Opinião

Desafios e oportunidades na transição para o mercado livre e o impacto no mercado cativo

É crucial encontrar um equilíbrio que permita a continuação da migração para o mercado livre, enquanto se protege os consumidores cativos de aumentos injustos nos preços da energia

Por Thiago Bao Ribeiro

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A energia elétrica é um recurso indispensável na vida moderna, alimentando tudo, desde nossas casas e escritórios até indústrias e infraestruturas públicas. No Brasil, no entanto, o custo desse recurso vital tem sido uma fonte de preocupação crescente. O preço da eletricidade tem subido constantemente, pesando no bolso dos consumidores e afetando a economia em geral.

Segundo pesquisa efetuada pela interface CupomValido.com.br, com informações da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) sobre preços da eletricidade, o Brasil tem a segunda tarifa de energia mais cara do mundo.

Paradoxalmente, um dos principais fatores que contribuem para essa situação é a migração em massa dos consumidores para o Mercado Livre de Energia. Este é um espaço onde os consumidores, principalmente os industriais e comerciais, podem escolher de quem comprar sua eletricidade, em vez de ficarem restritos à distribuidora local. Em razão da livre escolha, a concorrência entre os geradores e comercializadores de energia faz com que o preço desse insumo seja cotado a preços bem abaixo das tarifas de energia do mercado cativo.

Em 2021, o Brasil enfrentou uma crise hídrica severa que elevou os preços da energia para mais de R$1.500 por megawatt-hora (MWh). No entanto, ao longo de 2022, a situação se reverteu significativamente. O Preço de Liquidação das Diferenças (PLD mínimo), um termo técnico do setor que serve como referência para contratos, especialmente no mercado livre onde os consumidores têm a liberdade de escolher seus fornecedores, caiu para o limite regulatório de R$ 69 por MWh.

Essa liberdade de escolha, embora benéfica para os consumidores que migram, tem implicações significativas para aqueles que permanecem no mercado cativo, conforme será apresentado neste artigo.

Entendendo o Mercado Livre de Energia

O Mercado Livre de Energia é um ambiente de negociação no qual os consumidores têm a liberdade de escolher seus fornecedores de energia. Este mercado foi criado com o objetivo de promover a concorrência, permitindo que os consumidores negociem diretamente com os geradores ou comercializadores de energia as condições de fornecimento, como preço, volume e prazo.

Para participar do mercado livre, os consumidores precisam atender a certos requisitos de demanda, que são estabelecidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Atualmente, o MLE é acessível para unidades que operam em alta tensão (Grupo A) e que possuem uma demanda contratada de pelo menos 500 kW. Essas unidades podem optar por fontes de energia alternativas, negociar preços e volumes de energia diretamente com os fornecedores, e redigir contratos que se adequem às suas necessidades. A migração para o Mercado Livre pode resultar em economia média de até 30% na conta de luz.

Em 2022, o governo brasileiro aprovou a formalização de regulamentos que reduzem os limites de participação no ACL, permitindo que mais consumidores tenham acesso a este mercado. A partir de 2024, qualquer unidade consumidora do Grupo A poderá migrar para o Mercado Livre, independentemente de sua demanda contratada. Isso permitirá que mais empresas contratem energia de fontes limpas, combinando economia com sustentabilidade.

Para as empresas e consumidores conectados em baixa tensão (Grupo B), a migração para o Mercado Livre será possível a partir de janeiro de 2026. No entanto, as classes residencial e rural só poderão migrar a partir de janeiro de 2028. Agora, em 2023, as empresas já podem começar a avaliar a viabilidade da migração com uma comercializadora de confiança.

A principal atração do mercado livre é a possibilidade de obter preços mais competitivos e a flexibilidade para escolher a origem da energia, seja ela de fontes renováveis ou convencionais. Além disso, os consumidores livres têm a capacidade de prever e controlar melhor seus custos de energia, já que podem negociar contratos de longo prazo com preços fixos.

No entanto, a migração para o mercado livre não é uma decisão a ser tomada de ânimo leve. Os consumidores livres assumem mais responsabilidades, como a gestão de riscos relacionados à volatilidade dos preços e à garantia de fornecimento. Além disso, eles precisam ter uma compreensão clara de suas necessidades de consumo para negociar contratos que se alinhem a essas necessidades.

Apesar desses desafios, a migração para o mercado livre tem se acelerado nos últimos anos. Isso se deve em grande parte à crescente conscientização sobre os benefícios potenciais do mercado livre, bem como às mudanças regulatórias que têm facilitado a entrada de mais consumidores neste mercado.

No entanto, essa migração tem implicações significativas para o mercado cativo e para o setor de energia como um todo, como veremos nos próximos capítulos.

O Impacto no Mercado Cativo

O mercado cativo de energia é composto por consumidores que não têm a opção de escolher seu fornecedor de energia. Geralmente, são consumidores residenciais e pequenas empresas que, por restrições regulatórias ou de consumo, não podem migrar para o mercado livre. Esses consumidores são atendidos pelas distribuidoras locais de energia, que fornecem energia a preços regulados pela Aneel.

A migração de grandes consumidores para o mercado livre tem um impacto direto no mercado cativo. Com menos consumidores para dividir os custos, uma parcela maior dos encargos setoriais e dos custos de infraestrutura recai sobre os consumidores cativos.

Um dos principais encargos setoriais é o fundo CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). Este fundo é usado para financiar várias políticas públicas no setor de energia, como subsídios para fontes de energia renováveis, programas de eletrificação rural e tarifas sociais para consumidores de baixa renda. Originalmente, esses custos eram divididos entre todos os consumidores, mas com a migração para o mercado livre, uma parcela maior desses custos está sendo transferida para os consumidores cativos.

Isso tem levado a um aumento nos preços da energia para os consumidores cativos. Além disso, a migração para o mercado livre pode resultar em uma menor previsibilidade na demanda de energia, o que pode levar a investimentos insuficientes em infraestrutura e, consequentemente, a uma menor confiabilidade no fornecimento de energia. No contexto das empresas geradoras, a diminuição dos custos representa uma questão preocupante, possuindo a capacidade de comprometer a viabilidade de projetos.

Essa situação coloca em evidência a necessidade de uma reforma no setor de energia. É crucial encontrar um equilíbrio que permita a continuação da migração para o mercado livre, enquanto se protege os consumidores cativos de aumentos injustos nos preços da energia. Nos próximos capítulos, exploraremos as implicações dessa situação para os consumidores e possíveis soluções para esse desafio.

Possíveis Soluções e Futuro do Mercado de Energia

A situação atual do mercado de energia no Brasil, com a migração de consumidores para o mercado livre e o consequente aumento dos preços para os consumidores cativos, destaca a necessidade de reformas no setor de energia. Existem várias possíveis soluções que poderiam ajudar a equilibrar os interesses de todos os consumidores.

Uma solução potencial seria a revisão da forma como os custos do fundo CDE e outros encargos setoriais são divididos entre os consumidores. Atualmente, esses custos são divididos com base no consumo de energia. No entanto, isso resulta em uma parcela desproporcional desses custos sendo suportada pelos consumidores cativos. Uma alternativa seria dividir esses custos de forma mais equitativa entre todos os consumidores, independentemente de estarem no mercado livre ou cativo.

Além disso, é crucial garantir que haja investimento suficiente em infraestrutura de energia. Isso poderia ser alcançado através de incentivos para investimentos em infraestrutura ou através de regulamentações que garantam que a demanda de energia possa ser atendida de forma confiável.

A migração para o mercado livre de energia é uma realidade. O desafio será encontrar um equilíbrio que permita a continuação da migração para o mercado livre, enquanto protege os interesses dos consumidores cativos e garante a confiabilidade do fornecimento de energia.

A tarefa não é fácil, mas é essencial para garantir um futuro energético sustentável e acessível para todos os brasileiros.

Thiago Bao Ribeiro é advogado e sócio do escritório Bao Ribeiro Advogados, com foco em estruturação jurídica de projetos de geração de energia renovável

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