Opinião
A governança do setor elétrico é responsabilidade de todos
Se queremos desenvolvimento sustentável, qualidade nos serviços e equilíbrio econômico, precisamos de uma governança consistente. Quem vai contra isso não está pensando na coletividade, mas sim em interesses particulares.
Temos testemunhado uma absoluta e constante campanha contra o papel das agências reguladoras no Brasil. São órgãos de Estado e não de governo, estão vinculadas aos ministérios, mas têm autonomia e não devem seguir os mandos dos mandatários de ocasião. De maneira geral, fica claro que o governo atual e os anteriores não compreenderam o papel das agências.
Essas instituições devem buscar o máximo de sinergia com o Poder Executivo, o que não se traduz em obediência, mas sim em trabalho coordenado, em esforço conjunto, cada qual no seu quadrado. A regulação de mercado é essencial no modelo de governança vigente hoje em nosso país, algo que precisa ser aprimorado sim, mas também respeitado.
Dezenas de vagas nas agências aguardam indicações de diretores. Há também uma permanente tentativa de captura política dos órgãos reguladores com ministros e parlamentares cobrando atenção a suas expectativas específicas.
Para funcionar adequadamente, as agências reguladoras precisam atuar com independência, competência técnica e celeridade na tomada de decisão. Falando pelo setor de energia, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tem mesmo demorado para decidir sobre questões relevantes e essa demora custa caro à sociedade.
Um exemplo é o caso dos contratos do Procedimento Competitivo Simplificado (PCS) que, depois de meses parados na diretoria foram para o Tribunal de Contas da União (TCU) para as chamadas negociações consensuais. Cabia à diretoria da Aneel decidir a questão, até porque tudo já estava previsto nos contratos, não havia o que se discutir.
Episódios como esse devem ensejar revisão de procedimentos, melhoria no processo decisório entre outros eventuais ajustes, mas nunca colocar em questionamento a importância da Aneel. Precisamos de uma Aneel fortalecida, célere e técnica para continuar colaborando com o setor elétrico.
Os quadros técnicos da agência são da maior competência, mas estão sobrecarregados. Assim como em outros órgãos similares, falta pessoal e muitos bons técnicos que lá estão ainda podem deixar a agência e migrar para outros segmentos do funcionalismo público atraídos por melhores condições.
O equilíbrio do setor elétrico depende do fortalecimento das instituições e cabe a todos os atores do setor valorizar e defender esse patrimônio. Ao Ministério de Minas e Energia (MME), como poder concedente, e ao Congresso Nacional cabe o papel de zelar e contribuir para que essas instituições funcionem plenamente, em lugar da instauração de polêmicas públicas ou de projetos de decretos legislativos que tentam anular decisões já consolidadas da agência.
A reforma setorial é uma necessidade urgente e isso já é consenso entre especialistas, mercado e entidades da sociedade civil. Os consumidores de energia esperam que essa reforma seja feita com a participação de todos, com critérios claros, transparência e embasamento técnico.
Um dos pontos primordiais dessa reforma deve ser o fortalecimento da governança, começando pela Aneel e continuando no Operador Nacional do Sistema (ONS), Câmara de Comercialização de Energia (CCEE) e Empresa de Pesquisa Energética (EPE). São essas instituições que fazem a engrenagem girar, que produzem informação e conhecimento para planejarmos e orientarmos decisões.
Legislativo não é regulador nem tem que se arvorar nesse papel. Muitos projetos que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal tentam sacramentar em lei decisões e condições que cabem ao regulador avaliar e regular.
O PL 11.247/18 propõe o marco regulatório da produção de energia eólica em alto mar, mas traz consigo uma série de outras medidas oportunistas que tentam garantir demandas energéticas, criar contratações obrigatórias e definir aspectos quantitativos e de regionalização que não cabem em uma lei. São decisões das instituições de governança do setor. Ao avançar sobre isso, o Congresso Nacional dá sinais de que não entende sua própria função ou que interesses privados e segmentados continuam mobilizando nossos parlamentares.
Toda a sociedade se beneficia quando a governança dos setores da economia funciona bem e de forma isenta. Portanto, também é responsabilidade de todos nós valorizar e contribuir para uma atuação cada vez mais qualificada e técnica dessas instituições. Se queremos desenvolvimento sustentável, qualidade nos serviços e equilíbrio econômico, precisamos de uma governança consistente. Quem vai contra isso não está pensando na coletividade, mas sim em interesses particulares.