Opinião
Agências reguladoras
A coluna bimestral de Jerson Kelman
Em certa ocasião, quando era diretor-geral da Aneel, resolvi inovar na nomeação de um superintendente. Em vez de buscar algum indicado dentro do aparato governamental ou com experiência em companhia do setor elétrico, convidei uma empresa de caça de talentos (head hunter) para me ajudar. Embora o pagamento prometido fosse irrisório para o padrão desse tipo de serviço, e ainda assim só haveria pagamento na hipótese de sucesso na seleção, o head hunter aceitou o desafio pelo ineditismo da situação. Ele se sentiu atraído por participar da escolha de um profissional para cargo de direção na administração pública com base apenas na meritocracia, sem injunções políticas.
Por sorte minha o head hunter não conseguiu achar um executivo com o perfil que eu exigia. Sorte, porque pouco depois tive de me justificar sobre um suposto gasto questionável na contratação do head hunter. Como não houve o gasto, livrei-me de ter de explicar a “ousadia”.
Apesar desse insucesso, a totalidade dos superintendentes que escolhi para a ANA e para a Aneel, e quase todos os diretores com quem compartilhei a direção, foram selecionados com base na qualificação ética e na competência profissional. A responsabilidade maior pelas raríssimas exceções na escolha de diretores de agências é do Senado Federal, que não tem examinado os candidatos com a necessária seriedade, tanto para reprovar os que não têm perfil para ocupar o cargo, quanto para aprovar os que têm.
O público menos informado imagina que uma agência reguladora serve exclusivamente para defender o consumidor, como se fosse uma espécie de Procon. Não percebe que ela é também responsável pela criação de um ambiente propício para investimentos, tanto na prestação de serviço público quanto no uso do bem público. Se antes da Operação Porto Seguro já havia esse nível de incompreensão, depois dela ficou muito pior.
Nesse ambiente desfavorável, dirigentes e servidores de agências reguladoras devem ter a determinação de seguir em frente na missão de dotar o país do arcabouço institucional indispensável ao pleno desenvolvimento. Como disse o economista Dani Rodrik, professor de Harvard, “construir um Estado capaz e receptivo ao desenvolvimento, uma burocracia competente, uma administração honesta, instituições legais e regulatórias eficientes só é possível num período de décadas – talvez até de séculos” (Revista Exame n. 1.030, dezembro de 2012).
Participei recentemente da comemoração do aniversário da Aneel, que, embora seja a segunda mais antiga agência reguladora, é ainda uma adolescente (15 anos). Na ocasião argumentei que as instituições bem-sucedidas se apoiam em quatro pilares: gente, governança, cultura e conhecimento. No quesito “gente”, disse que as agências dispõem em média dos melhores servidores da administração pública do país. Em “governança”, ressaltei o exemplo da Aneel, que realiza reuniões públicas de diretoria, transmitidas pela internet. Maior transparência seria impossível. Em “cultura”, expliquei que nas agências, pelo menos nas que dirigi, os técnicos são estimulados a formular livremente suas opiniões, e os diretores a exercer a responsabilidade de tomar suas próprias decisões, em vez de simplesmente endossar as recomendações da área técnica ou jurídica.
No quarto e último quesito, “conhecimento”, reconheci que os servidores têm profunda compreensão sobre regulação, caso contrário não teriam passado nos difíceis concursos. Disse ainda que o típico servidor é um jovem brilhante que, exatamente por ser jovem, não passou ainda por alguma experiência profissional no setor produtivo. Ao ingressar na agência assume a responsabilidade de regular e fiscalizar atividades que jamais exerceu. Não acho que isso seja bom. O melhor seria que ele ou ela tivesse a oportunidade de ter uma experiência prática do que se passa do outro lado do balcão. Por exemplo, se lhe fosse dada a oportunidade de trabalhar ao longo de um ano sabático em alguma empresa regulada, pública ou privada.
A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses
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