Opinião

Resíduos sólidos urbanos: uma oportunidade jogada fora no Brasil

Quando vistos como matéria-prima para produção de energia e produtos de maior valor agregado, com a geração de receitas e empregos, as oportunidades reais de aplicação não passarão despercebidas

Por Bruna de Souza Moraes

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O Brasil está entre os maiores geradores de resíduos sólidos urbanos (RSU) do mundo: em 2022 foram gerados cerca de 80 milhões de toneladas, segundo levantamentos da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). Tradicionalmente os resíduos são vistos como lixo, o que reflete no seu baixo aproveitamento e destinação inadequada no país. 

Somente 4% dos RSU são reciclados, sendo o restante encaminhado para os aterros sanitários e até lixões a céu aberto, estes últimos que, mesmo após 14 anos da implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – instituída pela Lei Federal nº 12.305, de 2 de agosto de 2010), ainda representam quase 40% da destinação final no Brasil.  

A partir do momento em que os resíduos são vistos como uma oportunidade para geração de bioenergia e bioprodutos de valor agregado, tem-se um cenário completamente diferente. 

Podemos tomar como exemplos países desenvolvidos, como Alemanha, Suécia e Japão, que são referência mundial na gestão sustentável e eficiente de resíduos, se pautando em políticas públicas progressivas, desenvolvendo e implementando infraestrutura de ponta para coleta, tratamento e disposição, e estabelecendo metas factíveis pautadas em um bom planejamento. 

Nestes países os resíduos são segregados na fonte desde as décadas de 80 ou 90, o que facilita sobremaneira o processo de reciclagem e o aproveitamento da fração orgânica. E lixo é considerado somente a parcela do resíduo que não é passível de nenhum tipo de aproveitamento e, somente nestes casos, pode ser aterrada. Ainda assim, passando por um tratamento prévio (mecânico-biológico ou térmico) para evitar impactos ambientais do aterramento. 

No caso da Alemanha, dados do Federal Statistical Office (Destatis) apontaram uma taxa de reciclagem de RSU de quase 70% no país, enquanto a fração orgânica é aproveitada em processos de compostagem ou em processos Waste-to-Energy (W2E), como incineração e a produção de biogás por meio da digestão anaeróbia, sendo os usos energéticos normalmente na forma térmica ou elétrica. 

No caso do biogás, vem crescendo também sua purificação a biometano (cerca de 15% do total de biogás produzido em 2021, segundo a European Biogas Association – EBA), utilizado como biocombustível similar ao gás natural, porém de origem renovável. E além do produto gasoso, a digestão anaeróbia produz o biodigerido (ou digestato), que é utilizado como biofertilizante ou melhorador de solos majoritariamente na agricultura (97%), mas também em outros setores, como paisagismo.

Nestes países observa-se que a taxa de geração dos resíduos é acompanhada da oferta da infraestrutura necessária para uma gestão inteligente, fato que não ocorre no Brasil, que tem um potencial energético enorme a partir deste aproveitamento.

Segundo dados da Associação Brasileira de Biogás e Biometano (Abiogás), o potencial teórico de produção de biogás brasileiro a partir de biomassa residual em geral é de 84,6 bilhões de metros cúbicos por ano, suficiente para suprir 40% da demanda interna de energia elétrica e 70% do consumo de diesel. No entanto, a produção efetiva de biogás fica abaixo dos 3% do potencial teórico, sendo o setor de saneamento o que mais contribui atualmente para esta produção (cerca de 60%), principalmente através dos aterros sanitários. 

Para os países referência internacional em gestão sustentável supracitados, o aterramento é uma tecnologia para tratamento de lixo e não de resíduo. Ou seja, o Brasil desperdiça toneladas de resíduos que poderiam ser melhor aproveitados se houvesse um bom sistema de coleta, separação, tratamento e disposição. 

Mas para não deixar o otimismo de lado, temos um exemplo pioneiro no Brasil para aproveitamento energético da fração orgânica de RSU, utilizando tecnologia 100% nacional baseada na digestão seca para produção de biogás. 

A planta, que entrou em operação em 2017 e tem capacidade de processamento de 50 toneladas/dia, localiza-se na Estação de Transferência do Caju, Rio de Janeiro, e foi fruto de uma parceria entre a empresa Methanum, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), com financiamento do BNDES. Este exemplo mostra como a integração entre poder público, academia e setor privado permite o desenvolvimento de soluções inovadoras em benefício da sociedade. 

Em resumo, quebrar o paradigma do “joga fora no lixo” é o maior desafio quando se visa uma gestão mais sustentável e eficiente dos RSU no Brasil. Quando forem vistos como matéria-prima para produção de energia e produtos de maior valor agregado, com a geração de receitas e empregos a partir de seu tratamento, as oportunidades reais de aplicação não passarão despercebidas.

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