Opinião
Desafios para o financiamento do setor energético
Em setembro de 2015, foram adotados os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que deverão orientar as políticas nacionais e as atividades de cooperação internacional nos próximos quinze anos.
No que se refere à energia (ODS 7), ficou estabelecido que os países devem “assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia, para todos”. Por “sustentável” entende-se a maior participação de fontes renováveis de energia e maior eficiência no uso dos recursos naturais. As metas estabelecidas para o atendimento desse objetivo são: (i) assegurar o acesso universal, confiável, moderno e a preços acessíveis a serviços de energia; (ii) aumentar substancialmente a participação de energias renováveis na matriz energética global; e (iii) dobrar a taxa global de melhoria da eficiência energética. Para alcançá-las, são necessários investimentos significativos nas áreas priorizadas, além de reduzir os incentivos às energias fósseis e ao uso ineficiente de recursos energéticos. Em um momento em que se discute a reorganização do setor elétrico e o governo insiste em uma acelerada guinada pró-mercado, é crucial analisarmos de onde virá o investimento para o setor.
No que se refere ao cumprimento de suas metas, o Brasil caminha para o cumprimento da meta de expansão de energias renováveis graças à sua dotação de recursos naturais e à sua organização institucional, que possui um robusto mecanismo de expansão de capacidade, via leilões. O sucesso na universalização do acesso à energia se dá graças à adoção de políticas públicas específicas, como o Programa Luz para Todos. A crise econômica, quando associada a cortes de programas sociais que se destinam ao financiamento de despesas com energia por parte da população de baixa renda, agrava o problema da pobreza energética que ainda persiste Brasil. Os domicílios de mais baixa renda costumam ter acesso tanto a formas de cocção modernas (gás natural e eletricidade), quanto a formas rudimentares (lenha). A utilização depende do custo dos combustíveis alternativos. Contata-se por dados do IBGE que entre 2016 e 2017, houve aumento de consumo de lenha em todas as regiões. Na região Sudeste, o aumento foi de 13% (244 mil domicílios).
A meta que impõe significativos ganhos de eficiência energética é a que parece ser mais difícil de ser alcançada pelo País. Estamos atrás da média global, e mesmo da América Latina, em termos agregados. De acordo com o Banco Mundial, entre 2000 e 2015, enquanto a média mundial de intensidade energética caiu 21%, no Brasil essa relação aumentou em 4,6%. O contraste é ainda maior se comparado à União Europeia, com redução de 23,8%, e à China e à Índia, com reduções de 34,6% e 31,9%, respectivamente.
O financiamento do atendimento às metas do ODS 7 no Brasil
No Brasil, as fontes públicas de financiamento possuem posição dominante. Por meio de seus bancos públicos, o governo federal é o maior investidor do setor. No setor de energia elétrica, essa participação chega a 75%. Nele, as emissões de debêntures são pouco significativas. Entre 2014 e 2016, o setor eólico conseguiu levantar R$ 503 milhões, insignificantes 0,0041% do total investido, comprovando que “apesar da expansão projetada dos investimentos privados e das restrições fiscais e de gestão do setor público, não há paradoxalmente como prescindir de um envolvimento do próprio setor público” (Frischtak e Noronha, em CNI, 2016).
Entre as soluções de mercado apresentadas para cobrir os gaps de investimento público, as parcerias público-privadas (PPPs) têm sido apresentadas como a melhor solução. Cabe lembrar, no entanto, que, na maioria dos casos, as PPPs são mais caras do que o financiamento público, a começar pelas diferentes taxas de juros que sobre elas incidem. Por serem arranjos complexos, envolvem elevados gastos jurídicos e de consultoria, associados à negociação, preparação e administração das PPPs. Além disso, suas implicações fiscais podem exacerbar ou até mesmo precipitar grandes crises financeiras. Em países afetados por crises macroeconômicas, há desafios de demanda pelo serviço relacionado à menor atividade econômica, o que resulta em um efeito indireto sobre o setor público. O FMI reconhece o problema, revelando que muitas PPPs “são adotadas para contornar as restrições orçamentárias e adiar o registro dos custos fiscais da prestação de serviços de infraestrutura”, o que acaba expondo as finanças públicas a riscos fiscais excessivos.
O cumprimento das metas do ODS7 contribui para o desenvolvimento econômico e do meio ambiente e reinsere o Brasil no processo de desenvolvimento econômico pouco intensivo em carbono, do qual poderia ser protagonista. Para isso, é necessário muito investimento e cuidado com os níveis de preços dos recursos energéticos. É essencial que a reorganização do setor energético brasileiro atente à sua importante dependência de investimento público e que isso seja endereçado com responsabilidade.
Referências:
• CNI, 2016, Confederação Nacional da Indústria, “O financiamento do investimento em infraestrutura no Brasil: uma agenda para sua expansão sustentada”, Confederação Nacional da Indústria. Brasília: CNI, 2016.
• Romero, M. J., Vervynckt, M., 2017, “Unpacking the dangerous illusion of PPPs” in Reclaiming public services: How cities and citizens are turning back.
Clarice Ferraz é doutora em Ciências Econômicas e Sociais pela Universidade de Genebra. Pesquisadora Associada do Grupo de Economia da Energia do IE/UFRJ.