Opinião

Crescimento da geração eólica no Brasil: aprendizados para a operação do SIN

Desafios e ações do ONS para a inserção de geração eólica ao sistema de forma adequada e segura

Atualizado em

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  • Por Flávio Guimarães Lins com Alonso José Torres

 

Introdução

O Sistema Interligado Nacional – SIN é constituído por quatro subsistemas (Sul, Sudeste/Centro-Oeste, Nordeste e a maior parte da região Norte), interconectados por um extenso sistema de transmissão, onde a produção de energia elétrica é obtida por um sistema hidro-termo-eólico de grande porte, com predominância de usinas hidrelétricas e com múltiplos proprietários.

Nesse sistema, as usinas térmicas desempenham papel estratégico relevante, tendo em vista que, em condições hidrológicas adversas, a geração dessas usinas pode ser despachada em substituição a geração das usinas hidrelétricas, permitindo a gestão dos estoques armazenados em seus reservatórios, assegurando o atendimento energético futuro.

Nos últimos anos, a instalação de usinas eólicas, principalmente nas regiões Nordeste e Sul, apresentou um forte crescimento, aumentando a participação e a importância dessa geração para o atendimento do mercado.

A interconexão dos sistemas elétricos, por meio da malha de transmissão, permite a obtenção de ganhos sinérgicos, pois propicia a transferência de energia entre subsistemas, explora a diversidade entre os regimes hidrológicos das bacias e a sazonalidade da geração eólica. Os sistemas de transmissão integram as diferentes fontes de produção de energia e possibilitam o suprimento do mercado consumidor com segurança e economicidade.

A projeção da matriz elétrica brasileira de 2019/2024 aponta que a fonte hidráulica ainda será a mais significativa, com 62,1% de participação na potência instalada, seguida pela fonte eólica com 11,1%, que ultrapassará a Gás/GNL que terá 10,4%. O crescimento da eólica será de 27,9%, saindo de 15.273 MW em 2018 para 19.528 MW, em 2024.

Apenas no subsistema Nordeste, observa-se que a participação da geração eólica na matriz é muito representativa. Em 2019, com 12.801 MW de capacidade instalada, essa fonte tornou-se a mais representativa, com 39% de participação, contra 34% da hidráulica. Em 2024, esta diferença será ainda maior. A eólica representará 42% de todas as fontes de produção de energia desse subsistema, frente a 27% da hidráulica.

Nesse cenário, a fonte eólica tem se mostrado um importante recurso para o suprimento energético do subsistema Nordeste, batendo diversos recordes nos últimos dois anos. Em 6 de setembro de 2019, às 22h, foi registrado recorde de geração eólica média diária, no valor de 8.875 MW médios, atendendo cerca de 89% da carga da região, com um fator de capacidade de 75%.  Em 23 de setembro de 2019, houve recorde de geração instantânea, no valor de 9.824 MW. As usinas eólicas atenderam, no momento do recorde, 89% da carga do subsistema Nordeste, com um fator de capacidade de 83%.

Com relação ao Brasil, o recorde de geração média ocorreu em 6 de setembro de 2019, quando foram gerados 10.677 MW médios, correspondendo a um fator de capacidade de 76% e participação na carga do SIN em 17%. Em 12 de novembro de 2019, foi registrado recorde de geração instantânea, no valor de 11.826 MW, com um fator de capacidade de 83% e participação na carga do SIN em 16%.

O ótimo desempenho médio da geração eólica, juntamente com as diretrizes operativas para as usinas da cascata do rio São Francisco, permitiu uma recuperação importante no nível de armazenamento das usinas hidrelétricas nessa bacia nos anos de 2018 e 2019.

Esses números ilustram o quanto a operação do subsistema Nordeste e, por consequência, do SIN, foi e continuará sendo impactada pela inserção cada vez maior dessa geração. Por ser uma fonte de alta dependência das condições meteorológicas, sistematicamente, o sistema experimenta variações diárias e semanais da ordem de 40% a 55% em relação à capacidade instalada, respectivamente.

Como pano de fundo para a operação do SIN com a alta inserção da geração eólica, destaca-se a entrada em operação de usinas hidrelétricas sem reservatórios de regularização, as chamadas “fio d´água”. Dessa forma, a capacidade de armazenamento das usinas hidráulicas não tem apresentado elevação significativa, enquanto o consumo de energia elétrica sobe, em média, 3% ao ano. Esse fator traz uma componente de complexidade para a operação do SIN, já que uma das melhores soluções para mitigar a alta variabilidade e difícil previsibilidade das eólicas seria contar com a participação rápida e significativa das usinas hidráulicas, quer seja regionalmente ou de outra região. Parte das soluções que estão sendo pensadas no setor elétrico incluem utilização de sistemas de armazenamentos, como baterias e usinas térmicas flexíveis.

Desafios à Operação do SIN

Despachar ou não uma usina térmica, analisando o tempo de partida da mesma e as restrições de tempo mínimo que devem permanecer sincronizadas ao sistema; despachar geração em usinas hidrelétricas em bacias com nível de armazenamento crítico , como do Rio São Francisco; realizar a operação mais econômica possível dos recursos de geração disponíveis, atendendo os critérios de segurança estabelecidos para a operação do sistema elétrico. Essas são algumas questões presentes no dia a dia da operação do SIN e que precisam ser respondidas adequadamente.

Antes da geração eólica se tornar representativa, a maior incerteza que havia na programação diária e na operação em tempo real era o comportamento da carga. Porém, com a expansão da geração distribuída, principalmente a solar fotovoltaica em rooftops e a eólica, não supervisionadas pelo ONS, associada a uma futura presença cada vez maior de sistemas residenciais de armazenamento e carros elétricos, o desafio da previsão da carga aumentará significativamente. Dentro desse escopo, as distribuidoras, provavelmente, terão um papel fundamental na operação do SIN, com uma necessária aproximação operacional do ONS, possivelmente exercendo a função de Distribution System Operator (DSO). Modelo esse já utilizado em outros países com alta presença de fontes renováveis na distribuição, como a Alemanha.

A partir da forte inserção da geração eólica concentrada, a intermitência dessa fonte levou à necessidade de incorporação de incertezas no processo de previsão de sua geração. O ONS investiu no desenvolvimento de um modelo de previsão próprio, tanto para uso na programação diária, quanto na operação em tempo real. O modelo utiliza a entrada de várias previsões de vento e, em tempo real, agrega ainda algoritmos que observam os valores realizados, comparam com as diversas previsões do tipo “vento x potência” e indicam novas curvas de tendência para a geração eólica.

Adicionalmente, o ONS também utiliza uma previsão de geração do tipo “vento x potência”, fornecida a cada seis horas por uma empresa especializada e com vasta experiência na área. Esses recursos estão disponíveis no sistema (Figura 1) que é utilizado pelos operadores do ONS, com o objetivo de subsidiar a tomada de decisão em tempo real, principalmente, aquelas ligadas aos (re)despachos de geração de outras fontes de energia (térmica e hidráulica), com vistas a uma operação segura e econômica.

Figura 1 – Sistema de Gerenciamento da Previsão de Geração Eólica do ONS

 

Em função da atual crise hídrica na bacia do rio São Francisco que se iniciou em 2012, houve a necessidade crescente de se restringir, ao longo deste período, a utilização dos estoques armazenados nos reservatórios das usinas dessa bacia, o que levou o subsistema Nordeste a demandar elevados valores de importação de energia de outros subsistemas para fechamento do seu balanço energético. Nessa condição operativa, ocorreram as grandes perturbações envolvendo esse subsistema, os chamados blecautes.

No entanto, em 2019, com a expansão da potência instalada associada ao excelente fator de capacidade das usinas eólicas (44,8%), o subsistema Nordeste passou de importador para exportador de energia durante o período de julho a novembro, conforme apresentado na Figura 2.

 

Figura 2 – Importação e exportação de energia pelo Subsistema Nordeste – 2017 a 2019

Nesse cenário, a geração eólica contribuiu muito positivamente, já que os meses em que são registrados os maiores fatores de capacidade da fonte, correspondem ao período de estiagem, em que, historicamente, ocorrem queimadas nas áreas em que passam as linhas de transmissão que interligam o subsistema Nordeste aos demais. Logo, as consequências de ocorrências no sistema de transmissão que interliga o subsistema Nordeste são minimizadas, uma vez que ele apresenta reduzido valor de recebimento de energia ou se encontra como exportador de energia. Outros benefícios, como redução de despacho térmico e melhor previsibilidade da geração eólica face a sua menor variabilidade são observados.

Entretanto, o controle de carregamento de equipamentos, a liberação de intervenções com desligamentos, o controle de potência ativa das eólicas e maior atenção com a inércia do sistema configuram os principais desafios operacionais a serem superados nesse período.

Ainda no contexto de alto fator de capacidade, principalmente nos períodos de carga leve do sistema, pode ser necessário, em função das condições operativas, que o ONS efetue restrições nas fontes de geração para o controle de sobrefrequência no SIN. A fim de manter o equilíbrio entre carga e geração, medidas de restrição de geração são tomadas, com base em diretrizes eletro-energéticas, envolvendo as fontes hidráulica, térmica, eólica e solar.

Outras situações que podem levar à restrição de geração eólica são as intervenções em equipamentos do sistema de transmissão regional ou sistêmico. Os regionais são aqueles que envolvem equipamentos em instalações que requerem controle de carregamento em pontos bem específicos. Já os sistêmicos envolvem intervenções nas interligações onde as restrições de geração ocorrem de forma ampla, em vários pontos de conexão do sistema.

A Agência Nacional de Energia Elétrica lançou, em 2018, duas Notas Técnicas sobre constrained-off para usinas eólicas com o objetivo de instruir o processo de instauração de Consulta Pública, com vistas a obter subsídios para elaboração de proposta de Resolução Normativa, que discipline a situação de Constrained-off para usinas eólicas. Em 2019, a Aneel lançou o Relatório de Análise de Impacto Regulatório, para tratamento regulatório à situação de constrained-off e o Aviso de Audiência Pública. Espera-se que, em 2020, esse tema esteja devidamente regulado.

O contraponto da operação das usinas eólicas com um alto fator de capacidade ocorre, geralmente, quando há atuação de sistemas meteorológicos nos estados da região Nordeste onde se concentram os parques eólicos, que levam à redução significativa da intensidade dos ventos nessas localidades. Nessas situações, as usinas eólicas apresentam um baixo desempenho, levando o atendimento do subsistema para um ponto de operação com as seguintes características: recebimento de energia pelo Nordeste em patamares elevados com maior impacto sistêmico em caso de ocorrências nas interligações e elevação do despacho térmico e hidráulico. Consequentemente, a operação precisa superar desafios, como controle do limite do recebimento de energia pelo Nordeste, maior dificuldade na previsão da geração eólica, otimização do despacho térmico e dificuldade na utilização dos controles de potência reativa das usinas eólicas. Em 22 de março de 2019, por exemplo, às 8h, as usinas eólicas do Nordeste geraram apenas 165 MW, correspondendo a um fator de capacidade de apenas 1,41%.

Ações realizadas pelo ONS

De forma a permitir a inserção de geração eólica ao sistema da forma mais adequada e segura possível, o ONS vem trabalhando em diversas frentes:

  • Revisão do submódulo 3.6 dos Procedimentos de Rede (Requisitos Técnicos Mínimos para a Conexão às Instalações de Transmissão) para as fontes eólica e solar. Nessa revisão foram abordados os seguintes aspectos: confiabilidade e reposta à frequência (operação em regime de frequência não nominal; potência ativa de saída; participação em sistemas especiais de proteção e operação em regime de tensão não nominal) e controle de tensão (atendimento do fator de potência em regime de tensão não nominal; geração/absorção de potência reativa e modos de controle).
  • Desenvolvimento de estudos específicos para quantificação da inércia necessária para adequada resposta do sistema à frequência devido à presença cada vez maior de fontes de alta variabilidade e com pouca ou nenhuma inércia. Tais estudos são constantemente atualizados a cada mudança de topologia do sistema.
  • Revisão do cálculo da reserva de potência operativa a partir da análise envolvendo três vetores: probabilidade de perda de aerogeradores (desprezível), efeito da variabilidade da geração eólica e efeito dos desvios da geração eólica em relação à previsão. A partir desses estudos, o ONS modificou a parcela de potência da reserva secundária para o Nordeste e Sul, acrescendo uma parcela equivalente a 6% e 15%, respectivamente, da geração eólica prevista para cada meia hora.
  • Participação no GO-15 , grupo dos maiores operadores de sistema do mundo, que apesar de apresentarem sistemas diferentes do brasileiro em diversos pontos, possuem desafios comuns dado o impacto na transição para um sistema de baixa emissão de carbono. A participação no grupo permitiu o desenvolvimento dos seguintes temas: previsão de geração; acompanhamento da carga; inércia do sistema; controle de frequência e controle de tensão.

 

  • Flávio Guimarães Lins é engenheiro eletricista, graduado pela Escola Politécnica da Universidade de Pernambuco, com especialização em Sistemas Elétricos de Potência pela Universidade Federal de Pernambuco e Master Business Administration pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Trabalha no Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS desde 1999, no cargo de gerente do Centro de Operação do Sistema Nordeste.

 

  • Alonso José Torres é engenheiro eletricista, graduado pela Universidade Federal de Pernambuco, com especialização e mestrado em Sistemas Elétricos de Potência pela Universidade Federal de Itajubá. Trabalha no Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS desde 2009, na diretoria de Operação.

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