Opinião

A retórica dos subsídios da geração distribuída e o PL 2703

"As injustiças da Aneel e das distribuidoras na geração distribuída, por não cumprirem a Lei 14.300, constituem verdade inafastável", aponta em artigo Thiago Bao Ribeiro, do Bao Ribeiro Advogados

Por Thiago Bao Ribeiro

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Desde a publicação da Resolução Normativa 687, em 2015, que criou a geração distribuída compartilhada, os agentes desse setor disputavam uma “queda de braço”, cujo fim foi acordado com a publicação do Marco Legal da micro e minigeração distribuída, instituído pela Lei 14.300, em 07 de janeiro deste ano.

A edição da Lei 14.300 foi fruto de um acordo entre os agentes do setor elétrico, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Ministério de Minas e Energia. Como todo acordo, o Marco exigiu que os agentes renunciassem a certos direitos para que houvesse um consenso na votação do Projeto de Lei 5829/2019, que deu origem à Lei 14.300.

Um dos pontos mais relevantes do acordo foi a manutenção do modelo originalmente estabelecido para compensação (1:1) até 2045 para os consumidores conectados, com pareceres de acesso emitidos e novos entrantes que protocolarem solicitação de acesso nos 12 meses seguintes à publicação da lei. Os que chegarem depois, após 07 de janeiro de 2023, passarão por um período de transição com pagamento escalonado da TUSD Fio B, um pleito das distribuidoras para custeio da rede.

A fim de evitar uma nova “quebra de braço” no setor, a lei determinou que a Aneel adequasse os seus regulamentos em até 180 dias, contados da sua publicação. Esse prazo não foi cumprido e a inércia da Aneel causou um novo desequilíbrio entre os consumidores e as distribuidoras.

A Aneel iniciou a adequação dos seus regulamentos sobre o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), mas o fez de forma sigilosa, sem transparência, violando princípios constitucionais de publicidade dos atos da agência. A revisão veio à tona em setembro desse ano com a publicação da Nota Técnica n° 0041/2022 - SRD/SGT/SRM/SRG/SCG/SMA/SPE/ANEEL. Espera-se que a regulamentação seja publicada no início de 2023. 

Como toda “quebra de braço”, o mais fraco inicia a disputa em desvantagem. Sem juiz (a Aneel) e sem regras claras, as distribuidoras passaram a ditar as regras, utilizando-se de certa discricionariedade “autorizada” pela Lei 14.300. 

É de ser revelado que os atrasos de conexão e as diversas irregularidades cometidas pelas distribuidoras elevam, consideravelmente, o custo de implantação das usinas de geração distribuída e impactam os retornos desse investimento. Tudo isso poderia ter sido evitado com uma simples manifestação da Aneel sobre os artigos da lei com aplicação imediata, que independem de regulamentação, e já deveriam estar sendo cumpridos pelas distribuidoras. Em razão da inércia regulatória, a Aneel “deu vantagem” ao outro adversário nessa disputa.

Os atrasos de obras de conexão das distribuidoras, sem qualquer punição da Aneel, é uma das causas dos problemas enfrentados na implantação de usinas. A judicialização tornou-se o caminho mais curto, porém não resolve o problema da falta de regulamento.

Uma das razões do surgimento do PL 5829/2019, que deu origem à Lei 14.300, foi a demora da Aneel em revisar a Resolução Normativa 482. Assim como correu em 2019, surge em 2022 o PL 2703, do Deputado Federal Celso Russomanno (Republicanos/SP), expoente defensor do direito dos consumidores, com o objetivo de reequilibrar a relação entre os agentes do “acordão”.

Não é possível restabelecer os prazos dos atrasos de obras de conexão, bem como o tempo perdido e os prejuízos causados pelo descumprimento de diversas regras da Lei 14.300 pelas distribuidoras. Assim, o PL 2703 busca postergar o prazo do marco temporal de enquadramento do direito adquirido.

Em sua versão original, o PL 2703 propôs a postergação por mais 12 meses. No da 06 de dezembro, o PL 2703 sofreu alterações na Câmara dos Deputados. Chegou ao Senado no dia 08 de dezembro com alteração do prazo de prorrogação do direito adquirido, passando de 12 para 6 meses, e criou alguns “jabutis”.

Os agentes se organizaram e se iniciou uma nova “quebra de braço”. Agora, a artilharia usada na disputa é a retórica dos subsídios custeados pelos consumidores. A Abradee e outras associações, como Apine, Abraceel e Abiape, bombardearam o noticiário político com argumentos retóricos contra o PL 2703.

Em carta aberta aos senadores, essas associações patronais, juntamente com a Frente Nacional dos Consumidores de Energia, alegam que a postergação trará um custo extra de R$138 bilhões aos consumidores que não geram a própria energia. O Movimento Energia Justa não apresenta os cálculos dessa conta. No entanto, é possível contestá-la com as informações disponíveis no Subsidiômetro recentemente divulgado pela Aneel.

Há um esforço para imputar à geração distribuída a culpa pelo aumento das contas de energia, com aumento dos subsídios custeado pela CDE. Sim, a GD aumenta esse custo, mas ela é irrelevante frente aos subsídios anualmente concedidos às associações patronais do Movimento Energia Justa. Vejamos.

Histórico dos Subsídios do Setor de Energia Elétrica - Subsidiômetro da Aneel (Clique na imagem para ampliar)

Segundo os dados do Subsidiômetro da Aneel, o maior valor pago em subsídios vem do custeio da geração de energia dos sistemas isolados (CCC), correspondente a R$10 bilhões em 2022, que representam 35% dos subsídios no setor de energia elétrica. Os descontos incidentes sobre a TUST e TUSD para pequenos empreendimentos hidrelétricos e empreendimentos com base nas fontes solar, eólica, biomassa e cogeração qualificada na produção e consumo de energia elétrica representam um subsídio na ordem de R$5,6 bilhões em 2022, correspondente a 19% do total de subsídios custeados pelos consumidores de energia.

Os subsídios destinados a compra de carvão mineral para as térmicas correspondem a 2,62% do total distribuído entre os agentes.

Na geração distribuída, parte dos subsídios são pagos pelos consumidores e representam R$ 1,4 bilhões de um total de R$ 2,52 bilhões. A outra parte é destinada ao custeio da perda da parcela do Fio B da distribuidora.

De acordo com o detalhamento dos subsídios na tarifa residencial, disponível no Subsidiômetro da Aneel, notamos que, em média, a soma dos subsídios do carvão mineral, da fonte incentivada e da CCC na tarifa de energia residencial representa cerca de 8%. Enquanto isso, o impacto do subsídio da GD representa 0,8%. Até no caso mais extremo como MG, onde concentra-se o maior número de usinas, o subsídio da GD não ultrapassa o custo da incentivada, do carvão e da CCC.

Oportuno se torna dizer que os grandes consumidores do ambiente de contratação livre e geradores incentivados recebem a maior parte dos subsídios da CDE, com uma pequena participação dos micro e minigeradores distribuídos.

A conta dos subsídios segue em alta e eles não apresentam comprometimento do beneficiário em troca do direito recebido.

Os signatários do movimento que ataca o PL 2703 são os mais favorecidos pelos subsídios, deixam a conta dos subsídios mais vultuosa do que a culpa colocada na conta da prorrogação da GD. Os consumidores "defendidos" por essas empresas não fazem ideia do quanto eles bancam as empresas das associações signatárias dos manifestos contra o PL 2703.

Toda história tem duas versões, mas os dados apresentados neste artigo são incontestáveis.

Por tudo isso, a prorrogação do benefício do direito adquirido é, no mínimo, a decisão mais correta a ser feita para corrigir todos os problemas enfrentados pelo segmento de GD. As injustiças da Aneel e das distribuidoras na geração distribuída, por não cumprirem a Lei 14.300, constituem verdade inafastável e nenhum argumento retórico é suficientemente capaz de sustentar uma decisão de não aprovação do projeto de lei.

Thiago Bao Ribeiro é advogado e sócio do escritório Bao Ribeiro Advogados, com foco em estruturação jurídica de projetos de geração de energia renovável

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