Resíduos urbanos no Brasil, desafios históricos e perspectivas

Opinião

Resíduos urbanos no Brasil, desafios históricos e perspectivas

A COP30, realizada estrategicamente em Belém, colocou o Brasil no centro das negociações do clima e o tema resíduos urbanos entrou na agenda climática do país de forma inédita

Por Bruna Moraes

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O primeiro Relatório Global sobre Metano, produzido pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), em parceria com a Climate and Clean Air Coalition (CCAC), foi lançado na conferência e deu mais visibilidade global ao metano, visto como protagonista de soluções estratégicas para mitigação das emissões.

Mais de 80% da redução global de metano até 2030 pode vir de soluções de baixo custo. E o tratamento de resíduos orgânicos é apontado como uma das ações mais rápidas e efetivas. O setor de resíduos responde por 18% do potencial de mitigação, atrás apenas da energia (72%) e à frente da agricultura (10%).

Para colocar a teoria em prática, a organização da COP30, por meio do Plano de Sustentabilidade, incorporou um modelo de gestão de resíduos alinhado à política nacional, contemplando separação, reciclagem, compostagem e destinação adequada para recicláveis, orgânicos e rejeitos.

A meta do plano foi de evitar, durante a COP30, o envio de pelo menos 125 toneladas de resíduos a aterros, sendo um modelo-piloto de gestão sustentável integrada a ações climáticas.

Outro resultado concreto da COP30 foi a criação do Clean Air Task Force (CATF) em parceria com o governo brasileiro e com a organização Carbon Mapper para mapear e mitigar emissões de metano do setor de resíduos. Esta iniciativa recorrerá a novas tecnologias de satélite e sensoriamento remoto para localizar aterros e lixões que mais emitem metano e fornecer informações práticas a operadores e governos locais.

Vale ressaltar que o descarte inadequado de resíduos está entre as maiores fontes de emissões de metano no Brasil (15%), vindas principalmente de aterros sanitários mal operados e lixões.

O lançamento do Plano Nacional de Redução e Reciclagem de Resíduos Orgânicos Urbanos (Planaro), pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), também foi um desdobramento importante da COP30.

O plano prevê investimentos de R$ 12 bilhões em infraestrutura, equipamentos e ativos de longo prazo para viabilizar a compostagem, biodigestão e destinação adequada de resíduos orgânicos, além de fortalecer o papel das cooperativas de catadores.

Neste quesito, a COP30 deu notabilidade ao papel central dos catadores. O lançamento de um sistema público de compostagem em Belém, operado por catadores, demonstrou como a economia circular pode ser aliada da justiça social e da inclusão, além de ter deixado um legado concreto de infraestrutura de compostagem para a cidade.

Em termos globais, a COP30 anunciou o No Organic Waste (NOW) Plan to Accelerate Solutions, apoiado pelo Global Methane Hub, que estabelece reduzir em 30% as emissões de metano provenientes de resíduos orgânicos até 2030, além de transformar o descarte de alimentos em ação climática, nutrição e trabalho digno.

Com financiamento de US$ 30 milhões – sendo US$ 10 milhões para a América Latina – o NOW Plan prevê recuperar 20 milhões de toneladas de alimentos por ano, alimentar 50 milhões de pessoas e integrar 1 milhão de recicladores à economia circular.

Já adotado por 25 cidades em 18 países, o plano deve apoiar projetos urbanos, centrais de compostagem e redes de bancos de alimentos, com suporte técnico e financiamento para impulsionar políticas e investimentos.

Apesar dos avanços políticos da COP30, o panorama atual da gestão de resíduos sólidos do Brasil ainda mostra sérios desafios a serem superados: dos cerca de 80 milhões de toneladas gerados anualmente (sendo 50% fração orgânica, ou seja, potencial energia), apenas 8% é separado e enviado a reciclagem, e cerca de 40% ainda tem destinação inadequada como lixões e descartes irregulares.

Milhões de domicílios, principalmente em áreas rurais, ainda queimam lixo, uma ação insalubre que reforça riscos ambientais.

Tais desafios são reflexo da falta de investimentos neste setor (tanto em infraestrutura quanto em P&D), aliada a desconexão do plano nacional com o poder público municipal (o titular dos serviços de manejo dos resíduos locais), o que compromete a existência de ações efetivas para alcance das metas estabelecidas.

Mas vamos ser otimistas. A COP30 representou um ponto de inflexão no tema, com compromissos e instrumentos novos para transformar a gestão de resíduos urbanos no país.

A urgência de vincular políticas de resíduos a planos urbanos de saneamento, adaptação climática e inclusão social ficou clara, exigindo um olhar integrado entre governos, sociedade civil, setor privado e academia (que, aliás, teve presença muito relevante).

E com a realidade brasileira colocada internacionalmente à mostra (o chanceler alemão Friedrich Merz que o diga), nosso país tem uma janela de oportunidade para atrair investimentos, cooperação técnica e mobilização social em torno da gestão de resíduos como política climática e desenvolvimento sustentável.

O pós-COP30 é ambicioso. Cabe a nós sermos também.  

 

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