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Sucata vira ouro na transição energética de aciarias e fundições

A produção de uma tonelada de aço a partir do minério de ferro emite 2,4 toneladas de CO2 na atmosfera. Para produzir a mesma quantidade de aço, a reciclagem de sucata emite entre 600 e 700 quilos de CO2

Por Eugênio Melloni

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Cadeia de reciclagem da Gerdau: sucata é a matéria-prima responsável por 30% da produção de aço no país (Foto: Divulgação Gerdau)

A sucata ferrosa, uma categoria de materiais que engloba desde automóveis em fim de vida útil até plataformas de petróleo desativadas, é ao mesmo tempo um importante vetor de redução de custos para aciarias e fundições e uma das principais apostas deste segmento para descarbonizar o setor no Brasil. A sucata é a matéria-prima responsável por 30% da produção de aço no país. Segundo o Instituto Nacional de Reciclagem (Inesfa), 12 milhões de toneladas de aço foram fabricadas em 2023 a partir da transformação da sucata.

O presidente do Inesfa, Clineu Alvarenga (foto), destaca que a reciclagem de qualquer produto feito em aço proporciona uma importante combinação de benefícios econômicos e ambientais na produção de aço. Entre os benefícios ambientais, a significativa redução de emissões de gases de efeito estufa com o menor uso de energia que a sucata requer em relação à transformação do minério de ferro em aço.

A produção de uma tonelada de aço a partir do minério de ferro emite 2,4 toneladas de CO2 na atmosfera. Para produzir a mesma quantidade de aço, a reciclagem de sucata emite entre 600 e 700 quilos de CO2.

Além disso, se toda a produção de aço fosse realizada a partir da sucata haveria uma redução de 76% no consumo de água e 85% na poluição do ar, de acordo com estudo realizado em 2022 pela empresa de consultoria GO Associados a pedido do Inesfa.

A utilização da sucata não é uma novidade neste segmento. Os sucateiros, como sempre foram conhecidos os recicladores de sucata, fornecem a matéria-prima para fundições e aciarias há cerca de 70 anos. Mas, diante do agravamento da crise climática, o uso da sucata ganhou o status de uma das principais ferramentas para que o setor faça a transição energética.

Dificuldades ao redor do planeta

Globalmente, a produção de ferro e aço é considerada um dos segmentos que mais emitem CO2. A produção de aço é naturalmente dependente do carvão, utilizado principalmente como agente redutor para a extração do ferro do minério de ferro e fornecer o teor de carbono necessário ao aço.

Aços Verde, empresa do Grupo Ferroeste situada no Maranhão, adota técnica própria para a reciclagem da sucata ferrosa (Foto: Divulgação Aços Verde)

Ocorre que nos últimos anos a demanda mundial tem crescido de forma acentuada, impulsionada principalmente pelo crescimento econômico da China. E tende a continuar em expansão, mesmo diante da expectativa de uma desaceleração da economia chinesa, com os países do Sudeste Asiático e da África ampliando a sua demanda.

Como resultado dessa crescente demanda, as emissões totais de CO2 do setor de ferro e aço aumentaram nos últimos anos.  Segundo a Agência Internacional de Energia, este setor econômico figura entre os últimos a atingir o Net Zero, ainda usando carvão em 2050, por conta da importância desse mineral como agente redutor.

Nessa trajetória, sinais positivos começam a surgir. Na Europa, projetos que apresentam emissões próximas de zero têm ganhado espaço mais rapidamente. Os anúncios de projetos de produção de aço de baixa emissão também têm sido mais frequentes no Canadá, Oriente Médio, Austrália e China.

Mas, para a IEA, serão necessários cortes substanciais nas emissões de CO2 para que o setor se alinhe ao Cenário NZE, com o corte de um quarto das emissões até 2030. O caminho para atingir essa meta passa, segundo a agência, por melhorias na eficiência energética e maior coleta de sucata para uso na produção, novas tecnologias para a produção baseada em eletricidade, uso de hidrogênio e CCUS.

Fonte: Agência Internacional de Energia (IEA)

Gerdau desmantela plataformas de petróleo

A reciclagem de sucata ferrosa tem participação fundamental nas atividades da Gerdau, líder do mercado de aços longos das Américas. A empresa recicla, anualmente, cerca de 11 milhões de toneladas de sucata ferrosa, respondendo por mais de 70% de sua produção de aço.

Para cada tonelada de sucata reciclada, a Gerdau deixa de consumir 1,4 tonelada de minério de ferro, 740 quilos de carvão e 120 quilos de calcário (Foto: Divulgação Gerdau)

No ano passado, a empresa venceu o leilão para desmantelar a plataforma P-33 da Petrobras e aproveitar a sucata metálica da embarcação na unidade de Charqueadas (RS). A Gerdau também arrematou em leilão a plataforma P-32, cujo desmantelamento será realizado em parceria com a Ecovix. A sucata oriunda dessa plataforma será reciclada nas unidades de Charqueadas e Sapucaia do Sul (RS).

Além de plataformas de petróleo, o menu das aquisições de sucata da Gerdau é variado. Engloba estruturas demolidas, veículos em fim de vida útil, embalagens, produtos de linha branca e máquinas, perdas de fabricação em processos siderúrgicos e de manufatura.

A gerente geral de meio ambiente, Cenira Nunes (foto), revela que para cada tonelada de sucata reciclada, por exemplo, a Gerdau deixa de consumir 1,4 tonelada de minério de ferro, 740 quilos de carvão e 120 quilos de calcário.

Ao término no processo, a Gerdau computa, também, uma redução de emissões de proporções semelhantes. Para cada tonelada de aço que produz valendo-se da sucata, deixa de emitir 1,5 toneladas de CO₂ na atmosfera, o que lhe confere uma das menores médias de emissões do setor: 0,91 tCO₂e por tonelada de aço, aproximadamente metade da média global, de 1,91 tCO₂e por tonelada de aço (Escopos 1 e 2).

Em novembro, a unidade nos Estados Unidos adquiriu por US$ 60 milhões a Dales Recycling Partnership, empresa dedicada à reciclagem de sucata ferrosa. A operação é parte da estratégia de ampliar canais próprios para a captação da sucata e buscar um custo mais competitivo para a matéria-prima no mercado norte-americano.

Para cada tonelada de aço que produz valendo-se da sucata, deixa de emitir 1,5 toneladas de CO₂ na atmosfera (Foto: Divulgação Gerdau)

AVB elimina combustíveis fósseis

A Aços Verde Brasil (AVB), empresa do Grupo Ferroeste situada no Maranhão, adota uma técnica própria para a reciclagem da sucata ferrosa. Sandro Raposo (foto), diretor de Sustentabilidade e Novos Negócios, explica que o processo de produção de aço na AVB foi planejado desde a concepção da engenharia básica para maximizar o uso de sucata reciclada e pré-aquecida no convertedor LD. A implantação do sistema custou mais de R$ 80 milhões.

Nos processos da companhia, que produziu 405 mil toneladas de laminados de aço em 2023, a sucata passa por um pré-aquecimento, que eleva sua temperatura a 600ºC, queimando o gás gerado nos altos-fornos como fonte de calor. Essa tecnologia permite ampliar o uso de sucata sólida de 12% para 30% e reduz riscos de explosões com o carregamento de sucata úmida.

O processo de pré-aquecimento da sucata também eliminou totalmente a necessidade de queima de combustíveis fósseis, como GLP, óleo BPF e gás natural, contribuindo para reduzir significativamente as emissões de CO2.

AVB no Maranhão: processo de pré-aquecimento da sucata eliminou a necessidade de queima de combustíveis fósseis (Foto: Divulgação AVB)

No ano passado, a AVB utilizou cerca de 99 mil toneladas de sucata metálica, somando as fontes externas e internas.

ArcelorMittal, um dos maiores do mundo

A ArcelorMittal é um dos maiores recicladores de aço do mundo, processando cerca de 30 milhões de toneladas de sucata todos os anos. Entre 65% e 70% do aço produzido nas plantas do segmento de aços longos têm origem na sucata ferrosa. Do total de sucata aproveitado pela companhia globalmente, aproximadamente 10% ou 3 milhões de toneladas são recicladas no Brasil.

A contribuição da reciclagem de sucata para a transição energética na companhia é significativa, de acordo como Bernardo Rosenthal (foto), diretor de Compras Metálicos. Além de preservar recursos naturais finitos, a prática minimiza o impacto da mineração no meio ambiente e permite um consumo de energia inferior ao do processo tradicional de fabricação de aço, reduzindo a pegada ambiental de uma atividade fortemente poluente.

A filial brasileira opera uma ampla rede de reciclagem de aço, com pontos de atendimento que realizam desde a coleta personalizada de materiais em caçambas até a logística reversa e a emissão de certificações de destinação final.

A empresa criou o programa ReciCAR, para reciclar sucata veicular, e incorporou a sucata em sua linha XCarb® de produtos como vergalhões e barras chatas mola, que combinam 100% de sucata metálica reciclada com energia renovável. A iniciativa permitiu reduzir em até 68% as emissões de CO₂ relacionadas à produção.

Na ArcelorMittal, programa ReciCAR, para reciclar sucata veicular, permitiu reduzir em até 68% as emissões de CO₂ relacionadas à produção. (Foto: Divulgação ArcelorMittal)

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