Opinião
O crescimento da participação das empresas privadas na produção nacional de O&G
Uma análise mais detalhada a respeito das áreas já ofertadas nos leilões de partilha de 2013 a 2018 revela que 68% do potencial óleo presente nos blocos foi adquirido por empresas multinacionais estrangeiras
Na década de 1970, foram constituídos os primeiros contratos de risco, celebrados entre a Petrobras e diversas empresas estrangeiras para a procura por petróleo na costa brasileira, ainda sob o manto do monopólio estatal. Os resultados obtidos na década seguinte, porém, foram quase zero e, por diversos motivos, novos contratos foram cancelados pela Constituinte de 1988. Assim, a Petrobrás permaneceu investindo sozinha na busca pela autossuficiência em petróleo até a quebra do monopólio instituída pela lei 9.478/97, conhecida como “Lei do Petróleo”. Em 1998, a produção nacional de petróleo era de 1 milhão de barris/dia (bpd), enquanto nosso consumo pairava os 2,0 milhões de bpd (BP, 2019). A Petrobrás era responsável por 100% da produção de óleo e gás até então.
A lei 9.478/97 abriu definitivamente o mercado nacional para a participação de empresas privadas. Neste sentido, a primeira rodada de licitações para concessões de blocos exploratórios ocorreu em junho de 1999, organizado pela recém-criada Agência Nacional do Petróleo (ANP). A primeira rodada atraiu 42 empresas, das quais 14 apresentaram ofertas e 10 saíram vitoriosas e ingressaram no mercado brasileiro, entre elas, a italiana Agip, a inglesa BP, a norte-americana Texaco e a argentina YPF (ANP, 2019). Ainda assim, como existe um longo período entre a exploração e a produção de petróleo efetivamente, os resultados só seriam visíveis anos mais tarde. Adquirir uma área em leilão é o começo de um longo processo de estudos e investimentos na aquisição de dados sísmicos, perfuração de poços, delimitação da jazida, completação de poços e, se for encontrado óleo em quantidade comercial, construção de infraestrutura de produção. O processo todo pode levar mais de uma década facilmente.
A Petrobras seguiu atuando com força no mercado e foi a empresa que mais arrematou áreas no primeiro leilão, o que se repetiria nas rodadas seguintes. Por óbvio, este era um movimento natural, visto que a empresa era quem detinha conhecimento mais apurado a respeito da nossa bacia continental, bem como expertise do ambiente offshore de águas profundas e ultraprofundas. Se associar à Petrobras é um bom negócio para as empresas privadas, inclusive.
Nos anos seguintes, viriam muitas outras rodadas, que atraíram centenas de empresas, entre nacionais e multinacionais do ramo. Até o ano de 2018, foram realizadas 15 rodadas de Concessão de blocos e 5 rodadas do pré-sal no regime de Partilha no país, que fora instituído em 2010. O primeiro leilão do pré-sal, contudo, só ocorreu em 2013 com a oferta da área de Libra.
O pré-sal no meio do caminho
As gigantes reservas de óleo e gás no pré-sal tiveram papel crucial para atrair cada vez mais o interesse das gigantes do petróleo pelo mercado brasileiro. Pode-se dizer que a história do pré-sal começou na segunda rodada de licitações de blocos, em junho de 2000. Das 23 áreas ofertadas na ocasião, 4 delas merecem destaque: blocos BM-S-8, BM-S-9, BM-S-10 e BM-S-11. Essas áreas deram origem a importantes descobertas, tais como Tupi e Guará, que são nossos maiores campos produtores da atualidade, renomeados como Lula e Sapinhoá, respectivamente. Não tivéssemos descoberto estas imensas reservas, o interesse privado talvez fosse menor nos anos seguintes. Os consórcios vencedores, o bônus de assinatura e as principais descobertas destes blocos podem ser observados no quadro 1.
Quadro 1 – Consórcios formados nos blocos BM-S-8/9/10/11 em junho de 2000
Bloco | Consórcio vencedor | Bônus de assinatura | Principais descobertas/ano | |
BM-S-8 | Petrobras*
Shell Petrogal (Galp) |
50%
40% 10% |
R$ 51.450.054 | Carcará/2012 |
BM-S-9 | Petrobras*
BG (Shell) YPF (Repsol) |
45%
30% 25% |
R$ 116.278.032 | Carioca (Lapa)/2007
Guará (Sapinhoá)/2008 |
BM-S-10 | Petrobras*
BG (Shell) Chevron (Partex) |
50%
25% 25% |
R$ 101.995.032 | Parati/2005
Bloco devolvido à ANP em 2014 |
BM-S-11 | Petrobras*
BG (Shell) Petrogal (Galp) |
65%
25% 10% |
R$ 15.164.232 | Tupi (Lula)/2006
Iara (Berbigão, Sururu e Atapu)/2008 Iracema (Cernambi)/2009 |
*Operador
Fonte: elaboração própria, a partir de dados da ANP.
O bloco BM-S-8 já não pertence mais ao consórcio original, foi vendido em grande parte à norueguesa Equinor, que será a operadora do campo de Carcará, ao que tudo indica. O BM-S-10, que descobriu Parati, o primeiro poço do pré-sal efetivamente, foi devolvido à ANP em 2014, por conter reservatórios de difícil geologia e por ser considerado subcomercial. Parati, contudo, trouxe importantes conhecimentos e aprendizado a respeito das dificuldades da área, foi o poço mais caro e difícil de ser perfurado no país até o momento. Mesmo nas “derrotas”, você fica com o aprendizado, neste caso fator crucial para reduzir o custo dos poços subsequentes.
A Shell, que vendeu sua participação no BM-S-8 em 2011, voltou ao pré-sal com tudo ao comprar a inglesa BG em 2015, ficando com as parcelas do BM-S-9 e BM-S-11 que eram da empresa britânica. O campo de Tupi, renomeado para campo de Lula quando da declaração de comercialidade, foi o segundo campo a produzir petróleo no pré-sal, já no ano de 2009, ou seja, 9 anos após o bloco BM-S-11 ter sido adquirido na segunda rodada (o primeiro óleo comercial da camada pré-sal veio em 2008 do campo de Jubarte, no ES). Lula foi em 2018 o maior campo produtor de petróleo e gás do país, sendo que a anglo-holandesa Shell e a portuguesa Galp, sócias do campo junto com a Petrobras, figuram entre os maiores produtores de petróleo do país em função dele. A Petrobras, que no início dos anos 2000 detinha 99% da produção de óleo e gás, passou a dividir espaço de forma crescente com suas sócias, entre outras empresas que ingressaram no mercado de O&G brasileiro ao longo dos anos, conforme podemos observar no quadro 2.
Quadro 2 – Evolução da participação da Petrobras na produção nacional de O&G
Fonte: elaboração própria a partir de dados estatísticos ANP, 2019.
Os leilões de concessão e partilha revelaram algo que é comum mundo afora: a formação de consórcios para disputar as áreas ofertadas. Como os riscos exploratórios são altos e demandam vultosas somas de capital, formar grupos de empresas para participar da disputa dos blocos divide os riscos, os custos e o know-how tecnológico. Divide-se também o lucro, claro. Observa-se que a Petrobras, embora siga relevante e atue como a principal operadora das áreas, passou a ter participação percentual menor no mercado brasileiro. Desta forma, a produção de óleo e gás pelas empresas privadas passou a aumentar significativamente a partir dos anos 2000.
O que vem por aí
Passados 20 anos desde o primeiro leilão de concessão de áreas exploratórias realizado pela ANP, os resultados ficaram mais visíveis somente na última década com o advento do pré-sal. A produção de óleo e gás da camada pré-sal cresce a cada dia e já supera a tradicional produção de campos situados no pós-sal. Uma análise mais detalhada a respeito das áreas já ofertadas nos leilões de partilha de 2013 a 2018 revela que 68% do potencial óleo presente nos blocos foi adquirido por empresas multinacionais estrangeiras, conforme dados apresentados no quadro 3.
Quadro 3 – consórcios vencedores das áreas dos contratos de Partilha entre 2013 e 2018
Nos próximos anos, as áreas que apresentarão crescimento mais significativo de produção são as áreas da Cessão Onerosa (campo de Búzios, principalmente), hoje 100% Petrobras, mas cujo leilão de excedentes ocorrerá no final de 2019. Os grandes players deverão formar consórcios para dividir a área com a estatal brasileira. No regime de concessão, ainda para 2019/2020, os campos de Lula, Sururu, Berbigão e Atapu (derivados do BM-S-11) devem ganhar sistemas definitivos de produção. A área de Libra, do primeiro leilão de partilha, já tem 2 sistemas de produção planejados, Mero 1 (2021) e Mero 2 (2022), o que aumentará a participação da Shell, da Total e das chinesas CNPC e CNOOC na produção total de óleo no Brasil. A revitalização de campos maduros terá certamente a participação de empresas privadas, dado que a Petrobras tem vendido muitos destes campos para outras empresas.
É de se imaginar que na próxima década a participação privada na produção de óleo e gás atinja 40-50% do total produzido no país. A Petrobrás aumentará a sua produção e seguirá líder em tamanho e importância, mas dividindo cada vez mais espaço com outros agentes. O offshore brasileiro está entre as províncias petrolíferas mais atrativas do mundo e os próximos leilões de Partilha já planejados até 2021 (6º, 7º e 8º) devem trazer outros players, além dos que já estão por aqui, para a disputa pelas áreas. E assim, a produção de petróleo e gás no Brasil possivelmente dobrará até o final da próxima década, salvo alguma desgraça econômica ou geopolítica (que ninguém quer), gerando mais e mais recursos para o país. Aproveitemos este momento, pois as fontes alternativas de energia estão aí e não param de crescer. A hora é agora.
Referências
ANP. Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis. Concessão de blocos exploratórios. Disponível em: http://rodadas.anp.gov.br/pt/concessao-de-blocos-exploratorios-1?view=default. Acessado em julho de 2019.
ANP. Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis. Dados estatísticos. Disponível em: http://www.anp.gov.br/dados-estatisticos. Acessado em julho de 2019.
- BP statistical review of world energy 2019. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em Julho de 2019.