Opinião
Tarifa específica de distribuição de gás natural (TUSD-E): uma proposta metodológica para o Rio de Janeiro
Contribuição do Grupo de Energia e Regulação da Universidade Federal Fluminense (GENER/UFF) para a metodologia TUSD-E, apresentada na consulta pública da Agenersa
- Por Luciano Losekann com Edmar de Almeida, Niágara Rodrigues e Mirella Bordallo
A agência estadual de regulação da distribuição de gás natural do estado do Rio de Janeiro (Agenersa) está revisando o marco legal do Novo Mercado de Gás Natural. O aspecto mais relevante da consulta é a definição da metodologia para tarifa de distribuição para consumidores livres em gasodutos dedicados. Neste artigo, apresentaremos a contribuição do GENER-UFF para a metodologia TUSD-E que foi apresentada na consulta pública da Agenersa realizada no dia 3 de maio.
A Razão da TUSD-E
A atividade de distribuição de gás natural se caracteriza pelo transporte do combustível em gasodutos de baixa pressão e de diâmetro limitado. A rede de distribuição é, usualmente, capilarizada e atende a um grande número de consumidores finais, a maior parte de pequeno porte.
Normalmente, o princípio de reflexividade dos custos é aplicado a cada segmento de consumo. Assim, a estrutura tarifária compreende tarifas mais altas para segmentos em que o padrão de clientes implica em maiores custos de atendimento, como o segmento residencial, e tarifas mais baixas para segmentos em que o custo unitário é inferior devido à maior escala de suprimento, como os segmentos industrial e termelétrico. Isso pressupõe que não há diferencial significativo no custo de atendimento de clientes de um mesmo segmento. Para consumidores que estão conectados na rede compartilhada de distribuição, é complexo individualizar custos e a solidariedade no rateio de custos é uma prática que não implica em perdas ou ganhos relevantes para os clientes.
No entanto, alguns consumidores de maior porte, como é o caso de termelétricas, não são supridos através da rede capilarizada de distribuição, mas por infraestrutura de abastecimento dedicada. Para esses consumidores, o custo de atendimento pode ser individualizado. Na experiência internacional, consumidores que são conectados à rede de transporte ou que contam com infraestrutura própria de abastecimento (autoprodutores e auto-importadores) não pagam tarifa de distribuição.
Os dutos que atendem esses consumidores são dedicados e não levam gás para outros consumidores das distribuidoras. Como não há compartilhamento de infraestrutura, o conceito de solidariedade de rede não deveria ser aplicado, pois tende a gerar injustiça e desequilíbrio. Não há razão objetiva para que o custo desta infraestrutura seja rateado com todos os consumidores e a tarifa para estes consumidores deve considerar os próprios custos de construção, operação e manutenção da infraestrutura dedicada.
O entendimento que o tratamento tarifário de clientes atendidos por ramais dedicados deve ser diferenciado e refletir os custos individualizados de suprimento foi incorporado na Lei do Gás (11.909/09) em 2009. O artigo 46 da lei, que é reproduzido no artigo 29 da recente Nova Lei do Gás (14.134/21), apresenta os critérios e os princípios para que os estados desenhem uma estrutura tarifária que leve em consideração as características das demandas dos Consumidores Livres, quando atendidos por gasodutos dedicados. A lei aponta a necessidade da observância dos princípios da razoabilidade, transparência, publicidade e às especificidades de cada instalação.
A partir da diretriz federal, vários estados brasileiros já desenvolveram regulamentação sobre o tema. O estado de São Paulo foi pioneiro e estabeleceu tratamento tarifário específico para autoprodutores e auto-importadores em 2011. Em 2013, a Arsesp estabeleceu TUSD-E para a termelétrica Euzébio Rocha da Petrobras, localizada na refinaria de Cubatão. A metodologia Arsesp foi aperfeiçoada na revisão tarifária da Comgás em 2019 e é atualmente aplicada às termelétricas Euzébio Rocha e São João Ambiental.
Na Agenersa, o tema foi tratado primeiramente em 2012. Em 2019, a agência iniciou o processo para estruturar o novo mercado de gás natural no estado. As deliberações 3.862/19, 4.068/20 e 4.142/20 estabeleceram as diretrizes para o cálculo de tarifas específicas para agentes livres (consumidores livres, autoprodutores e auto-importadores) que reflitam os custos CAPEX e OPEX dos ramais dedicados. Em 07/04/2021, a agência lançou três consultas públicas[1] relacionadas ao tema e a metodologia GENER-UFF constou como referência para a Metodologia de Cálculo da TUSD e TUSD-E (consulta pública 01/2021).
Proposta GENER-UFF
A proposta do GENER-UFF para a TUSD-E é definida para cada um dos segmentos de demanda em que atuam agentes livres e é determinada em valor fixo anual[2]. A metodologia não considera os custos dos itens relativos à comercialização. Estes custos não devem ser repassados aos agentes livres que negociam o suprimento de gás por sua conta e risco[3].
A metodologia busca refletir de forma mais apropriada os custos específicos, CAPEX e OPEX, dos ramais dedicados. Sua inovação principal é a distinção entre os itens de OPEX que dependem da extensão da rede e os itens de OPEX gerais, que não dependem da extensão. Esta proposta busca estabelecer tarifa justa através desta separação dos custos.
Uma parcela significativa dos custos operacionais está associada à rede de distribuição, sendo a extensão da rede uma variável importante para determinar esta parcela dos custos operacionais. Os gastos com manutenção da rede, por exemplo, dependem da extensão e diâmetro dos dutos. Contemplando a parcela específica, a metodologia segue o princípio de justiça, aproximando a tarifa do custo real de suprimento.
Os custos gerais de OPEX são comuns a todos os consumidores e não dependem da extensão da rede. Em nossa concepção, esses custos devem ser rateados entre os consumidores, inclusive os que são atendidos por ramais dedicados, segundo a demanda de gás. Dessa forma, os consumidores sujeitos à TUSD-E seriam solidários com os demais consumidores nessa parcela de custos. Assim, entendemos que a proposta de metodologia contribui para o princípio da sustentabilidade tarifária.
Para estimar a parcela do OPEX que depende da extensão, utilizamos dados de projetos de gasodutos de transporte, que guardam correspondência com gasodutos dedicados. Os custos de Operação e Manutenção (O&M) que são influenciados pela extensão dos dutos representam em média 70% do OPEX e as despesas Gerais e Administrativas (G&A), que não têm relação direta com a extensão, 30%.
Por fim, a concessionária é remunerada por sua participação no investimento da construção do ramal específico (CAPEX), segundo a taxa de remuneração regulada. Quando o agente livre custear integralmente a construção do duto dedicado, a parcela de remuneração do CAPEX não estará presente na TUSD-E.
A seguinte fórmula foi proposta pelo GENER-UFF para metodologia tarifária da TUSD-E:
(1)
em que:
- Parcela dos custos operacionais influenciados pela extensão do duto específico
- Parcela dos custos operacionais que não dependem da extensão. Corresponde à parcela que é comum a todos clientes.
- Remuneração do investimento no gasoduto dedicado considerando a depreciação, a taxa de remuneração do capital (CAPM) e os efeitos fiscais.
O primeiro termo ( ) é calculado através do produto de três fatores: i) o percentual do OPEX que dependente da distância ( ); ii) a razão entre o metropol (extensão multiplicada pelo diâmetro) do ramal dedicado e o metropol total da rede da concessionária; e iii) a estimativa de despesa anual de OPEX da concessionária previsto na revisão tarifária, deduzida dos custos de comercialização.
(2)
em que:
– Parcela dos custos operacionais influenciados pela extensão do duto;
– extensão e diâmetro do gasoduto dedicado ao atendimento do Agente Livre i;
– Somatório do produto da extensão vezes o diâmetro da rede de gasodutos da concessionária; e
– OPEX da concessionária excluindo os itens relativos ao custo de comercialização.
O segundo termo da TUSD-E ( ), considera a parcela de OPEX da concessionária que não depende da extensão da rede. Este termo é calculado pelo produto de três fatores: i) o percentual de OPEX que independe da distância ; ii) a relação entre a demanda do cliente livre do ramal dedicado e a demanda total do segmento; e iii) despesa anual de OPEX do segmento, deduzida dos custos de comercialização.
(3)
em que:
– Parcela dos custos operacionais que não dependem da extensão;
– Demanda máxima do Agente Livre i ; e
– Somatório da demanda máxima do segmento.
O OPEX do segmento ( é calculado pela relação entre as receitas do segmento e a receita total da concessionária, conforme previsto na revisão tarifária (estrutura tarifária), multiplicado pela estimativa de despesa anual de OPEX da concessionária previsto na revisão tarifária, deduzida dos custos de comercialização.
(4)
em que:
– Receita proveniente do segmento;
– Receita total;
– OPEX da concessionária excluindo os itens relativos ao custo de comercialização, publicidade e propaganda;
O terceiro termo da TUSD-E ( ) se refere à remuneração da participação da concessionária no investimento do ramal dedicado, caso ela tenha participação. Este termo é calculado pelo produto de dois fatores: i) a participação da concessionária no investimento; ii) a remuneração do investimento total no gasoduto dedicado considerando a depreciação, a taxa de remuneração do capital (CAPM) e os efeitos fiscais – obtido pelo produto da tarifa e demanda máxima anual do agente livre.
(5)
em que:
– Participação da Concessionária no investimento total do gasoduto dedicado;
– Tarifa, em R$/mil m3, que garanta a remuneração do investimento total no gasoduto dedicado considerando a depreciação, a taxa de remuneração do capital (CAPM) e os efeitos fiscais; e
– Demanda máxima anual do Agente Livre i.
Vantagens da proposta GENER-UFF
A metodologia GENER-UFF atende às diretrizes da legislação federal e estadual, pois considera os custos específicos dos ramais dedicados. Tanto a parcela de remuneração do CAPEX, quanto do OPEX incorporam o efeito das dimensões dos ramais em seu cálculo. Dessa forma, clientes que impõem maiores custos pagarão tarifas maiores do que clientes atendidos com menores custos. Sua composição reflete mais adequadamente custos operacionais que dependem da dimensão do duto e custos gerais, afastando a possibilidade de subsídios entre clientes.
O método assegura que a concessionária receberá recursos suficientes para cobrir seus custos e os demais clientes tendem a ser beneficiados pela diluição dos custos gerais. Ou seja, em revisões futuras, as tarifas de clientes de outros segmentos reduziriam pelo ganho de escala do compartilhamento dos custos comuns. Ao estabelecer o pagamento em função da capacidade de consumo, a metodologia evita o risco associado à utilização do duto, que é relevante no caso termelétrico.
Por fim, a metodologia é transparente. O cálculo é simples e seus parâmetros são definidos a partir de informações públicas. Os interessados podem replicar o cálculo, facilitando sua aceitação.
[1] Consulta Pública 01/2021 – Processo Regulatório nº SEI-220007/002145/2020. Metodologia de Cálculo da TUSD e TUSD-E.
Consulta Pública 02/2021 – Processo Regulatório nº SEI-220007/002146/2020. Condições Gerais de Fornecimento e de Operação e Manutenção de Gasoduto Dedicado para Agentes Livres.
Consulta Pública 03/2021 – Processo Regulatório nº SEI-220007/002147/2020. Condições Gerais da Atuação do Comercializador.
[2] Para cobrança mensal, o valor anual é dividido em 12 parcelas mensais de igual valor.
[3] Consideramos que os seguintes itens da composição do OPEX da CEG e da CEG Rio correspondem à atividade de comercialização: Publicidade, Propaganda e Relações Públicas; Gastos de Atividade Comercial; Gastos Serviço a Cliente. Utilizamos nas simulações os dados da proposta final das concessionárias no processo da 4ª revisão tarifária.
Luciano Losekann é professor do Programa de Pós Graduação em Economia e Vice Diretor da Faculdade de Economia da UFF. Pesquisador do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF). Vice Presidente da Associação Brasileira de Estudos em Energia - AB3E.
Edmar de Almeida, professor (licenciado) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do IEPUC. É economista, mestre em Economia Industrial e doutor em Economia Aplicada pelo Instituto de Política Energética e Economia da Universidade de Grenoble, França. Desde 1993, professor Edmar dedica-se ao ensino e a pesquisa em economia energética com especial interesse em organização industrial e a dinâmica da indústria energética, regulação e política energética e inovação tecnológica e seus impactos nos mercados de energia.
Niágara Rodrigues é Economista pela UFRRJ, mestre em Economia Aplicada pela UFV e doutora em Economia pela UFF. Professora do Departamento de Ciências Econômicas da UFF, professora do Programa de Pós Graduação em Economia (PPGE/UFF) e pesquisadora do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).
Mirella Bordallo é pesquisadora do Grupo de Energia e Regulação (GENER). Graduada em Economia pela UFRJ (2017) e pós-graduada no MBA em Economia Empresarial pela UFF (2017). Experiência em Economia da Energia, com ênfase em modelagem.