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O desafio de descarbonizar a Amazônia

Com a interligação de alguns sistemas isolados ao SIN e a substituição do diesel por gás natural, biodiesel e geração fotovoltaica, a expectativa do governo é a de evitar o lançamento de 1,5 milhão de toneladas de CO2 à atmosfera

Por Eugênio Melloni

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Térmica a diesel em sistema de Parintins, desativada com a conexão ao SIN em 2023 (Foto: Paulo Louredo/MME)

Dispondo de uma matriz elétrica com 84,8% de participação de fontes renováveis, o Brasil convive com um terrível paradoxo: a maior parte da energia consumida na Amazônia, santuário da biodiversidade, é produzida por poluentes usinas termelétricas movidas a óleo diesel e a óleo combustível. Segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME), 3,1 milhões de pessoas na região amazônica são atendidas por 211 sistemas isolados de energia produzida a partir dessas fontes fósseis. Nesses sistemas, o óleo diesel representou, no ano passado, 76% da matriz elétrica.

A geração a partir de combustíveis fósseis desses sistemas isolados lança na atmosfera cerca de 2,3 milhões de toneladas de CO2 anualmente, sendo as usinas a óleo diesel responsáveis por 76,5% dessas emissões. O óleo diesel emite quase duas vezes mais gases de efeito estufa (GEE) que uma usina a gás natural em ciclo combinado, por exemplo. 

Além da poluição, o custo da energia produzida é elevado, sendo rateado entre os consumidores de todo o país por meio da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC). Em 2023, essa conta atingiu um total de R$ 11,3 bilhões. Outro fator negativo desses sistemas de geração é o elevado nível de perdas, que pode atingir 80%.

Além do impacto ambiental proporcionado por esses sistemas de geração, há ainda efeitos econômicos importantes. As deficiências na oferta de energia na região são apontadas com frequência como fatores limitadores do desenvolvimento de alternativas econômicas que permitam um aproveitamento sustentável das riquezas naturais do bioma.

Mapa dos sistemas isolados

O Amazonas é o Estado que conta com o maior número de sistemas isolados: são 97, atendendo a 284 mil unidades consumidoras.

Roraima hoje é o único estado que não está conectado ao SIN, dependendo principalmente de geração de termelétricas, a maioria delas a diesel. Em Roraima, são 58 sistemas isolados, com 162 mil unidades consumidoras. A capital do estado, Boa Vista, abriga o maior sistema isolado em atividade, contando com a oferta de 58 usinas termelétricas movidas a diesel, gás, biomassa e uma pequena central hidrelétrica. O custo da geração das usinas térmicas locais é estimado em R$ 2 bilhões por ano.

O Pará tem 17 localidades atendidas por sistemas isolados, enquanto em Rondônia e no Acre, respectivamente, 13 e 7 comunidades são servidas por esses sistemas.

O Amapá possui apenas um sistema isolado. Pará, Rondônia, Acre e Amapá têm, em conjunto, mais de 100 mil unidades consumidoras de energia nesses sistemas. 

Interconexão ao SIN

Para enfrentar o problema, o governo federal lançou, em agosto de 2023, o Programa Energias da Amazônia, que tem como objetivo reduzir em 70% a geração térmica a partir de combustíveis fósseis, evitando o lançamento de 1,5 milhão de toneladas de CO2 à atmosfera. As metas de redução das emissões estão associadas à expectativa de diminuir em até 70% o consumo de óleo diesel em termelétricas na região até 2030.

Planta solar instalada na comunidade de Lábrea, perto de Manaus (Foto: Bruno Kelly/Alamy)

O programa prevê investimentos de R$ 5 bilhões, que serão divididos em três frentes: conversão de térmicas a diesel para o gás natural, conexão de comunidades isoladas mais populosas ao sistema interligado e a instalação de energia solar, com uso de baterias ou sistemas híbridos ainda óleo-solar, em localidades menores e mais isoladas.

A interconexão de sistemas isolados, usando como eixo central o Linhão de Tucuruí, que permite o escoamento da eletricidade gerada pela hidrelétrica homônima para o Norte do país, é a face mais visível desse programa. A previsão é conectar ao Sistema Interligado Nacional (SIN) 53 localidades atualmente atendidas por sistemas à base de combustíveis fósseis por meio de 37 obras de linhas de transmissão e distribuição. Não foram divulgadas metas para a ampliação da geração a partir do gás natural e da geração fotovoltaica.

O Linhão de Tucuruí tem como objetivo interconectar Boa Vista (RR) e Manaus (AM), que já está ligada ao SIN, por uma linha de transmissão de mais de 700 km de extensão. A expectativa é que o projeto esteja concluído em setembro do próximo ano. Os investimentos previstos na interconexão das duas capitais do Norte do país são calculados em R$ 2,6 bilhões.

Interligação Manaus-Boa Vista, de 721 km, conectará Roraima ao SIN (Foto: Vanessa Vieira)

Em agosto do ano passado, o governo anunciou a conexão ao SIN dos municípios de Itacoatiara e Parintins, no Amazonas, e Juruti, no Pará. Somados, representam um contingente de 70 mil unidades consumidoras. Em Parintins, a conexão permitiu o desligamento da maior térmica a óleo diesel da região, em funcionamento há quase 60 anos. Com isso, evitou-se a continuidade de um consumo de diesel calculado em cerca de 45 milhões de litros/ano que lançava à atmosfera 90 mil toneladas de dióxido de carbono.

 Além da poluição do ar, a poluição sonora da usina e a intermitência da geração de energia no local são alguns dos problemas resolvidos com a conexão. A mesma quantidade de óleo diesel deixou de ser consumida em Itacotiara, evitando-se a emissão de 93 mil toneladas de CO2.

No ano passado, a conexão de Itacoatiara, Juruti e Parintins ao SIN contribuiu para uma redução de R$ 1,3 bilhão no montante da CCC, em comparação ao valor registrado em 2022, que foi de R$ 12,9 bilhões.

Leilões de energia para o sistema isolado

Além da interconexão, a expectativa é que o próximo leilão de energia para o sistema isolado, previsto para o final deste ano, contribua para a substituição de unidades do parque gerador à base de combustíveis fósseis por usinas à base de gás natural e fontes renováveis. O governo introduziu a exigência de uma participação mínima de 20% da energia gerada a partir de fontes renováveis, com ou sem soluções de armazenamento. Além disso, a contribuição para a redução das emissões de CO2 será considerada na classificação da proposta vencedora. 

Espera-se que, no leilão, serão contratadas energia e potência para 15 sistemas do Amazonas e Acre. Os contratos terão duração de 15 anos, com o suprimento iniciando entre 2027 e 2030. Deverão ser oferecidos três lotes, dois deles para o Amazonas, com 31 e 37,4 MW; e um para o Acre, de 9,9 MW.

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