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“Os consumidores não devem pagar o custo da transição energética”

Em entrevista à Brasil Energia, o presidente da Frente Nacional de Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, dá sua visão sobre o que querem os consumidores residenciais, comerciais, de serviços e industriais nas ações pró transição energética e pontua: “Os consumidores não devem pagar o custo desta transição”

Por Eugênio Melloni

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Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional de Consumidores de Energia (Foto: Divulgação)

Há um consenso global de que o consumidor de energia é a figura central da transição energética. Mas pesquisa realizada em todo o planeta pela empresa de consultoria EY aponta que quase dois terços dos consumidores não estão dispostos a arcarem com mais custos da energia elétrica que possam ser impostos pela transição energética.

Para falar sobre como o consumidor encara os movimentos e Ações em Transição Energética, a Brasil Energia convidou para esta entrevista o presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luis Eduardo Barata, engenheiro eletricista de formação e grande conhecedor das mazelas e soluções propostas para o setor elétrico. Barata foi diretor de Operação e diretor-Geral do ONS, secretário executivo do Ministério de Minas e Energia, presidiu o Conselho de Administração da CCEE e foi conselheiro do antigo Mercado Atacadista de Energia. Passou também pela Eletrobras, Itaipu Binacional e Furnas e foi consultor do Instituto Clima e Sociedade (iCS).

Ele destaca que, no Brasil, a entidade luta para que os custos da descarbonização da economia não sobrecarreguem o consumidor, lembrando que em outros países custos e subsídios necessários para vencer a inércia do modelo vigente são bancados pelos Tesouros.

Barata também destacou a necessidade de o Governo Federal e os órgãos reguladores realizarem campanhas permanentes que promovam a eficiência energética, o que contribuiria para a redução do consumo de fontes fósseis na ponta que paga as contas de todo o sistema.

Brasil Energia - Uma pesquisa realizada pela empresa de consultoria EY com 100 mil pessoas em 21 países apontou que 69% dos entrevistados afirmaram não estar dispostos a fazer mais do que já fazem pela causa da transição energética, arcando com mais custos. Se existe um consenso de que será o consumidor quem fará a transição energética, como convencê-lo a exercer esse papel?

Luiz Eduardo Barata - O que eu acho que pode, de certa forma, mudar esse quadro, é um agravamento da questão climática. Creio que o que vimos no último um ano e meio, dois anos, realmente leva, no primeiro momento, as pessoas que têm mais sensibilidade a perceber o que está acontecendo. Mas, depois, isso vai de roldão.

Porque o fato de dizer para as pessoas que a temperatura do planeta subiu 1,5 grau em relação à era pré-industrial não significa nada. Ninguém entende isso ou leva isso a sério. Mas, quando as cidades ficam debaixo d'água, como ocorreu com Porto Alegre e acontece com Valência, as pessoas começam a se sensibilizar.

Na contraposição disso tudo, contudo, um maluco negacionista ganha as eleições na maior economia do mundo e diz que vai reverter esse quadro. Mas ele vai aumentar a exploração de petróleo, gás e carvão, em detrimento de tudo isso. Espero que a realidade acabe, de certa forma, se impondo. Só que, se nós percebemos, com antecedência, o que está acontecendo e tomamos medidas mitigantes, fazemos com que a realidade se apresente menos gravosa para as pessoas. Quando não se faz isso e paga-se para ver, aí a coisa se torna muito grave.

Como estamos no Brasil em relação ao papel do consumidor na transição energética?

No Brasil, nós fizemos uma transição energética naturalmente. Nos últimos dez anos, investimos maciçamente em fontes renováveis. Nós, infelizmente, só não avançamos naquelas renováveis gerenciáveis, que são as hidrelétricas. Mas tivemos avanço nas renováveis intermitentes, que são as eólicas e solares, o que aumentou bastante a participação da energia limpa na nossa matriz.

Nós, como representantes dos consumidores, temos a preocupação de que não sejamos, exclusivamente nós, a pagar por isso, diferentemente do que tem acontecido no mundo. No mundo, quando um país toma a decisão de implantar um programa de incentivo à transição energética, isso é feito à custa do seu Tesouro, como é nos Estados Unidos e na Europa. Aqui, as decisões têm sido tomadas no sentido de imputar ao consumidor, que já paga uma conta enorme, mais esse custo.

Na Europa, o custo da energia renovável é mais alto, porque a geração está no mar. Então, o custo de energia é mais caro pela implantação. Aqui no Brasil, essas fontes são as mais baratas. Então, naturalmente, isso deveria reduzir o custo. Mas ainda há subsídios, que são desnecessários. O que mostra que o nosso arcabouço está equivocado e precisa ser revisto.

É possível conseguir um engajamento dos consumidores, principalmente residenciais, de classes mais baixas, na transição energética sem um incentivo econômico?

Na Frente (N.R. Frente Nacional dos Consumidores de Energia), quando surgiu, o mote principal era a questão do custo da energia. A contradição que víamos e temos ainda hoje: um país como o Brasil, que tem todas as condições de ter uma energia extremamente barata, tem uma das mais caras do mundo. Esse foi, eu diria, o nosso mote inicial. Mas, imediatamente, nós caímos na real.

Não é suficiente que a energia seja barata. É preciso que ela seja também limpa e sustentável. Então, hoje, eu diria, é o nosso lema. Sem deixar de focar na energia barata... E por que barata? Para permitir que todo brasileiro seja capaz de usar a energia da melhor maneira possível.

O consumo per capita brasileiro é baixíssimo, muito abaixo da média mundial. Então é preciso oferecer energia a um valor acessível a todos. E é preciso também que ela seja limpa. Porque, caso contrário, nós vamos contribuir para esse inferno que a gente está vivendo hoje, que são as mudanças climáticas e o aumento dos eventos extremos, como vem acontecendo.

Mas como fazer para que esse consumidor se conscientize dessa questão?

É preciso que, além do desenvolvimento coletivo, se faça de fato uma campanha de esclarecimento à população, mostrando que é possível, sim, reduzir o custo e manter a energia limpa. E todos saímos ganhando, porque, na verdade, é por isso que a gente deve brigar e buscar uma cooperação ganha-ganha.

Para isso, como é que nós vamos convencer as pessoas a usar a energia com boas práticas, de forma que elas continuem tendo o mesmo conforto e a mesma qualidade pagando menos? Não vão ser as distribuidoras e os vendedores de energia que vão fazer isso. Alguém tem que fazer isso, de fato.  O governo teria que fazer isso. Não adianta convencer a distribuidora, que tem como receita vender mais energia, dizer o seguinte: “olha, fique com o seu conforto, mas usando menos energia”. Aí vai reduzir a receita dela. É uma tolice imaginar que isso vai acontecer.

Então, caberia ao governo, ao regulador e também a nós, sociedade, fazer essa campanha de esclarecimento da população, porque existe um espaço razoável de ganho de eficiência. Se você ganha eficiência, você reduz a geração térmica. Se você reduz a geração térmica, você avança na linha da transição energética para um mundo mais verde.

Agora, eu não vejo nenhum movimento nessa direção. Em outubro, quando começou um arremedo de crise, se falou no horário de verão. Houve imediatamente um movimento, uma pressão para reduzir a bandeira e essa discussão deixou de existir.

Nós só funcionamos na crise. Quando saímos da crise, o assunto deixa de existir, até que voltemos a enfrentar uma nova crise. É isso. Há os países que avançam, que vencem, e os países que ficam nesse rame-rame, como ficamos aqui no Brasil.

O tema da eficiência é impressionante. A gente não tem ideia do que poderia ser alcançado em economia de energia e, consequentemente, em economia de gastos se a gente avançar efetivamente nessa questão.

Já conseguimos uma grande mobilização popular na crise energética de 2001.

Nós não conseguimos aquilo? Nós reduzimos, chegamos a reduzir quase 20% da demanda. Todos mudaram seu comportamento. Houve, também, uma evolução tecnológica, envolvendo a substituição de lâmpadas e motores por modelos mais eficientes no consumo de energia. Aquilo precisava ter continuado.

Mas, equivocadamente, alguns acham que, ao se falar nisso, cria-se um link com o racionamento. Não é nada disso, é o contrário. É o aumento do conforto, o aumento da produção, com o uso menor de energia. Isso é eficiência. E um dos problemas do Brasil, justamente, é a eficiência associada à produtividade. A nossa produtividade é muito baixa. Isso é o que nos diferencia dos países da OCDE, da Coreia do Sul, por exemplo.

Falamos até aqui do consumo residencial. E como estamos nas demais categorias? No consumo comercial o cenário é gravíssimo. Por exemplo, praticamente todos os supermercados e bares estão com suas geladeiras absolutamente ineficientes. A substituição desses equipamentos aumentaria muito a eficiência energética.

E, obviamente, se aumenta a eficiência, precisa de menos energia, de menos térmica. Se precisa de menos térmica, há uma energia mais limpa, renovável.

O importante é a gente conseguir sensibilizar o governo. Eu não ouço o Ministério falar nada sobre Eficiência. Esse é o desafio. Porque esta é a forma do consumidor contribuir para a transição energética.

E os grandes consumidores?

Os grandes consumidores, de certa forma, já contribuem. Por que contribuem? Porque são consumidores livres e sabem exatamente quanto a energia participa do seu custo. Então eles investem em eficiência. O consumidor residencial e comercial, que não têm conhecimento, necessitaria de um trabalho de sensibilização para isso, que comece nas escolas ou nas federações de comércio. Mas é preciso que a gente avance nesse tema. Existem grupos de excepcionais conhecimentos técnicos nessa área de eficiência energética, mas infelizmente eles são também minoritários na população e não conseguem levar seu conhecimento muito adiante.

No caso dos consumidores industriais, o caminho da transição energética foi o mercado livre. A abertura do mercado livre para outras categorias, chegando até o consumidor residencial, tende a melhorar essa questão?

Eu acho que sim. Mas vejo hoje uma série de dificuldades para que a gente avance nessa linha. Refiro-me, em especial, aos contratos legados. As distribuidoras têm contratos que vão durar ainda 20 anos. Se você permite uma evasão do mercado regulado para o mercado livre, essas empresas vão ficar com contratos e sem clientes. Elas serão obrigadas a pagar os contratos. Eu não consigo imaginar como isso será feito sem uma revisão ampla, geral e irrestrita do modelo setorial e do arcabouço que a gente tem hoje.

Eu acho muito difícil. Agora, as pessoas têm as soluções de quebra galho, contra as quais eu me posiciono. Eu acho que ou você faz algo estruturado, planejado e, de certa forma, sustentável, ou você resolve o problema hoje, que vai te criar um problema maior logo na frente, como vem acontecendo.

As medidas que todos têm adotado no setor são pontuais e resolvem o problema pontualmente. Por exemplo, vamos falar da MP 1.232, que era para resolver o problema do Amazonas. A MP, de certa forma, deu uma sinalização que vai resolver o problema do Amazonas, mas criou problema para o resto dos consumidores, porque colocou R$ 14 bilhões na conta de todo mundo. Então, soluções assim resolvem o problema de um grupo, mas criam um problema maior para o restante. Essa é que eu acho que é a minha preocupação. Mas eu sou absolutamente favorável à liberação total do mercado, desde que essas questões todas sejam resolvidas.

Há um consenso de que aquele conceito dos 3Ds é o caminho para a eficiência energética. Descarbonização, descentralização e digitalização. Descarbonização a gente já fez naturalmente. A descentralização está acontecendo, ainda que falte um caminho a percorrer. E a digitalização, o que falta para acontecer?

Eu vejo, por exemplo, no setor de geração e transmissão, que está muito avançada. As empresas que atuam na geração, todas trabalham com alta tecnologia. As usinas hidrelétricas, que são as mais antigas que nós temos, todas têm passado por um processo de retrofit e, nesse processo, há uma intensificação da digitalização.

No caso das distribuidoras, o problema é mais complexo. Porque o que a gente tem visto é que as empresas que têm digitalizado seus processos têm feito isso com o objetivo de reduzir pessoal.E na hora que você tem um problema o digital não adianta. Na hora que uma árvore cai sobre uma rede de distribuição, não adianta ter gente na sala de controle. É preciso ter gente para resolver o problema na rede.

Essa é uma questão que precisa ser repensada. A Aneel fez um workshop em abril e maio e trouxe um expert, um brasileiro que é diretor de um conjunto de distribuidoras nos Estados Unidos e Canadá. E ele trouxe a experiência que eles estão tendo lá com os eventos extremos. Ele trouxe uma série de ideias que a Aneel identificou como excelentes e necessárias para o Brasil. Só que aqui as coisas todas demoram a acontecer.

Tudo isso tem muito custo, não?

Nós temos insistido para que se reduza o custo da energia para que possamos aumentar o custo na área de distribuição. Porque será necessário aumentar, principalmente por conta desses eventos extremos.

Não temos visto nenhum movimento global que sinalize que, nos próximos por 5 ou 10 anos, o mundo cairá em si e reduzirá substancialmente a exploração de petróleo, de gás e o uso do carro. Então, esses eventos extremos vão continuar acontecendo e vão aumentar. E quando acontece, não adianta ter um sistema automatizado, que funciona muito bem para condições normais.

Será necessário, além do processo de digitalização, que é o terceiro D, também um reforço nas equipes, principalmente de recuperação do sistema. E isso, obviamente, aumenta o custo. Se todo o nosso esforço tem sido no sentido de não aumentar o custo, teremos que colocar a cabeça para pensar como conseguiremos fazer isso melhor.

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