Opinião
PL das eólicas offshore, exemplo do que funciona mal no Congresso
Câmara e Senado têm grande responsabilidade na viabilização ou no fracasso da transição energética do país. O sucesso da transformação ecológica brasileira passa pelo Congresso Nacional
Completamos um ano desde que o projeto de lei das eólicas offshore foi aprovado por ampla maioria na Câmara dos Deputados, em novembro de 2023. Na ocasião, testemunhamos a inclusão indiscriminada de emendas que nada tinham a ver com a geração de energia dos ventos em alto mar. Ainda assim, foram todas aprovadas, mesmo representando um custo astronômico de R$ 658 bilhões pelos próximos 25 anos. Agora, o projeto pode ser aprovado no Senado e veremos se os senadores serão tão permeáveis aos lobbies quanto os deputados federais foram.
As oito emendas jabuti incluídas no projeto têm potencial para gerar um custo anual de R$ 25 bilhões para os consumidores de energia, o que significará um aumento de 11% nos custos da energia. Os consumidores residenciais, à exceção dos de baixa renda, pagarão em média R$ 20 a mais por mês no boleto, o que dá R$ 240 de cobrança extra por ano, como se fosse uma 13ª conta de luz. Esse é o presente de Natal que os senadores podem dar aos brasileiros. Nos estados do Norte e Nordeste o efeito será ainda pior.
Além desse carrinho na canela dos cidadãos e do setor produtivo, que verão o custo da energia aumentar novamente, chama atenção a quantidade de problemas que um único projeto de lei pode causar quando é capturado por interesses privados e tramita sem pudor nos gabinetes do Congresso Nacional.
O PL 576/21 determina a contratação compulsória de energia, uma grande parte em usinas térmicas inflexíveis a gás e carvão. São todas contratações sem justificativa técnica ou econômica. Aliás, entre os especialistas do setor elétrico predomina o consenso de que as usinas a carvão são completamente desnecessárias do ponto de vista energético, assim como a contratação de mais usinas a gás além das que já operam.
No Plano da Operação Energética 2024, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) recomenda que nos próximos cinco anos não sejam incluídas, no sistema, termelétricas com alto nível de inflexibilidade ou longo tempo de acionamento, como as que estão previstas no PL das eólicas offshore. Se aprovado como está, o projeto criará condições que contrariam a orientação técnica e científica do ONS. Pode isso? No Legislativo, tudo pode.
Pode usar um projeto de lei de energia renovável para aumentar a capacidade instalada de fontes fósseis, por que não? Uma das emendas vai elevar em 23% a capacidade instalada de gás em relação aos 18,2GW registrados em 2023. No caso do carvão, o crescimento será de 40% com a adição de 1,2GW aos atuais 3GW. Inevitavelmente, o volume de emissões de gases de efeito estufa do setor elétrico brasileiro voltará a subir de forma considerável e nossa matriz elétrica – motivo de orgulho nacional e admiração internacional – ficará mais suja.
Outro efeito adverso que seguramente a maior parte dos parlamentares não parou para analisar é o fato de que quanto mais energia térmica inflexível houver na base, menos geração renovável o ONS despachará. Veremos que, inacreditavelmente, o PL das eólicas offshore vai promover a retração da geração eólica no país. Pode isso? No Congresso rola.
Se entrou jabuti de carvão e de gás natural, como ficaria de fora o jabuti das pequenas centrais hidrelétricas (PCHs)? Assim como ocorre em outras fontes, muitos parlamentares mantêm investimentos nessa atividade também ou foram sensibilizados pelos argumentos de empresários do segmento. Essa emenda determina a contratação compulsória de 4,9 GW em PCHs. Para dar conta de tanta energia, serão necessárias dezenas de empreendimentos. O país tem um cenário hoje de sobreoferta, mas não tem ninguém planejando isso. No balcão do Legislativo, é chegar e fazer o pedido. Pode? Infelizmente, pode.
A geração eólica em alto mar precisa do seu marco legal para prosperar e atrair investidores. Sem uma lei específica esse ramo de atividade está travado, grandes corporações internacionais estão tirando o time. Precisamos desse regramento para dar segurança à atividade e garantir que novos empreendimentos não surjam de forma irregular e danosa ao meio ambiente ou à população. Isso precisa se encaminhar logo, mas nossos parlamentares não foram capazes.
Em agosto, foi assinado o Pacto pela Transformação Ecológica entre os três poderes do Estado brasileiro, conjunto de ações coordenadas para promover a sustentabilidade ecológica, o desenvolvimento econômico sustentável e a justiça social, ambiental e climática. No caso do Legislativo, deveria fazer parte desse pacto a definição de critérios objetivos e de uma espécie de meta climática que coloque limites éticos e morais no que os parlamentares andam aprovando. Câmara e Senado têm grande responsabilidade na viabilização ou no fracasso da transição energética do país. O sucesso da transformação ecológica brasileira passa pelo Congresso Nacional.
Enquanto os mais diversos setores da economia discutem como reduzir suas emissões, gastam tempo e recursos buscando rever processos, em minutos os parlamentares contratam a emissão de toneladas de gás carbônico equivalente (CO²e) para as próximas décadas. Mas quem é criticado depois por não reduzir as emissões não são os deputados e senadores. O Poder Legislativo precisa ter metas de qualidade para cumprir. Uma delas é a meta de descarbonização da legislação brasileira. Não dá mais para se aprovarem projetos sem a menor análise de impacto ambiental ou econômico, como se o mundo não estivesse discutindo as mudanças climáticas e o aquecimento do planeta.
Nossos legisladores precisam parar de interferir no planejamento energético do país ou de querer regular os órgãos reguladores. Há muito trabalho a fazer para enfrentar os problemas que o país já tem. Iniciativas como o PL das eólicas offshore não resolvem os dilemas existentes e ainda criam outros. Um único ato legislativo pode gerar tantas consequências negativas?
Esperamos que os senadores agora tenham bom senso, corrijam os equívocos cometidos na Câmara dos Deputados e não se tornem corresponsáveis por mais essa agressão aos consumidores de energia elétrica.