Opinião
Brasil perto da independência energética?
Enquanto a Europa vive uma crise, agravada pela Guerra da Ucrânia, Brasil se destaca pelo aumento do potencial eólico e solar
O início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia deixou o mundo em alerta por diversos motivos. E um deles é a necessidade de os países terem sua própria independência energética. No caso do continente europeu, o cenário antes do conflito era de dependência: importava da Rússia aproximadamente 40% do gás natural que consumia.
Agora, com a suspensão do fornecimento de energia ao restante do continente em retaliação às sanções impostas após a invasão da Ucrânia, a Rússia agravou a crise energética europeia.
No Brasil, entretanto, a situação é muito diferente. O país se encontra em uma posição muito confortável em relação à questão energética. E isso se deve a alguns motivos, a começar pelos investimentos que vêm sendo feitos para aumentar a capacidade de geração eólica e solar.
O país tem investido fortemente em renováveis, além de possuir uma extensa gama de novos projetos eólicos offshore, o que poderia viabilizar uma significativa expansão da capacidade instalada na região Nordeste. Tanto em usinas eólicas quanto em plantas solares, temos uma abundância de projetos altamente competitivos, com fatores de capacidade bem acima das médias globais.
Projetos assim permitiriam um custo de energia muito baixo para o consumidor.
Situação essa que também se aplica ao potencial do Brasil de produzir biogás, que, do ponto de vista de políticas ESG, é excelente. O país vem desenvolvendo diversas plantas de biogás e biometano, e já conta com algumas em operação. É o caso da usina sucroalcooleira, por exemplo, que oferece um potencial enorme de produção a partir da vinhaça (aproximadamente 20 a 30 milhões de metros cúbicos de gás por dia).
Boas perspectivas para o gás nacional
Não se pode esquecer do enorme potencial de produção de gás doméstico que o Brasil possui, que acaba por deixar o país em uma situação mais confortável ainda.
Já existem diversas unidades produtoras em plena operação, tanto terrestres quanto offshore. Temos também alternativas de importação como o TBG (gasoduto Bolívia-Brasil) e seis terminais de GNL ancorados ao longo da costa, que quando somados oferecem mais do que o dobro do consumo de gás de todo o país. Mas a realidade é que o Brasil tem um potencial enorme para se tornar totalmente independente, visto que grande parte da produção vem sendo reinjetada.
Entendo que não haveria necessidade de estruturar novos projetos de terminais de GNL, além daqueles que já estão em desenvolvimento em locais onde não existe duto de distribuição, como é o caso de Itaqui, no Maranhão. Hoje, o país conta com oito terminais de GNL em diferentes fases de implantação: Pecém (CE), Barcarena (PA), Celse (SE), Aratu (BA), Açu e Guanabara (RJ), Compass (SP) e TGS (SC).
Somadas as capacidades de armazenamento desses terminais, quando todos estiverem em atividade, serão mais de 800 milhões de metros cúbicos de gás (equivalente ao consumo de quase duas semanas), e uma capacidade de regaseificação de 110 milhões de metros cúbicos por dia (quase o dobro do que o país atualmente consome).
Temos ainda o Rota 3 entrando em operação em 2024 com 21 milhões de metros cúbicos por dia, e o duto de escoamento offshore de Sergipe-Alagoas com mais 18 milhões de metros cúbicos por dia. Além dos novos campos terrestres na Região Norte e uma nova fronteira terrestre de E&P na Bacia do Paraná. Ou seja, o país se encontra em uma situação única e extremamente confortável no que se refere ao suprimento de gás.
O importante daqui pra frente é uma visão mais ampla do cenário energético do país de forma a se buscar a otimização da infraestrutura instalada e o consequente aumento na competitividade da cadeia de suprimentos. Agora nos resta aproveitar o posicionamento estratégico do país no setor energético para alavancar a economia com geração de emprego e renda.
Produzimos 70% a 80% do diesel e GLP domesticamente, e complementamos com insumos de fora. Mas o gás natural doméstico poderia substituir todas essas importações e ainda trazer uma economia significativa ao bolso do consumidor.
Existem ainda outros projetos que podem ser estratégicos como, por exemplo, o de armazenagem subterrânea em campos depletados que visam auxiliar na flexibilidade de suprimento do sistema elétrico e cadeia industrial.
Esse é o caminho a ser seguido. Os Estados Unidos já vêm trabalhando há quatro décadas para alcançar essa independência, assim como a Rússia e o Canadá. Mas nenhum tem o potencial do Brasil que, além de possuir os recursos naturais necessários a uma total independência energética, também poderia reduzir de forma significativa seus níveis de emissões, e ainda utilizar essa energia para promover maior competitividade no setor industrial e agrícola do país.
Eduardo Antonello é fundador da Golar Power e da Macaw Energies