Opinião

O efeito “já que” a favor do Brasil

Já que o MME, enquanto poder concedente, nega-se a reorganizar o tabuleiro do sistema elétrico, e já que o parlamento brasileiro deteriora todas as pautas às quais tem acesso, chegou a hora de a sociedade civil se mobilizar para construir um novo sistema elétrico brasileiro

Por Luiz Eduardo Barata

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O Brasil tornou-se a república do “já que” e nós acabamos nos acostumando com isso, como se fosse natural ou impossível a mudança. Já que o Governo Federal não organiza o Setor Elétrico Brasileiro (SEB), negligencia a governança do Sistema Interligado Nacional (SIN) e não corrige suas imperfeições, o Congresso Nacional vem encontrando espaços para avançar sobre as atribuições do Poder Executivo e interferir no planejamento elétrico do país por meio de jabutis e outras proposições legislativas.

Já que o Parlamento se mobilizou para derrubar os vetos presidenciais na Lei das Eólicas Offshore, o presidente Lula já declarou não descartar a hipótese de ir ao Judiciário. Por sua vez, já que a repercussão da derrubada de alguns dos vetos foi tão negativa, o Ministério de Minas e Energia (MME) agora estuda uma nova medida provisória para evitar aumentos na conta de luz.

Já que um projeto de lei de autoria do Executivo seria facilmente embarreirado na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal, o ministro Alexandre Silveira vem tentando reformular o setor por meio de medidas provisórias.

Já que é assim, o Congresso resolveu apresentar 598 emendas à Medida Provisória 1300, que traz novas regras para o setor.

Fica evidente a falta de sinergia entre os Três Poderes e o quanto um vai se pautando e se justificando pelo outro sem que, ao final, haja uma entrega de qualidade para a população. O setor elétrico hoje serve de exemplo do que pode acontecer quando essa desgovernança afeta um segmento econômico.

No início de julho, entraram em vigor as novas regras da Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE) e do Desconto Social, previstas na MP 1300. O benefício imediato para cerca de 70 milhões de consumidores de baixa renda vira, automaticamente, custo a ser rateado pelos demais consumidores, com impacto na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Esse impacto poderá não ser sentido agora, mas na próxima revisão tarifária de cada distribuidora o aumento virá como uma surpresa desagradável, além de elevar os custos para o comércio e a indústria.

Enquanto isso, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) volta a clamar pelo horário de verão, recomendação que vem sendo feita desde o ano passado, mas é ignorada pelo MME.

Executivos de grandes multinacionais do segmento renovável vêm a público reclamar da falta de previsibilidade do setor e manifestam apreensão quanto ao elevado volume dos cortes na geração solar e eólica por falta de demanda, de transmissão e sobretudo de regras apropriadas.

O curtailment é uma bolha prestes a estourar, que evidencia o quanto o Brasil não está fazendo o dever de casa da transição energética. Ao contrário de outros países, energia limpa não é problema para nós. A carência do setor elétrico brasileiro está na gestão.

Temos sobreoferta de 23%, desperdiçamos energia renovável, investimos em fontes fósseis e o Congresso Nacional continua querendo aprovar mais subsídios e contratações compulsórias de energia.

A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) virou o orçamento paralelo no qual tudo se pode inserir sem limite e sem controle. Quase 16% da tarifa dos consumidores de energia residenciais são corroídos pela CDE.

Além desses poucos e relevantes exemplos, há muitos outros pontos que não são tratados na necessária reforma do setor, talvez porque sejam complexos, levem tempo e demandem um extenso debate com todo o setor e com a representação dos consumidores – pagadores da conta, o que não atende à urgência da corrida eleitoral.

No dia 10 de abril de 2024, em reunião no Palácio do Planalto com especialistas para discutir o custo da conta de luz e a transição energética, o presidente Lula determinou a criação de um novo programa energético nacional e que fosse feita com a participação da sociedade. Nem uma coisa nem outra aconteceu.

A Frente Nacional dos Consumidores de Energia defende a estruturação de um processo muito mais abrangente e criterioso para construção de um novo modelo setorial, que dialogue com os desafios contemporâneos e reorganize o tabuleiro do sistema elétrico.

Já que o MME, enquanto Poder Concedente, negou-se a fazer isso, e já que o Parlamento brasileiro deteriora todas as pautas às quais tem acesso, chegou a hora de a sociedade civil se mobilizar para a construção do novo sistema elétrico brasileiro a partir de uma orquestração coletiva, que reúna à mesa todos os atores envolvidos em torno de uma premissa fundamental: que cada parte aceite perder um pouco na medida do justo e do necessário para que todos ganhem muito coletivamente com o equilíbrio o setor.

Dá trabalho e toma tempo, mas é o melhor caminho para um resultado ético, efetivo e sustentável. Chegou o momento de usarmos o efeito "já que" a favor do Brasil.  

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