Revista Brasil Energia | Ações em Transição Energética
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Primeiros passos para descarbonizar o mercado de GLP
Versão verde do GLP, o GLR vem sendo alvo de estudos para a definição de rotas tecnológicas, custos de produção e segmentos potenciais de consumo. Os primeiros clientes industriais já testam seu uso, mas o mercado residencial é uma conquista para o longo prazo.
O GLR, como é conhecida a versão renovável do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), está dando seus primeiros passos no Brasil. Empresas que atuam no amplo mercado nacional do GLP de origem mineral tem se dedicado a pesquisar e estabelecer rotas de produção e já ensaiam algumas ofensivas comerciais.
O primeiro movimento, contudo, está sendo o de corrigir o paradoxo inaceitável para um energético que terá a missão de substituir o tradicional gás de cozinha: descarbonizar o próprio nome. Em todo o mundo, a nomenclatura está sendo alterada para tirar o P de Petróleo. Os produtores de bioGLP preferem chamá-lo de GLR, ou Gás Liquefeito Renovável, que reflete melhor os seus atributos voltados para a sustentabilidade.
Produzido a partir de óleo de soja ou de outras oleaginosas, o GLR chega ao mercado oferecendo as mesmas características do GLP, isto é, uma composição quase que integral dos hidrocarbonetos propano (C3H8) e butano (C4H10). Isso permite seu consumo sem que seja necessário realizar alterações nos processos dos usuários. Com o GLR, se mantém ainda o potencial de queima superior que o GLP apresenta em relação a outros produtos concorrentes de origem mineral, como o óleo diesel e o gás natural.
As vantagens ambientais do energético verde são largamente destacadas. O grande diferencial em relação ao GLP mineral é sua potencial capacidade de alcançar redução de 80% de emissões de gases de efeito estufa na queima. O dado, contudo, necessita ainda de comprovação nos diversos usos, conforme reconhecem os próprios executivos que pesquisam este novo segmento.
Independentemente do ganho ambiental, a introdução do GLR no Brasil também pode reduzir a dependência nacional do GLP importado, que hoje atende 25% a 30% da demanda doméstica. Outro benefício será o de descentralizar a oferta ao mercado e sua logística de suprimento, com maior número de players em relação aos segmentos de produção e comercialização de GLP, hoje ainda bastante concentrados.
Mercado gigantesco
O mercado a ser desbravado pelo GLR é enorme. De acordo com os números do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás), o energético está presente em quase todos os municípios brasileiros, com grande destaque para o atendimento ao consumidor residencial. O Sindigás afirma, citando dados do IBGE, que 91% das residências utilizam o energético, respondendo por vendas de quase 33 milhões de botijões de 13 quilos por mês.
O consumo industrial, segundo ainda o Sindigás, representou 13,1% do mercado em 2021, último dado disponível. As indústrias usam o GLP em caldeiras, cortes térmicos e fornos industriais, em substituição ao óleo combustível e outros derivados de petróleo. Segmentos como o de cerâmica, vidro e indústria alimentícia recorrem ao energético para obter a queima sem resíduos, indispensável para a qualidade final de seus produtos. A indústria química, por sua vez, utiliza o GLP como matéria-prima para a obtenção de diversos produtos, entre os quais polipropilenos e polietilenos.
70% do consumo de GLP no país são comercializados em botijões de 13 kg, basicamente residencial. (Fonte: ANP, Sindigás)
A EPE prevê que a demanda por GLP em 2024 deverá atingir 7,6 milhões de toneladas – patamar que, se for alcançado, representará um crescimento de 1,9% em relação ao ano anterior. Para o próximo ano, a estatal calcula que a demanda subirá para 7,7 milhões de toneladas, com um aumento de 1% na comparação anual, já apontando efeitos do Programa Gás para Todos.
As fontes consultadas consideram que ainda seria pouco precisa qualquer estimativa sobre o potencial de avanço do GLR sob os domínios do GLP. Há uma visão de que, a depender da rota tecnológica de produção do novo energético, não há matéria-prima disponível para atingir produção suficiente para substituir totalmente o GLP.
Outro obstáculo pode ser o valor com o qual deverá ser negociado o GLR. A expectativa é que o custo deverá, por óbvio, sustentar os investimentos no desenvolvimento da tecnologia e novas plantas, mas há quem considere defensável estabelecer um diferencial pela condição de alternativa sustentável para o GLP.
Por isso, em princípio, fontes consultadas acreditam que o produto encontre maior viabilidade no mercado industrial. No mercado residencial, a questão Preço tem grande influência sobre o uso do GLP, que hoje compete com o gás natural canalizado. Assim, espera-se que, para atender o consumidor residencial, o GLR deve ser misturado ao GLP.
Fonte: PNAD/IBGE, ANP e Sindigás
Movimento das distribuidoras
A Copa Energia, uma das principais distribuidoras de GLP, está desenvolvendo parcerias com a Universidade de São Paulo (USP) e com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para estudar rotas de produção do GLR e dimensionar sua capacidade potencial de produção. A empresa tem planos para iniciar a produção em escala comercial em 2029, de acordo com o diretor de Estratégia e Novos Negócios, Cleber Hamada (foto).
O convênio firmado com a USP prevê estudos relacionados com três rotas de desenvolvimento de tecnologias para a produção de GLR. Uma delas envolve o processo de produção do HVO (Hydrotreated Vegetable Oil), alternativa renovável para o diesel fóssil, ou da produção de SAF, sigla em inglês para Combustível Sustentável de Aviação. Ou seja, o GLR é um subproduto da produção dos dois combustíveis renováveis.
Ainda não há no Brasil, no entanto, quem produza HVO ou SAF em larga escala. As pesquisas indicam que se pode obter, por essa via, produtividade de 5% em massa, ou seja, 5 litros de GLR para cada 100 litros de diesel HVO produzidos. Apesar da baixa produtividade, essa rota vem sendo adotada por várias plantas nos Estados Unidos e na Europa.
Uma segunda rota em estudos envolve a produção do glicerol, tendo também o óleo de soja como matéria-prima. A Copa Energia considera essa rota a mais promissora devido à produtividade em massa de 50%. Outra vantagem é o fato de o glicerol ser uma matéria-prima com baixa demanda, o que pode influir para um baixo custo de suprimento.
A terceira rota envolve a gaseificação de qualquer resíduo sólido agrícola. Do gás obtido é possível extrair o GLR. Como ponto favorável, está a aptidão do país para a produção agrícola, que proporciona, em diferentes culturas, grande produção de palha. Esses resíduos normalmente não têm utilidade para o produtor rural, o que poderá resultar em vantagem econômica para torná-lo matéria-prima comercializável.
A frente de estudos da UFRJ já resultou na produção de GLR a partir do glicerol em escala laboratorial. A próxima etapa é estudar a escalabilidade e o capex de uma planta comercial. A meta é chegar, em 2026, a uma fase de pré-piloto e, no ano seguinte, ter um protótipo operando. A produção em escala comercial é prevista para 2029.
Copa Energia e USP estudam rota tecnológica no Hub de Energias Renováveis, inaugurado em 2023 (Foto: Leo Orestes)
A Ultragaz é outra distribuidora de GLP que aposta no potencial comercial do GLR por meio de parceria com a Refinaria Riograndense (RPR). A distribuidora adquiriu, em 2023, um lote de 140 toneladas do produto junto à refinaria, que produz o GLR a partir do óleo de soja, processado na unidade de craqueamento catalítico fluidizado (FCC).
A Ultragaz iniciou, em 2020, os estudos envolvendo rotas tecnológicas do GLR. A distribuidora firmou, então, a parceria com a RPR. A refinaria conseguiu processar, em novembro do ano passado, 100% de óleo de soja em uma unidade de refino industrial.
A tecnologia adotada pela RPR foi desenvolvida no Cenpes - Centro de Pesquisas da Petrobras. A Refinaria Riograndense estima que a capacidade de produção possa atingir 30 mil toneladas por ano.
Em outubro deste ano, a Ultragaz anunciou que a CBMM, mineradora de nióbio, adquiriu cerca de 60 toneladas de GLR para testes na produção de óxido de nióbio e da liga ferro-nióbio. Os resultados iniciais dos testes com o novo combustível foram considerados promissores. A iniciativa faz parte do plano de sustentabilidade da CBMM.
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