Falta de luz em São Paulo e o apagão de governança

Opinião

Falta de luz em São Paulo e o apagão de governança

Tudo que os responsáveis pelo apagão querem agora é a invenção de um mito que desloque as expectativas de resolução do problema para uma obra faraônica

Por Luiz Barata

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Mais uma vez, São Paulo ficou sem luz. Para não ir muito longe, em novembro de 2023, estávamos debatendo sobre o impacto das mudanças climáticas no sistema elétrico, poda de árvores, enterramento de cabos de energia, caducidade da concessão, procedimentos de reparação e atendimento ao consumidor.  Chegamos em dezembro de 2025 e os problemas continuam os mesmos, sem evolução.

O que fizeram nossas autoridades nesse tempo todo? A única coisa que evoluiu foi a conta de luz, que ficou mais cara.

A interrupção severa e prolongada no fornecimento de energia na área de concessão da Enel não é um acidente isolado nem um evento imprevisível. Ao contrário, a maior certeza que podemos ter hoje em dia é que os eventos climáticos extremos ocorrerão com maior frequência e serão cada vez mais intensos.

Não se pode garantir que não haja impacto sobre a rede elétrica com os fortes ventos e chuvas intensas, mas está ao alcance da distribuidora e das autoridades estabelecer um planejamento à altura desse desafio, mesmo que o contrato seja antigo e suas regras não abarquem a nova realidade do clima no planeta.

As dificuldades apresentadas pela concessionária evidenciam uma escolha. A empresa tem investido o mínimo possível, escorando-se nas cláusulas ultrapassadas do contrato de concessão e apostando na complacência das autoridades.

Por sua vez, o ministro Alexandre Silveira – que depois do apagão de 2023 indicou o presidente do conselho de administração da distribuidora no Brasil – vinha cozinhando o assunto com forças-tarefa e outros paliativos, até que uma nova intercorrência se impôs na agenda eleitoral.

Agora, como se fosse um ato heroico, o ministro anuncia que vai pedir a caducidade do contrato da Enel e que determinará à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que conduza o processo. Entre a ameaça e a atitude concreta há uma grande distância. A vigência do contrato termina em 2028.

Por outro lado, a Enel encontra no Judiciário todo o acolhimento para postergar o pagamento de multas e de outras providências. Por fim, onde estava a Prefeitura de São Paulo esse tempo todo? Quando tem apagão, começa o jogo de empurra e a preocupação primordial é com a popularidade. A adaptação da cidade ao novo contexto climático e às novas demandas contemporâneas não é tratada como prioridade.

Falta planejamento. Falta coordenação. Falta decisão e sobram atitudes evasivas.

A falta de luz só não é pior que o apagão de governança que temos hoje no setor elétrico brasileiro, em todas as esferas de poder. A responsabilidade não é de um único agente. A distribuidora tem o dever contratual de garantir a continuidade e a qualidade do serviço, e deveria trabalhar de forma mais proativa pensando na possibilidade de renovação da concessão. Ou não tem mais interesse no mercado brasileiro ou acredita mesmo na impunidade.

A prefeitura precisa fazer a sua parte, especialmente na poda das árvores e na gestão da infraestrutura urbana. Os órgãos reguladores devem fiscalizar, exigir cumprimento de metas e aplicar penalidades efetivas quando o serviço não é entregue. E o governo federal, como poder concedente, não pode assistir passivamente a tudo isso.  

Em momentos conturbados, os mitos logo surgem. Um deles é o enterramento dos cabos de energia. O custo de instalação de redes subterrâneas é cerca de dez vezes maior que o do modelo aéreo preso em postes. Adotar esse modelo em projetos de expansão urbana, novos bairros e em casos críticos específicos pode fazer muito sentido. Mas enterrar todo o cabeamento de uma cidade como São Paulo é inviável e tão irreal que já houve quem propusesse um tributo para bancar o projeto.

Tem o custo da adaptação do padrão de entrada da rede elétrica de cada residência, que passaria a vir do subsolo para dentro das casas e prédios. Tem todo o misterioso mundo subterrâneo e secular de uma das primeiras cidades do país. Redes antigas de água, esgoto, gás, energia, telecomunicações e drenagem, muitas vezes sobrepostas, com mapeamento incompleto e dutos fabricados com materiais e padrões técnicos variados. Além de lençóis freáticos e diferentes condições geológicas no solo paulistano.

O que é mais engraçado é que se topássemos enterrar todos os cabos de energia o custo desse projeto não sairia de qualquer outro lugar a não ser do bolso dos consumidores.

Defender essa ideia como se fosse a solução mágica significa mostrar às autoridades que não há nada muito relevante que elas possam fazer a não ser realizar uma obra que, se um dia ficar pronta, vai durar décadas e será bancada às custas da população.

Tudo que os responsáveis pelo apagão querem agora é a invenção de um mito que desloque as expectativas de resolução do problema para uma obra faraônica.

Quem advoga pela salvação a partir do enterramento dos cabos ou é ingênuo ou tem algum interesse particular. Nesse meio tempo, nossos políticos vão jogando a bola pra frente até passarem as eleições. Enquanto isso, milhares de pessoas seguem pagando suas contas de luz e contando seus prejuízos à esperado do próximo apagão.

Outros Artigos