Opinião

Uma comercialização de energia para o Século 21

Vinte anos após criação, mercado livre prepara-se para viver fase de profundas mudanças em seu perfil e dinâmica operacional

Por Jefferson Bergamo

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O Ambiente Livre de Contratação (ACL), ou mercado livre de energia, surgiu em 1998 e introduziu o agente de comercialização de energia elétrica. Dados da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel) e da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), indicam uma redução média de 23% nos preços da energia negociada no ACL, que hoje responde por mais de 30% de toda energia consumida no Brasil, com forte participação do segmento industrial brasileiro que adquire no mercado livre cerca de 80% da energia necessária ao seu funcionamento.

Pouco mais de 20 anos depois de sua criação, o ACL prepara-se para viver uma fase de profundas mudanças em seu perfil e dinâmica operacional, principalmente por conta dos impactos da introdução de novas fontes de geração distribuída, da digitalização da rede e dos recentes avanços tecnológicos.

Parte deste impacto virá dos RED (Recursos Energéticos Distribuídos), unidades conectadas à uma mesma rede de distribuição que incluem a geração distribuída, as centrais de armazenamento de energia, os veículos elétricos e suas estruturas de recarga. Os RED permitem que o tradicional consumidor possa simultaneamente exercer também o papel de gerador de energia.

Surge assim um novo perfil de participante, o produtor-consumidor (prosumer), que demanda mais eficiência em suas relações com o ACL, maior mobilidade e um processamento mais inteligente das informações disponíveis. Um impacto do aumento do número de prosumers, por exemplo, seria a potencial redução dos custos diretos para o consumidor final, evitando ou adiando a entrada em operação de fontes mais caras de geração.

Para responder à crescente sofisticação da base de consumidores, o segmento de comercialização tem adotado produtos e soluções utilizados no mercado financeiro, como contratos de opções, futuros, swaps e a termo, entre outros. O emprego dessas ferramentas e as margens verificadas na atividade de comercialização de energia atraíram a atenção dos bancos, que identificaram nesse mercado uma alternativa interessante para rentabilizar recursos próprios e de terceiros.

Os maiores bancos privados brasileiros já contam hoje com mesas de comercialização de energia que estão entre suas atividades mais significativamente rentáveis. É apenas uma questão de tempo para que os bancos estejam confortáveis em atuar mais agressivamente no setor, induzindo a mudanças significativas em toda sua cadeia de valor.

A necessidade de readequação das práticas de gestão e operação pelos participantes do ACL encontra paralelo com o que ocorreu no mercado de intermediação financeira.

A recente explosão no número de pessoas físicas atuando como investidores não teria sido possível sem que os reguladores e participantes do mercado financeiro não tivessem adotado medidas para criar e manter novos controles e processos, automatizar procedimentos operacionais e reestruturar todo o ambiente de negociação.

Nesse quesito, a adoção da negociação eletrônica e a eliminação do elemento humano como parte do processo de negociação foi crucial para se atingir o grau de eficiência e segurança existentes hoje.

No setor elétrico a adoção das medidas corretivas necessárias para suportar o crescimento dos volumes de negócios no ACL têm data certa para acontecer, segundo o cronograma para o decréscimo dos limites mínimos de carga para migração de consumidores para o mercado livre; em janeiro de 2021, os patamares de preços passam a ser horários ao invés de semanais; até janeiro de 2022, a Aneel e a CCEE devem elaborar estudos sobre as alterações regulatórias visando a abertura do mercado livre para os consumidores com carga inferior a 500 kW; e até janeiro de 2024, devem encaminhar ao Ministério de Minas e Energia proposta de cronograma de abertura total do mercado livre.

Diante desse cenário de expansão do ACL, a atividade dos comercializadores de energia ganha um papel crítico. O modelo de gestão atualmente em uso pela maioria dos comercializadores é baseado em processos manuais e aplicável a um mercado mais estável e previsível. Esse modelo não atenderá às demandas dos novos consumidores, que já nascem conectados às mais modernas tecnologias e atentos às oportunidades de mercado. Impactos ainda maiores são esperados pela crescente incorporação de unidades de geração distribuída às redes de distribuição – os novos prosumers de baixa tensão.

Sob a perspectiva da gestão das redes os impactos não serão menores. O conceito de Virtual Power Producers (VPP), ou Produtores Virtuais de Energia, agrega distintos produtores – em geral usinas eólicas, fotovoltaicas, micro e miniturbinas, entre outras – que estejam conectados à mesma rede e interconectados entre si, permitindo que sejam controlados, tratados, gerenciados e operados como se fossem uma unidade singular. Esta gestão unificada permite diluir os riscos individuais, como as variações da incidência de radiação solar ao longo do dia, da disponibilidade e intensidade do vento ou ainda do montante de energia disponível e entregue à rede por um prosumer.

A utilização de tecnologia blockchain e de smart contracts, por exemplo, permite que tanto o comercializador quanto o gestor das redes integrem todas essas informações, otimizem suas operações e ofereçam serviços de alta qualidade a baixo custo.

O futuro do setor de comercialização de energia exigirá escala e capacidade de gestão de enormes complexidades. Como ocorreu no mercado financeiro, o mercado de comercializadoras deverá se consolidar e crescer de modo a enfrentar os desafios de gestão, marca, produto e canal de relacionamento que já se apresentam no horizonte. Esses serão os temas para os próximos artigos.

Jefferson Bergamo é head de vendas corporativas da R3

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