Opinião

A ampliação do papel da energia eólica

Crescimento do setor aliado a novas tecnologias, como eólica offshore, terá papel crucial tanto na geração de energia quanto na emergência climática

Atualizado em

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  • Por Elbia Gannoum

A eólica já é uma fonte consolidada como a segunda da matriz elétrica e, em dias de pico durante a Safra dos Ventos, já chega a abastecer cerca de 20% de todo o Sistema Integrado Nacional, batendo recordes de atendimento de mais de 100% do Nordeste durante um dia inteiro. Já ficou para trás o período em que a eólica era uma fonte “alternativa”, agora ela é não apenas uma fonte consolidada com um espaço importante na matriz como tende a crescer ainda mais aliada a novas tecnologias.

E este crescimento, esta ampliação de atividades, já está acontecendo há alguns anos, de forma que vem se intensificando. Como fruto disso, no dia 14 de abril de 2022, a ABEEólica comunicou ao mercado, a seus associados e parceiros sua marca. Após ter recebido como associadas grandes empresas globais de eólica offshore, a ABEEólica passou a se chamar “Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias”, oficializando, em sua marca, sua atuação para o desenvolvimento da eólica offshore no Brasil, assim como o interesse das suas associadas em novas tecnologias.

Esta nova marca representa um movimento que já estava em gestação há algum tempo, quando sentimos a necessidade de adaptar nossa imagem ao que estamos realizando no dia a dia. Como exemplo, cito que discutimos eólica offshore em nossos eventos há mais de cinco anos e temos um Grupo de Trabalho dedicado ao assunto há cerca de quatro anos. Estivemos ativamente envolvidos em todas as discussões públicas que resultaram no Decreto Nº 10.946, um passo crucial para a segurança jurídica da eólica offshore.

Todo este trabalho com offshore é fruto do interesse do mercado e da evolução da tecnologia. Nos últimos anos, recebemos, como associadas, grandes empresas globais de offshore, como é o caso da Equinor, Ørsted, Ocean Winds, Total Energies, Qair, COP/CIP e Subsea7, dentre outras, e gigantes do setor de energia que estão investindo fortemente em transição energética para fontes renováveis, como é o caso da Shell. Além disso, entre nossas associadas já temos grandes empresas que atuam em eólica offshore em outros países, como é o caso da Vestas, GE, Siemens Gamesa, Neonergia, Engie e EDPR, entre outras. E, para completar, temos associadas que atuam hoje em Onshore e têm se movimentado agilmente para fazer parte da cadeia offshore, como é o caso da Aeris. Fizemos um levantamento e constatamos que cerca de 60% das nossas associadas ou são empresas exclusivas de eólica offshore ou já atuam em offshore em outros países e têm interesse no mercado brasileiro ou são empresas que estão se preparando para participar desta nova cadeia produtiva - e isso inclui tanto empresas geradoras, como fornecedoras para a cadeia produtiva.

Considerando tudo isso, era apenas uma questão de tempo até que nosso logotipo refletisse o que já somos na prática: uma associação que cuida de eólica onshore e offshore. E, para finalizar, junto com esta mudança, resolvemos incluir também ‘novas tecnologias’ em nossa marca, porque temos visto uma grande complementariedade no desenvolvimento da offshore com o hidrogênio verde e sistemas de armazenamento e queremos atuar de forma muito próxima às outras associações que já cuidam exclusivamente dessas novas tecnologias.

O Grupo de Trabalho da ABEEólica que discute e promove o desenvolvimento da eólica offshore no Brasil, por exemplo, tem quatro anos de atividade, conta hoje com 72 empresas que se encontram com regularidade para debater os principais temas de avanço do setor, analisar atuação de outros países, estudar dados de relatórios globais, produzir conhecimento para uma cadeia que está em pleno desenvolvimento e promover cooperação com embaixadas e consulados de países como Reino Unido, Dinamarca, Noruega Países Baixos, Alemanha, além de bancos de desenvolvimento, como Banco Mundial. As empresas do setor têm mostrado um grande dinamismo e já há mais de 100 GWs de projetos de eólica offshore em análise no Ibama.

E é muito importante que a eólica offshore decole no Brasil nos próximos anos, porque ela terá um papel crucial, não apenas para geração de energia, mas também para enfrentar a emergência climática. No início de abril, o Global Wind Energy Council (GWEC) divulgou seu Global Wind Report 2022, um relatório completo, detalhado e analítico do setor eólico mundial. O relatório destacou que a indústria eólica global teve seu segundo melhor ano em 2021, com quase 94 GW de capacidade adicionada globalmente no ano passado (dado apenas 1,8% menor do que a taxa de crescimento de energia eólica ano a ano em 2020). O GWEC considera que este é um sinal claro da incrível resiliência e trajetória ascendente da indústria eólica global. No entanto, o GWEC deixa claro no relatório que esse crescimento precisa quadruplicar até o final da década se o mundo quiser permanecer na rota dos 1,5°C e zerar as emissões líquidas de gases estufa até 2050.

O alerta do GWEC é muito claro e a eólica offshore é vista como uma das apostas fundamentais para aumentar a velocidade de adoção da eólica, já que seus projetos costumam ser de grandes números e de alta eficiência. O Brasil, que tem um dos melhores ventos do mundo e já ocupa a sexta posição no Ranking Global de onshore, vai se destacar também no offshore, com um potencial impressionante e que passa facilmente dos 700 GWs de eólicas no mar. E, se adicionarmos a isso a importância que o hidrogênio terá para o setor energético num futuro não tão distante, nossas eólicas têm um caminho promissor e de muito, muito trabalho pela frente.

E isto também significa que o Brasil tem uma responsabilidade muito importante neste cenário de emergência climática em que a transição energética já não é mais um desejo e sim uma necessidade para o planeta. Nós já somos um dos países mais renováveis do mundo, falando especificamente do setor energético. É por isso que falar de transição energética, no caso do Brasil, é mais fácil quando nos comparamos com outros países fortemente dependentes do carvão e de outras fontes que emitem grandes quantidades de CO2. Em nossa matriz elétrica temos 83% de renováveis, enquanto a média global é de cerca de 25%. Na matriz energética, temos 48% e a média mundial está ao redor dos 15%. E seremos cada vez mais renováveis. Não apenas porque temos um dos melhores ventos do mundo para geração de energia eólica em terra, mas agora também porque estamos dando passos cruciais rumos à implantação da eólica offshore.

Nosso desafio não é, portanto, gerenciar escassez de recursos naturais limpos, como é o caso de tantos países que precisaram investir bilhões em políticas de desenvolvimento de renováveis. Nosso desafio é gerenciar sua abundância para produção de energia, tirar de cada um deles o melhor possível, protegendo a natureza e trazendo retornos sociais e econômicos para a sociedade. Nossa responsabilidade, quando miramos o palco mundial das discussões sobre aquecimento global, é gigantesca.

E é exatamente por termos essa abundância que podemos entender o processo de transição energética como uma oportunidade para que isso signifique uma transformação energética. Quando falamos de transformação energética, o conceito é mais amplo e envolve, por exemplo, todas as mudanças e tecnologias que se desenvolvem junto com as renováveis, para atender e permitir seu crescimento, além das consequências na sociedade.

O que consigo vislumbrar é que a verdadeira potencialidade e oportunidade da transformação, que é o fato de o investimento nos recursos naturais, de forma responsável, gerar desenvolvimento econômico e social por meio da distribuição de renda, da inclusão e da diminuição das desigualdades econômicas e sociais. É preciso dar esse pulo de raciocínio e ação: não basta gerar energia renovável que não emita CO2, é preciso que essa energia impacte positivamente a vida das pessoas. Aí começamos a falar de uma real transformação energética, da forma como eu a compreendo.

No caso da eólica, já enxergamos muito bem isso. Parques eólicos chegam a regiões remotas do Brasil, especialmente no Nordeste, impactando positivamente comunidades por meio de, por exemplo, empregos diretos e indiretos e geração de renda com os arrendamentos de terras dos pequenos proprietários, que seguem com suas criações de animais ou plantações, já que apenas uma pequena parcela da área é utilizada para colocação dos aerogeradores. Há também impactos de aumento de arrecadação de impostos que, com adequado gerenciamento público, podem significar melhorias para o município. O desenvolvimento tecnológico que chega com as renováveis também significa um novo caminho de atuação profissional.

Em novembro de 2020, a ABEEólica publicou o estudo “Impactos Socioeconômicos e Ambientais da Geração de Energia Eólica no Brasil”, realizado pela equipe do economista Gesner Oliveira, da consultoria GO Associados, e que quantificou os já conhecidos impactos positivos da energia eólica. O trabalho analisa, por exemplo, os efeitos multiplicadores dos investimentos realizados pelas empresas, assim como o impacto dos valores pagos para arrendamentos de terras para colocação de aerogeradores. O estudo também fez uma comparação entre um grupo de municípios que recebeu parques eólicos e outro que não tem energia eólica, para avaliar o impacto da chegada dos parques no Índice de Desenvolvimento Humano – IDHM e no PIB municipal.

No que se refere ao IDHM e PIB Municipal, os municípios que têm parques eólicos tiveram uma performance 20,19% e 21,15% melhor, respectivamente, para estes dois indicadores. Este é um resultado que mostra que não há dúvidas: a energia eólica chega e seus efeitos positivos multiplicadores impactam nos indicadores do município.

No início de 2022 divulgamos um segundo estudo, elaborado por Bráulio Borges, pesquisador-associado do FGV-IBRE e economista-sênior da LCA Consultores. O objetivo do estudo foi quantificar os impactos diretos e indiretos dos investimentos em energia eólica para o PIB, para os empregos e também para a redução de emissão de CO2. No caso do impacto do PIB, partimos do valor investido de 2011 a 2020, que foi de R$ 110,5 bilhões na construção de parques eólicos. Por meio de metodologia que calcula efeitos multiplicadores de diferentes tipos de investimentos, chegamos ao valor de mais R$ 210,5 bilhões referentes a efeitos indiretos e induzidos, num total de R$ 321 bilhões. Isso significa que cada R$ 1,00 investido num parque eólico tem impacto de R$ 2,9 sobre o PIB, após 10 a 14 meses, considerando todos os efeitos. Esta é a prova de que, além de ser uma energia renovável, a eólica também tem um forte componente de aquecer atividades econômicas das regiões aonde chegam parques, fábricas e toda a cadeia de sua indústria. E este é um número fundamental num momento em que discutimos a retomada econômica verde.

A discussão de transformação energética e dos efeitos da energia na sociedade tem se tornado ainda mais crucial após a pandemia, que abriu ainda mais os olhos da humanidade para o inadiável combate ao aquecimento global. E, nesse processo, as fontes que não emitem gases de efeito estufa e apresentam benefícios sociais, econômicos e ambientais, como é o caso da eólica, são nossa melhor aposta para quando chegar o momento da retomada econômica. No caso do Brasil, a boa notícia é que temos como uma das suas principais vantagens comparativas em relação a uma grande maioria dos países o fato de sermos uma potência energética com uma grande diversidade de energias limpas e, no caso das eólicas, há ainda o fato de que temos um dos melhores ventos do mundo, o que significa energia muito competitiva.  No Brasil a energia da transformação dos ventos é abundante e é nosso papel trabalhar a favor dela, seja na terra ou no mar, e sempre aliada a novas tecnologias, como é o caso dos parques híbridos, sistemas de armazenamento e hidrogênio verde. O papel dos nossos bons ventos, que já era grande, está se tornando maior ainda.

 

Elbia Gannoum é Presidente Executiva da ABEEólica – Associação Brasileira de Energia Eólica. Economista, Doutora pela Universidade Federal de Santa Catarina. Em sua carreira, acumulou experiências como membro da Diretoria da CCEE – Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (de junho de 2006 a Abril de 2011), Economista-Chefe do Ministério de Minas e Energia (2003-2006), Coordenadora de Política Institucional do Ministério da Fazenda (2001-2002), Assessora de assuntos econômicos no Ministério de Minas e Energia (2001), Assessora na ANEEL (2000-2001) e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (1998-2000). Acadêmica, com mais de 50 artigos publicados, Elbia é especialista em Regulação e Mercados de Energia Elétrica, tendo atuado nessa área desde 1998.

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