Opinião

Diferenças entre o Fundo Soberano Norueguês e o Brasileiro

A estrutura social e econômica distinta dos dois países e os diferentes graus de desenvolvimento das duas economias não permitem usar o fundo soberano do país europeu como modelo para o Brasil

Por Osmani Pontes

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De forma recorrente, volta à tona o debate que pretende comparar estratégias, objetivos e até o histórico de ambos os fundos e por isso, parece ser atemporal algum tipo de comentário, a despeito de o tema ser extenso e de já haver vasta literatura que verse sobre as naturezas distintas de cada programa.

A última vez que vi esse tema foi no mês passado, quando uma página de finanças resolveu discutir a diferença entre os dois fundos tomando o norueguês como modelo, algo que o próprio governo Lula fez em 2008 quando da criação do fundo do pré-sal. No entanto, uma breve recapitulação de como ambos os fundos se constituíram mostra que a comparação é muito mais ilustrativa do que profícua.

Há de fato uma semelhança que diz respeito ao fundamento originário de ambos, que foi a lei da partilha. Em 1971, a Noruega decidiu entregar as licenças de desenvolvimento de petróleo para a empresa estatal de petróleo, a Statoil (atual Equinor), e assim permaneceu até 1985. Em janeiro daquele ano, optou-se por uma divisão das licenças da Equinor com o Estado norueguês. Foi criado então o State’s Direct Financial Interest (STFI), que passou a receber investimentos e cobertura de custos do governo que auferia os lucros. Por outro lado, a Equinor mantinha as posições do Estado nos campos de petróleo.

Isso, no entanto, não foi suficiente para evitar o contágio da queda dos preços de petróleo no final dos anos 1980 para os indicadores econômicos da Noruega. Vale frisar que, até então, havia uma robusta canalização de recursos do petróleo para projetos de infraestrutura e investimentos do governo da Noruega. Foi a partir de então que houve aperfeiçoamentos dos mecanismos de governança e atribuições.

Com o entendimento claro de que o governo somente deveria usar os rendimentos do petróleo, e não o principal da receita, foi criado, então, em 1990 o Government Petroleum Fund, que mais tarde ganharia a incorporação do termo Global para formar a atual sigla GPFG.  O fundo passou a ser abastecido com as rendas do petróleo de modo a compensar o risco que a economia sofria diante de uma eventual queda de receitas dos barris.

Atualmente, as principais fontes de captação são os impostos sobre as empresas, as taxas de licenças e os dividendos da Equinor. A governança é tripartite, com o Parlamento definindo as diretrizes de investimento, o Ministério das Finanças a estratégia, e o Banco Central Norueguês operando o determinado pelas instâncias anteriores.

Como se pode notar, há diferenças de objetivos em relação ao Fundo Soberano do Pré-Sal, criado em dezembro de 2008 após aporte proveniente do superávit primário de 0,5% do PIB daquele ano e passando a receber recursos da venda de petróleo extraído das águas do pré-sal.

O objetivo do fundo em sua concepção foi canalizar recursos para investimento em saúde, educação, esportes, cultura, ciência e tecnologia, meio ambiente e mudança climática. Trata-se da estrutura social e econômica distinta de ambos os países e, sobretudo, dos diferentes graus de desenvolvimento em que ambas as economias se encontram quando da criação do fundo.

Por mais que nos anos 70 a Noruega não desfrutasse do nível de bem-estar social que possui hoje, nunca foi uma sociedade que enfrentou os problemas socioeconômicos que o Brasil enfrenta, notadamente a profunda desigualdade social e precária distribuição de renda.

Nesse caso, a orientação do fundo foi, além de evitar apreciação cambial que furtasse a competitividade da indústria nacional, aumentando a dependência ao setor de petróleo, canalizar recursos para o desenvolvimento social em um rápido período de tempo. Avaliar se essa estratégia logrou ou não sucesso não está no mesmo escopo de refutar as comparações sobre os objetivos dos fundos frutos de distintos graus de desenvolvimento econômico de dois países diferentes.

Não obstante, podemos estabelecer alguns parâmetros a serem seguidos pelo fundo do pré-sal a partir não da observação exclusiva do caso norueguês, mas de outros fundos soberanos do mundo no que diz respeito a estratégias de investimento.

É de interesse de um fundo soberano proteger a economia local da dependência do setor em que se originam suas receitas. Assim sendo, é útil uma diversificação maior da carteira do fundo, sobretudo com a determinação de investimento de elevada parcela (50 a 60%, na média dos fundos) em ações de empresas estrangeiras de outros setores, seguida de uma parcela de 20 a 30% em ativos de renda fixa também no exterior.

Isso é útil ao evitar correlação entre os preços do petróleo e os preços dos ativos domésticos. Afinal, quanto mais recursos forem investidos dentro do país, mais propenso fica o resultado do fundo a se comportar conforme os ativos domésticos. Esse fato faz com que o fundo deixe de ser um amortecedor de perdas de receita, ou seja, perde sua capacidade de injetar recursos na economia quando as receitas de petróleo decaírem.

Atualmente, há elevada parcela do fundo do pré-sal correlacionada a ativos domésticos, sobretudo ações da Petrobras e títulos de renda fixa do Tesouro.

Observar esse aspecto é promissor e não necessariamente seguir comparações com outros fundos ou mesmo comparar retornos e benchmarks de fundos de economias essencialmente distintas que a brasileira, com o dever de observamos que o patrimônio do fundo da Noruega é de 1,75 trilhão de dólares e, por ser o maior do mundo, provavelmente terá retornos acima da média.

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