Opinião

A resiliência dos parasitas do setor elétrico

A persistente inclusão de subsídios na conta de luz dos consumidores é um dos principais fatores de desequilíbrio do sistema brasileiro. O veto aos jabutis no PL das eólicas offshore precisa ser mantido pelo Congresso Nacional

Por Luiz Eduardo Barata

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

O Sistema Elétrico Brasileiro ainda não é tão resiliente quanto necessita para fazer frente às mudanças climáticas que já são parte da realidade do planeta. Ampliar a resiliência com digitalização da rede, protocolos de segurança, articulação entre distribuidoras e autoridades, melhor manutenção urbana estão entre as medidas que darão ao sistema a capacidade de persistir funcionando bem mesmo diante de grandes chuvas e vendavais. 

Na teoria, é o que se discute hoje em dia. Mas há outros agressores que interferem no bom funcionamento e na sustentabilidade do setor elétrico que são mais difíceis de combater. 

Se o sistema não é ainda suficientemente resiliente, as ameaças ao seu equilíbrio persistem e muito. Não há hoje coisa mais resiliente que os subsídios na conta de luz dos consumidores. Faça chuva ou faça sol, em qualquer estação, a todo instante aparece uma proposta de isenção fiscal para ser financiada com o bolso dos brasileiros.

O já saturado projeto de lei 576/21, mais conhecido como PL das eólicas offshore, é o mais recente exemplo disso. Tornou-se o hospedeiro de oito parasitas, emendas que propõem mais subsídios para serem cobrados na conta de luz. São contratações obrigatórias antigas sendo requentadas, como a das térmicas inflexíveis a gás natural, incentivos já existentes tentando se expandir, a exemplo do carvão mineral, alargamento de prazo para benefícios, como no caso da geração distribuída, novas contratações compulsórias de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), de hidrogênio verde e de eólicas terrestres na região Sul. Conseguiram inserir tudo isso no projeto de regulamentação da geração de energia eólica em alto mar.

Algumas dessas emendas são tão resilientes que vêm persistindo há anos, pulando de um projeto para outro, quicando em uma medida provisória aqui outra ali até emplacar. Seus beneficiários específicos têm resiliência para aguardar e força para influenciar os parlamentares e seus votos.

Como todos sabem, as emendas foram vetadas pela Presidência da República na sanção da Lei 15.097/25 em janeiro, decisão acertada, mas ainda há a possibilidade de derrubada dos vetos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Se forem ressuscitados esses jabutis, a sentença será um aumento de 9% no custo da energia e a contratação de uma despesa anual de R$ 20 bilhões até 2050, tudo à custa do consumidor brasileiro. Importante registrar que a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), onde são alocados parte desses subsídios, já está orçada em mais de R$ 40 bilhões para 2025. 

O impacto é tão severo que as principais lideranças do setor, de todos os elos da cadeia produtiva elétrica, se uniram para, em um primeiro momento, sensibilizar os senadores para que aprovassem o projeto de lei sem as ementas tão danosas para os consumidores brasileiros. Aprovado o projeto com as emendas, a união de forças foi no sentido de sensibilizar o Governo Federal para sancionar o projeto com os vetos às emendas.

Agora, consumidores, geradores, distribuidores, autoprodutores, indústria, todos nós fazemos um apelo aos parlamentares para que mantenham o veto aos jabutis do PL das eólicas offshore.

Além dos prejuízos à população e ao país como um todo, as emendas inseridas no PL 576/21 têm potencial para agravar o desequilíbrio do setor porque determinam contratações compulsórias de energia sem respaldo técnico, em fontes, volume e localidades tecnicamente injustificadas, contrariando, inclusive, as recomendações do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Se a crise do “curtailment” já conduziu a uma intensa judicialização e tira o sono dos investidores no mercado, preparem-se porque, se o veto for derrubado e as emendas voltarem, haverá ainda mais cortes de produção de eólicas e solares para dar vazão às térmicas a gás e a carvão. 

A aprovação do marco legal da energia eólica em alto mar com os jabutis inseridos terminará por promover a retração das energias renováveis no país, o que se caracterizará como uma inovação brasileira.

O impacto não é só na operação do setor ou no bolso do consumidor. Por incrível que pareça, pode haver danos ao meio ambiente também. Projeção da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, elaborada com base em cálculos do Instituto Internacional Arayara, Instituto ClimaInfo, Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) e dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), mostra que o jabuti das térmicas a gás natural pode provocar em média a emissão de 5,3 MtCO2e por ano até 2050. Já a emenda do carvão determinará a emissão média anual de 4,7 MtCO2e no mesmo período. Se preservados, esses jabutis obrigarão o país a emitir 252 MtCO2e e elevarão em 25% as emissões anuais do setor elétrico brasileiro, que ainda é considerado um do mais limpos do mundo.

Passam os anos, mudam os governos, as legislaturas se renovam e os parasitas que se alimentam de subsídios no setor elétrico seguem resilientes e até prosperam, porque acreditam que no orçamento paralelo da conta de luz tudo pode, tudo cabe. 

Todos sabemos que o aumento do custo da energia elétrica vai elevar os preços dos produtos e serviços e fará a inflação subir. Não precisamos da energia que essas emendas obrigam a comprar. Não precisamos de mais aumentos na conta de luz nem de mais emissão de gases de efeito estufa. 

Nosso apelo aos deputados e senadores é pela manutenção do veto às emendas no PL das eólicas offshore.

Outros Artigos