser considerado mais estável e consolidado que os demais segmentos, com a manutenção da agenda de leilões realizados pela Aneel, 2024 também trouxe inovação ao termos o primeiro caso de relicitação de concessão de transmissão nos termos do Decreto nº 11.314/2022, que deverá se repetir e ser aprimorado nos próximos anos.
Sem dúvidas, o ano de 2024 foi marcado por relevantes alterações legislativas e normativas que poderão contribuir para o desenvolvimento do setor. No entanto, ainda é necessário avançar em discussões relevantes acerca da modernização do setor elétrico, com a racionalização dos subsídios e uma adequada alocação de riscos para garantir um crescimento duradouro e sustentável ao longo das próximas décadas.