Opinião

Crise de combustíveis na Argentina coloca controle de preços em xeque

O controle de preços, imposto pelo governo argentino para conter a inflação, é apontado como a principal causa do desabastecimento de combustíveis no país. A situação está se normalizando, mas riscos de desabastecimento ainda são possíveis nos próximos meses

Por Victor Arduin

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A falta de abastecimento de gasolina e diesel que ocorreu nos postos de gasolina na Argentina é um reflexo da crise econômica e do controle de preços. Mesmo produzindo mais petróleo do que sua demanda doméstica, o país enfrenta sérios problemas em seu setor energético.

Um dos desafios reside no fato de que não é suficiente possuir petróleo; é necessário submetê-lo a um processo de refino para convertê-lo em produtos prontos para atender as demandas do mercado. Neste quesito, as refinarias da Argentina não dão conta de atender o mercado interno, precisando recorrer às importações de combustíveis para suprir a demanda doméstica.

Contudo, comprar produtos prontos de fornecedores estrangeiros exige dólares, pois grande parte das commodities energéticas são negociadas na divisa americana, moeda escassa na Argentina por conta do seu rígido controle cambial.

Ainda, na tentativa de conter a inflação, o governo, através da sua empresa de capital misto, a petroleira YPF, repassa o barril de petróleo a um preço abaixo do internacional às refinarias do país. Isso resulta em um “barateamento” dos produtos refinados, mesmo que de maneira artificial.

Portanto, como atender a parcela do mercado que não consegue ser suprida com a produção interna de combustíveis? A resposta é a importação. Contudo, como tornar viável essa operação se o controle de preços remove os incentivos do mercado em trazer combustíveis de fora da Argentina?

Importação de gasolina sobe substancialmente em novembro

Durante o primeiro semestre do ano, a queda do preço do petróleo ajudou a “mascarar” os custos energéticos na Argentina. Mas, após medidas da Opep+ restringirem o mercado e elevarem o preço do barril de petróleo, o governo precisou intervir para limitar o custo aos consumidores domésticos.

Desde agosto, um acordo entre petroleiras e o governo congelavam os preços dos combustíveis no país, vigorando até 31 de outubro. A medida logrou manter os preços artificialmente baixos por um período, mas criou uma distorção de mercado que afetou a importação de combustíveis que, combinada com uma demanda maior do que esperada nas últimas semanas, resultou em desabastecimento generalizado no país.

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Uma das razões mais atribuídas ao desabastecimento foi a corrida às bombas, causada pela expectativa de aumento dos preços dos combustíveis após o primeiro turno da eleição presidencial, por causa da desvalorização do peso argentino. Outras razões mencionadas foram paradas programadas nas refinarias e a falta de dólares no país, que resultaram em atrasos dos navios petroleiros que trazem combustíveis - isso ocorre porque os navios precisam esperar o pagamento para liberar suas cargas.

Mesmo que as outras causas mencionadas contribuam para a escassez de combustíveis na Argentina, o controle de preços é o problema central. Ele eliminou o incentivo à importação, que caiu em setembro e outubro.

O grande volume de gasolina importada para o mês de novembro deve remover o risco de desabastecimento no curto prazo. No entanto, enquanto permanecerem as distorções no mercado, os desafios no setor energético do país continuarão.

Argentina possui um dos petróleos mais “descontados” do mundo

A principal razão para o governo argentino conseguir manter os preços dos combustíveis em patamares baixos é a venda de seu petróleo bruto às refinarias nacionais por um valor acordado de 56 dólares por barril (chamado de “barril criollo”).

Isso é bastante inferior aos principais benchmarks internacionais, em que o WTI encontra-se em torno de 82 dólares e o Brent em aproximadamente 86 dólares no dia de 3 de novembro.

Em contraste, a Rússia, que sofre sanções dos países do G7, dificultando a compra de seu petróleo, o que, em teoria, o subvaloriza, vende o Urals acima de 70 dólares no mercado internacional, acima do teto de preço imposto pelos Estados Unidos e países aliados de 60 dólares. Portanto, o petróleo da Argentina acessa o mercado local com preços inferiores aos países sancionados pelo ocidente.

Vale mencionar que a Argentina tem um grande potencial no continente para exploração de petróleo. A região de Vaca Muerta, rica em petróleo de xisto, é um dos principais campos petrolíferos do mundo e tem contribuído significativamente para o crescimento da produção e exportação de hidrocarbonetos do país. Nesse sentido, a bacia de Neuquén possui um papel importante para a economia do país, capaz de escoar grandes quantidades de petróleo e gás.

Em resumo

Ao longo dessa semana foram observados aumentos nos combustíveis, logo após o término do acordo entre o governo e as petroleiras do país. Por conta disso, o governo adiou o aumento de impostos sobre os combustíveis para buscar estabilizar o mercado sem maiores custos aos consumidores.

Por ora, a situação parece estar se normalizando, principalmente devido às ações dos últimos dias, que incluem a chegada de 10 navios petroleiros carregados com combustíveis para o país.

No entanto, as filas nos postos de gasolinas por falta de combustíveis podem se repetir entre o final deste ano e o começo do próximo caso o país siga com a política de controle de preços. E este é um ponto a ser monitorado de perto, especialmente neste momento de potencial recuperação das safras agrícolas pós-La Niña.

Victor Arduin é analista de Energia e Macroeconomia da hEDGEpoint Global Markets

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