Opinião
Conta de luz: o orçamento paralelo cobiçado no Congresso Nacional
Custear políticas públicas e viabilizar incentivos fiscais por meio da tarifa de energia gera um resultado desastroso, e prejudica duas vezes quem paga a conta: o consumidor
O Brasil tem dois orçamentos federais. O primeiro é o da União, o oficial, aprovado mediante árduas negociações entre os poderes Executivo e Legislativo. O segundo é paralelo e mais conhecido como “conta de luz”.
Nos últimos anos, nossos congressistas descobriram que era muito mais fácil custear políticas públicas e viabilizar incentivos fiscais por meio da tarifa de energia elétrica do que buscando a inclusão desses itens no Orçamento Geral da União (OGU). O resultado tem sido desastroso, e prejudica duas vezes quem paga a conta – o consumidor.
Quando a conta de luz chega em casa é o primeiro susto. Esse custo hoje representa um peso no orçamento das famílias brasileiras. Mas esse impacto é ainda mais forte no preço dos produtos e serviços. Cada aumento na conta de energia é naturalmente repassado no preço da carne, do leite, do pão, causando uma reação em cadeia cujo resultado é o aumento da inflação e a perda de competitividade da indústria e do comércio.
Em 2023, todos os consumidores de energia arcaram com cerca de R$ 40 bilhões em subsídios, encargos que estão alocados na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), rubrica que responde por cerca de 13% da tarifa paga pelos consumidores residenciais.
A cada ano, esse custo cresce. Toda semana, aparecem no Parlamento novos subsídios ou prorrogação dos já existentes através de novos projetos de lei ou de emendas, que muitas vezes não têm nada a ver com a origem dos projetos.
O volume de recursos hoje alocado na CDE pode aumentar consideravelmente se apenas dois projetos de lei que tramitam no Senado Federal forem aprovados como estão. O PL 11.247, que regulamenta a instalação das usinas eólicas offshore, e o PL 624/23, que institui a Renda Básica Energética (Rebe), juntos podem gerar um custo adicional de R$ 29 bilhões ao ano em subsídios a serem embutidos na conta de luz. Se isso acontecer, alcançaremos a inacreditável marca anual dos R$ 69 bilhões em incentivos fiscais no setor elétrico.
Se fosse um ministério, na hipótese da aprovação desses dois PLs, a CDE superaria o orçamento anual da pasta dos Transportes, cuja dotação atual é R$ 57,2 bilhões. Juntos, os ministérios das Cidades (R$22 bi), Justiça e Segurança Pública (R$22,2 bi), Agricultura e Pecuária (R$14,6 bi) e Minas e Energia (R$ 9 bi) não chegariam ao patamar dessa CDE inchada.
Na escala da Esplanada hoje, apenas sete dos 38 ministérios têm orçamento maior que o valor de R$ 37,2 bilhões previsto para a CDE em 2024. Esse é o tamanho do legado negativo gerado por sucessivas aprovações de subsídios no Congresso Nacional.
O projeto de lei das eólicas offshore sozinho pode gerar custo adicional de R$ 25 bilhões ao ano para os consumidores de energia até 2050 e aumentar de uma só vez em 11% a tarifa se forem mantidas todas as emendas que foram aprovadas em regime de urgência na Câmara dos Deputados.
Entre essas emendas, estão previstas a contratação compulsória de usinas térmicas a gás inflexíveis e de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), a postergação de subsídios para energias renováveis e, em especial, para micro e minigeração distribuída. Tem até a destinação de R$ 92 bilhões para usinas térmicas a carvão pelas próximas décadas.
Ao mesmo tempo, o PL 624/23 pode trazer um custo adicional de cerca de R$ 4 bilhões anuais, inclusive para os cidadãos de baixa renda. Esse projeto propõe a substituição gradativa da Tarifa Social, com a possibilidade de os consumidores incluídos no CadÚnico passarem a gerar sua própria energia com painéis solares em suas casas.
A proposta é considerada pelos especialistas como mal formulada e equivocada, uma vez que não prevê uma série de custos e itens que ainda continuarão existindo e precisarão ser pagos por alguém. Sob o discurso fácil de levar energia limpa aos pobres, o projeto novamente propõe subsídios para o segmento da energia solar.
Nossa sugestão aos senadores que terão que analisar e votar esses projetos: ouçam os consumidores de energia. Ouçam quem paga a conta. Além do direito de ser ouvido, o consumidor tem embasamento, inclusive técnico, para apoiar o Parlamento na busca por soluções para reduzir o custo da energia.
Criar custos adicionais com ideias pouco amadurecidas, sem embasamento técnico e nem estudos de impacto econômico e regulatório, e que na maioria das vezes beneficia pequenos grupos, tornou o setor elétrico disfuncional, ineficiente e próximo ao colapso.
Os 215 milhões de consumidores de energia do Brasil esperam medidas concretas do Legislativo para barrar essas propostas que são prejudiciais ao Brasil. É hora de os senadores olharem para os consumidores-eleitores com respeito e decidirem pelo fim dos penduricalhos que aumentam a conta de luz, bloqueiam o crescimento econômico e comprometem a geração de emprego e renda.