
Opinião
Principais desafios, impactos e características da geração eólica na região nordeste do Brasil
O crescimento da potência instalada de fonte eólica no Nordeste, de 2016 a 2021, será de quase 80%, sendo que esta fonte representará 40% da matriz energética nordestina
Nos últimos anos, um grande montante de geração de fonte eólica foi incorporado ao Sistema Elétrico Brasileiro, tornando-se esta fonte de energia uma parcela representativa na matriz eletroenergética do país. De acordo com o último relatório publicado pela Global Wind Energy Council – GWEC, organização que representa mundialmente o setor de energia eólica, com dados até dezembro de 2016, a capacidade instalada total de geração de fonte eólica no mundo é de 486.790 MW.
Ainda de acordo com o relatório do GWEC, a China é o país que lidera os rankings, tanto no que diz respeito à capacidade instalada total quanto à capacidade instalada no referido ano, seguido pelos Estados Unidos e Alemanha. O Brasil ficou em 9º colocado em capacidade instalada acumulada no ano passado, com 10.740 MW, subindo uma posição em relação ao ano anterior, ultrapassando a Itália.
Desde o ano de 2009 até agosto de 2017 foram integrados ao Sistema Elétrico Brasileiro cerca de 11.200 MW de geração de fonte eólica. Até 2018, serão mais 5.300 MW de potência instalada, totalizando aproximadamente 16.500 MW incorporados ao Sistema. Praticamente todos os empreendimentos estão localizados nas regiões Sul e Nordeste, numa proporção aproximada de 20% e 80%, respectivamente. O estado que possui a maior potência instalada de geração de fonte eólica é o Rio Grande do Norte, seguido da Bahia, Rio Grande do Sul, Ceará, Piauí, Pernambuco, Santa Catarina e Maranhão.
A fonte tem sido importantíssima para o suprimento do Nordeste, batendo diversos recordes nos últimos três meses. No dia 14/09/2017 foi registrado no subsistema um recorde de geração de fonte eólica média diária, no valor de 6.413 MW médios, representando 64% da carga do Nordeste, com um fator de capacidade de 77%. Já no dia 25/09/2017, houve recorde de geração instantânea, no valor de 7.085MW. Neste dia, as usinas eólicas atenderam, no momento do recorde, 67% da carga do Nordeste, com um fator de capacidade de 83%. Estes números não deixam dúvidas sobre o que representa a geração eólica tanto para a região Nordeste quanto para o Brasil.
O Fator de Capacidade médio das usinas eólicas do Brasil é o melhor do mundo, especialmente na região Nordeste. Em 2016, esse fator de capacidade foi de 41,6%, mas se for avaliada apenas a performance do Nordeste, esse percentual sobe para 44%.
Comparativamente à água, sob o ponto de vista energético, ou seja, como fonte de energia, o vento é considerado muito mais previsível em uma visão de médio prazo. Entre os meses de julho e novembro, há um aumento significativo do fator de capacidade das usinas eólicas. Esta sazonalidade tem sido benéfica ao sistema, já que, entre os meses de agosto e novembro, há alta incidência de queimadas nas interligações com a região Nordeste. Como consequência do fator de capacidade elevado, tem-se que o fluxo de energia pelas linhas de transmissão que fazem parte das interligações é baixo, favorecendo o desempenho dinâmico do sistema em caso de grandes desligamentos.
Em 2021, a matriz energética brasileira contará com 10% de energia eólica em termos de potência instalada, continuando a fonte hidráulica sendo a principal (68%). Comparativamente ao ano de 2016, a potência instalada para geração crescerá 70,1%, disparadamente o maior valor entre todas as fontes de energia utilizadas no Brasil.
Sob este mesmo aspecto, observando-se apenas a região Nordeste, percebe-se uma penetração ainda maior da energia eólica. O crescimento da potência instalada de fonte eólica nesta Região, no período considerado (2016-2021), será de quase 80%, sendo que esta fonte representará 40% da matriz energética nordestina, à frente, inclusive, da fonte hidráulica, que corresponderá a 32%. Ou seja, a fonte eólica será para a região Nordeste, em 2021, a de maior capacidade instalada.
A intensa incorporação da geração de fonte eólica no Sistema Elétrico Brasileiro, bem como a concomitante crise hídrica no rio São Francisco, alteraram consideravelmente a operação, tornando a região Nordeste dependente do desempenho das usinas eólicas, seja para controle de tensão, controle de carregamento de equipamentos ou transferência de energia entre regiões.
Impactos da geração de fonte eólica na operação em tempo real
A geração de fonte eólica, conforme já dito anteriormente, é previsível a médio e longo prazos e bastante sazonal, permitindo um adequado planejamento neste horizonte. A curtíssimo prazo, porém, é uma geração de difícil previsão, por apresentar grande variabilidade em poucas horas, devido à forte dependência das condições meteorológicas. O grande desafio da operação em tempo real se apresenta justamente na geração de fonte eólica, já que sua variabilidade pode ocasionar problemas no controle de tensão e carregamento de equipamentos. Este fator, aliado à sua difícil previsibilidade, tornam o despacho de geração térmica, na busca da economicidade da operação, altamente complexo, devido às restrições intrínsecas a este tipo de fonte (basicamente tempo de sincronismo e tempo mínimo de permanência em operação). Em cenários hidrológicos desfavoráveis, a reserva de potência para fazer frente aos citados fatores (variabilidade e difícil previsibilidade), que deveria estar alocada nas usinas hidráulicas da região Nordeste, passa a ser alocada nas usinas térmicas desta região e em usinas hidroelétricas de outras regiões, com transferência de energia através das interligações.
Ainda por conta de sua difícil previsão e elevada variabilidade, as ações para controle de tensão e carregamento de equipamentos precisam ser céleres. Por isso, os sistemas de controle de potência ativa e reativa das usinas eólicas devem ser adequadamente implantados.
Transferência de Energia entre Regiões
Atualmente a bacia hidráulica mais importante do Nordeste, o Rio São Francisco, encontra-se numa situação muito delicada, passando pela maior crise hídrica da sua história. Ano após ano, os valores da Energia Natural Afluente são os piores do histórico.
Até o ano de 2013, a defluência mínima nas Usinas de Sobradinho e Xingó era de 1.300 m³/s. Isto representava, caso as usinas operassem à fio d’água, uma geração mínima na cascata do Rio São Francisco de aproximadamente 3620 MW, considerando as usinas localizadas a partir de Sobradinho até Xingó. Ao longo dos últimos anos, devido às baixas afluências, considerando o uso múltiplo da água, o valor da defluência vem sendo reduzido, na tentativa de se conseguir uma sobrevida do rio São Francisco. Atualmente, a vazão defluente autorizada é de 560 m³/s, o que equivale a uma geração aproximada de 1500 MW na citada cascata do velho Chico.
Neste cenário, onde a geração proveniente da fonte hidráulica é escassa, antes do advento das eólicas, para o atendimento a carga do Nordeste, havia a necessidade de um despacho elevado de usinas térmicas na própria Região, além do recebimento de grandes blocos de energia de outras regiões do país. Neste ponto de operação,devido aos riscos de desligamentos das interligações Norte/Nordeste, Norte/Sul, e Sudeste/Nordeste, principalmente em épocas de queimada, que ocorrem historicamente entre os meses de agosto e novembro, e também da reduzida inércia do sistema, devido ao baixo número de unidades geradoras de usinas hidroelétricas sincronizadas, o sistema operava no limite. A partir do momento em que a potência instalada de geração de fonte eólica começou a ser significativa para o Nordeste (a carga máxima histórica do subsistema Nordeste é de 12692 MW, em 21/03/2017, frente a uma potência instalada atual de geração de fonte eólica de 8440 MW), passou a haver uma grande dependência do desempenho das usinas eólicas. A figura abaixo mostra dois dias cujos fatores de capacidade das usinas foram completamente diferentes. No dia 10/09/17, a geração de fonte eólica média foi de 6193 MW, o que levou o Nordeste a exportar energia durante todo o dia, chegando ao valor máximo, nunca visto antes, de aproximadamente 4000 MW instantâneo. Já no dia 14/01/16, a energia eólica média gerada foi de 500 MW, o que levou o Nordeste a receber cerca de 3.500 MW/médios de outras regiões. Neste mesmo dia, a geração de fonte eólica mínima instantânea registrada foi de apenas 162 MW, o que equivaleu a um fator de capacidade de apenas 2,61%, naquele momento.
Recebimento e envio de energia pelo Nordeste – desempenho das usinas eólicas
Previsão de geração de fonte eólica
A previsão de geração de fonte eólica é um importante pré-requisito para o sucesso da integração em sistemas que tenham forte influência desse tipo de geração, o que torna prioritário o investimento na qualidade dessa previsão.
Hoje, o ONS realiza suas próprias previsões de geração de fonte eólica, tanto na fase de programação da operação quanto para o tempo real. Além disso, contrata um serviço de previsão de geração para o tempo real. Particularmente no tempo real, a previsão é de fundamental importância para oferecer a previsibilidade adequada às tomadas de decisão.
O desenvolvimento metodológico pelo ONS do modelo de previsão de geração de fonte eólica para 24 horas à frente considerou basicamente três fases prévias à previsão propriamente dita: (1) tratamento dos dados e geração dos melhores históricos possíveis de geração e vento, (2) estimativa das funções vento-potência dos parques e (3) correção de viés da previsão de velocidade de vento proveniente dos modelos de previsão numérica. A figura abaixo ilustra as etapas da metodologia aplicada no modelo de previsão de geração de fonte eólica.
Etapas da metodologia de previsão de geração de fonte eólica.
Para que fosse possível o desenvolvimento do modelo de previsão, foi necessária a criação de uma base de dados para armazenamento dos dados relativos às usinas eólicas. A base de dados eólicos reúne as informações cadastrais e as séries históricas verificadas e previstas de vento e de geração das usinas eólicas. A geração verificada provém tanto do Sistema de Supervisão do ONS, a cada 4 segundos, quanto do Sistema de Medição para Faturamento da CCEE, em intervalos de 5 minutos e 1 hora. O vento verificado, por sua vez, provém tanto do Sistema de Supervisão do ONS, a cada 4 segundos, quanto do Sistema AMA, coordenado pela EPE, em intervalos de 10 minutos. A base de dados armazena também o melhor histórico possível obtido através do tratamento e seleção destas séries históricas de vento e geração, em intervalos de 30 minutos.
A previsão de vento combinada pelo ONS baseia-se no vento previsto proveniente de três modelos meteorológicos, ETA, GFS e ECMWF, cujas previsões são combinadas dinamicamente de forma a extrair as melhores características temporais e espaciais de cada modelo meteorológico.
Para o tempo real, foi desenvolvido um módulo de combinação que, com base no estudo de cada previsão, comparativamente com os dados que estão ocorrendo naquele momento, determina uma nova tendência até o final do dia. Este módulo utiliza um algoritmo de otimização de persistência, que atribui maiores pesos nos instantes iniciais e, posteriormente dá maior peso à melhor curva de previsão. Para que toda esta informação esteja disponível na Sala de Controle, em tempo real, o ONS desenvolveu um Sistema (SGPE) que gerencia todas estas previsões, além do módulo de combinação.
Esta forma de gerenciamento já deu resultados importantes à operação, principalmente em relação à segurança operativa e eficiência no uso de recursos de geração térmica e hidráulica.
O modelo de previsão de geração de fonte eólica vem obtendo bons resultados na programação da operação. É importante, entretanto, que se mantenham os investimentos na melhoria da qualidade da previsão com vistas à redução de custos de redespacho em tempo real.Paralelo a isso, o ONS vem aprimorando seus recursos para o provimento adequado de todas as informações requeridas em tempo real, de forma a garantir mais eficiência nas ações que precisam ser antecipadas.