Opinião
Considerações sobre o curtailment e riscos para geradores
É imprescindível uma discussão setorial profunda para a avaliação do tema, definindo uma adequada alocação de custos e riscos, em prol da segurança jurídica e da segurança operativa do Sistema Interligado
Coautora: Mariana Saragoça*
No último mês, escrevemos sobre Os novos horizontes para a geração de energia elétrica abordando uma série de discussões e riscos enfrentados pelo segmento de geração de energia elétrica, bem como tecendo algumas considerações sobre o tratamento legal e regulatório conferido a casos pretéritos, com o objetivo de promover uma adequação da alocação de riscos e benefícios e ampliar a segurança jurídica no setor.
Dentre os pontos mencionados, destacamos os cortes deliberados de geração, o chamado curtailment, que vem impactando de forma significativa uma grande quantidade de geradores e grupos econômicos, o que deve gerar intensos debates no setor.
Na prática, os referidos cortes de geração impedem que determinado gerador ou grupo de geradores injetem a energia no sistema, frustrando sua expectativa de geração e, consequentemente, a obrigação de entrega de energia formalizada por meio de contratos de comercialização de energia elétrica. Tais cortes são motivados por dois principais fatores: excesso de oferta de energia e restrições para o transporte de energia.
Tal situação faz com que estes geradores (em regra, renováveis) – que não possuem gestão sobre os cortes de geração – sejam obrigados a adquirir energia de terceiros ou no mercado de curto prazo para honrar os acordos comerciais firmados, afetando, de forma relevante, a equação econômica que viabilizou a implantação dos empreendimentos. Tal cenário é, ainda, agravado tendo em vista a recente elevação do preço de liquidação das diferenças que, após meses próximo ao piso, já se aproxima de R$ 500,00/MWh em algumas situações.
No horizonte de médio prazo, os sistemas de armazenamento por meio de baterias – tal como vem sendo discutido na Consulta Pública MME nº 176/2024 – podem contribuir para a redução dos impactos do curtailment, possibilitando a injeção de energia em horários alternativos e permitindo uma maior gestão sobre o despacho dessas usinas segundo as necessidades de demanda e confiabilidade do sistema.
De toda forma, o curtailment já vem sendo realizado de forma recorrente, gerando prejuízos financeiros imediatos, o que tem levado os agentes a judicializarem o tema – mais de uma dezena de ações judiciais já foram propostas –, reacendendo os riscos de um movimento setorial tal como o ocorrido quando houve a judicialização do GSF.
Assim, torna-se imprescindível uma discussão setorial profunda para a avaliação do tema, definindo uma adequada alocação de custos e riscos, em prol da segurança jurídica e da segurança operativa do Sistema Interligado Nacional – SIN.
Neste contexto, vale observar que, pelo menos parte dos geradores envolvidos implantou seus empreendimentos no passado com base nas informações constantes de seus respectivos pareceres de acesso, refletidas nos contratos de uso do sistema. Além disso, a flexibilidade que tais geradores oferecem gera um benefício (ainda que atualmente não remunerado) ao sistema com um todo. Tais aspectos devem ser considerados nas análises.
Outro ponto relevante quanto à alocação de riscos e responsabilidades refere-se aos impactos decorrentes do atraso na implantação de instalações de transmissão e distribuição, que, ainda que indiretamente, podem contribuir para o agravamento das situações de curtailment.
Para além dos aspectos legais e regulatórios, também se entende importante reavaliar os critérios utilizados para a operação do sistema e para os cortes de geração, de modo a garantir a confiabilidade do sistema com o menor custo possível, não somente para a carga, mas para o setor como um todo.
Afinal, não se pode perder de vista que os impactos financeiros decorrentes dos cortes de geração podem impactar negativamente o apetite para novos investimentos, o que, em última instância, acaba por elevar o custo dos projetos, sendo posteriormente repassado às tarifas de energia.
Diante das diferentes perspectivas de como lidar com esse tema, é necessário aprofundar os debates, buscando uma alocação dos riscos equilibrada e adequada operação do sistema, que possa incorporar a evolução tecnológica, inclusive a inteligência artificial, para mitigação dos riscos, evitando uma nova onda de judicialização generalizada e insegurança jurídica.
*Mariana Saragoça é sócia do escritório Stoche, Forbes Advogados.