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A estratégia da Indústria de cimento para o concreto carbono zero

Uso de resíduos industriais e urbanos, inclusive pneus, em substituição ao coque de petróleo no alto forno e engajamento em projetos de geração renovável levam as fábricas brasileiras a emitir 1/3 do que emitem suas congêneres globalmente.

Por Eugênio Melloni

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A Votorantim iniciou projeto de modernização de sua fábrica de Salto de Pirapora (SP), que inclui o aumento da capacidade de substituição térmica da unidade (Foto: Divulgação)

Mesmo já sendo beneficiada pela grande participação de fontes renováveis na matriz energética brasileira, a indústria do cimento no país segue investindo em processos ambientalmente mais eficientes e competitivos, comparados aos resultados obtidos por seus pares globais. Juntas as fábricas brasileiras de cimento ainda contribuem com 2,3% das emissões de GEE no país, número bastante expressivo, porém cerca de um terço da participação da indústria cimenteira mundial nas emissões globais, de acordo com dados da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) (veja box).

O coprocessamento é um dos fatores responsáveis por essa diferenciação, queimando nos altos-fornos resíduos industriais e urbanos para atender a grande demanda de energia térmica. É nos altos-fornos que o calcário e a argila moídos são submetidos a um processo de calcinação a temperaturas de 1.450 ºC para a obtenção do clínquer – o principal componente do cimento e a matéria-prima mais intensiva em emissões de CO2 e em consumo de energia.

Durante muitos anos, o poluente coque, um derivado pesado do petróleo, foi o principal combustível utilizado para a geração de calor nos altos-fornos. Mas, com o objetivo de reduzir as emissões de CO2, a indústria cimenteira passou a adotar cada vez mais o coprocessamento em substituição ao coque, queimando diversos resíduos como carvão vegetal, sementes e cascas, pneus usados, resíduos urbanos, areia de fundição e até lama.

A indústria cimenteira passou a adotar cada vez mais o coprocessamento em substituição ao coque, queimando resíduos como chips de pneus usados

O coprocessamento contribui ainda para eliminar resíduos que normalmente sobrecarregariam ainda mais os lixões e aterros sanitários. Segundo a ABCP, entre 1999 e 2022 foram coprocessadas 25,8 milhões de toneladas de resíduos. A queima extingue praticamente todos esses resíduos e mesmo a sobra é incorporada ao cimento.

Não a toa, os benefícios ambientais do coprocessamento são resultantes da eficientização energética do setor cimenteiro, onde estima-se que a energia represente 60% das despesas operacionais das fábricas.

Em 2022, último dado disponível, a indústria do cimento brasileira utilizou, no coprocessamento, mais de 3 milhões de toneladas de resíduos – um recorde desde que o processo passou a ser utilizado, no início dos anos 90. A ABCP calcula que, com a substituição do coque, o setor deixou de emitir cerca de 3 milhões de toneladas de CO2 no período.

A associação destaca que as empresas conseguiram antecipar em três anos, em 2022, as metas de 2025, de substituição do coque por fontes alternativas em 30%. A previsão é atingir participação de fontes renováveis em 55% na matriz setorial até 2050.

Votorantim

A Votorantim Cimentos anunciou no início deste ano investimentos que somam R$ 5 bilhões em um programa abrangente de crescimento, descarbonização e competividade estrutural das operações no Brasil. Desse total, R$ 1,7 bilhão estão em execução, abrangendo aumento de competitividade, ampliação da participação das fontes renováveis e obtenção de maior capacidade de coprocessamento, visando diminuir as emissões de CO2.

De acordo com Fabio Cirilo (foto), gerente de Ecoeficiência e Energia, a empresa está montando sua estratégia de transição energética e descarbonização em quatro grandes pilares: coprocessamento e uso de materiais cimentícios como substitutos ao clínquer; aumento da eficiência energética; uso de fontes renováveis de energia; e desenvolvimento de tecnologias.

Em 2019, a companhia criou a Verdera, unidade de negócios dedicada a oferecer serviços de gestão, processamento, coleta, transporte e destinação final de resíduos para o coprocessamento. Quatro anos depois, graças à Verdera, mais de 1 milhão de toneladas de resíduos foram utilizadas como combustível nos fornos da Votorantim no Brasil e na América do Norte. No ano passado, a Verdera terminou a ampliação da unidade de pré-trituração de resíduos em Itaperuçu (PR), para ampliar a oferta de resíduos para a fábrica de Rio Branco do Sul (PR).

Outro fator que contribuiu para o resultado foi a substituição do clínquer por subprodutos vindos de outras indústrias, como escórias siderúrgicas e cinzas de termelétricas, promovendo a economia circular, além de pozolana natural (rocha de origem vulcânica) e argila calcinada.

No pilar do aumento de eficiência energética, a empresa iniciou, por exemplo, em sua fábrica de Salto de Pirapora (SP), um projeto de modernização da linha de produção que inclui o aumento da capacidade de substituição térmica da unidade. Cerca de R$ 180 milhões estão sendo investidos especificamente nesse projeto.

E na estratégia com fontes renováveis, Cirilo cita dois investimentos: um parque eólico de 220 MW no Nordeste, em parceria com a Auren, no qual 25% da energia gerada é direcionada para suprir a empresa, iniciativa que elevou para 49% a participação de energia elétrica de fontes renováveis nas operações no Brasil. E um acordo com a Atlas Energia para a construção de um parque solar em Paracatu (MG) com previsão para operar em janeiro de 2026. Segundo Cirilo, a iniciativa ampliará para 75% a energia renovável autoproduzida, atendendo as unidades das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Paralelamente, a companhia tem se dedicado a desenvolver processos inovadores com materiais e captura e uso de carbono (CCUS), com vistas a atingir a condição de produzir matéria prima para o concreto carbono zero até 2050.

A meta de descarbonização da Votorantim Cimentos, alinhada ao Science Based Target Initiative (SBTi), é reduzir as emissões para 475 quilos de CO2 por tonelada de cimento até 2030. Em 2023, a empresa obteve um resultado global de emissões de 556 kg de CO2 por tonelada de cimento produzido, 4% menos do que em 2022.

InterCement

Na busca pela redução de suas emissões de CO2, a InterCement Brasil tem lançado mão de uma estratégia diversificada que compreende principalmente a adoção do coprocessamento e de adições no processo de clinquerização. Entre 2014 e 2023, a companhia investiu R$ 110 milhões em equipamentos e estruturas de coprocessamento e um novo filtro na fábrica de Bodoquena (MS).

Cristiano Ferreira (foto), gerente de Coprocessamento Senior da InterCement, explica que a empresa vem mudando a sua matriz energética com coprocessamento de resíduos industriais e urbanos, biomassa e pneus, em substituição ao coque de petróleo e ao carvão mineral.

 Em outra frente, a InterCement aposta na redução da utilização de clínquer para produzir cimento, adicionando materiais sustentáveis, como pozolanas e escórias. Quanto menor o uso de calcário, que é a base do clínquer, menor a emissão de CO2.

Outra iniciativa tem sido ampliar a eficiência energética de todas as unidades, por meio da troca de equipamentos por modelos que permitam melhor performance, otimização de processos e uso de matérias-primas. A companhia também tem investido em novas tecnologias, como fornos com menor consumo de energia elétrica e calor.

Fábrica da InterCement em Cajati (SP): empresa está ampliando a eficiência energética de todas as unidades, por meio da troca de equipamentos por modelos que permitam melhor performance (Foto: Divulgação)

A InterCement optou por usar energia renovável através de participação em PCHs. Recorrendo aos números, Ferreira destaca que entre 2014 e 2023 a companhia evoluiu de 17,5% para 28% seu nível de substituição térmica e estima que o coprocessamento tem reduzido a emissão de 300 mil toneladas de GEE por ano, ou quase mil toneladas por dia.

 

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