Opinião

Cinco mitos da Política Industrial Brasileira no setor de O&G

Nota-se uma confusão terrível entre o escopo da política industrial e a prática regulatória, que neste artigo é resumida em cinco mitos que servem como exemplo.

Por Osmani Pontes

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Essa parece ser a melhor síntese para definir a colcha de retalhos que caracteriza a política industrial brasileira no começo da década de 2021 no setor de petróleo e gás. Nota-se uma confusão terrível entre o escopo da política industrial e a prática regulatória que é resumida neste artigo em cinco mitos que servem como exemplo.

1. A primeira falácia é a de que programas de política industrial focam exclusivamente na geração de valor para setores específicos. O programa "Gás para Empregar" do MME é o melhor case para esse ponto. Em tese, seu objetivo é aumentar a produção ou oferta de gás natural, o que levaria ao aumento de competição no setor e à redução de preços. Sendo que esta é precisamente a definição de regulação: obter preço justo para consumidores e produtores. Não da política industrial, que deve ser justamente de "perturbar" os mercados, promovendo novas acomodações que gerem eficiência produtiva.

  • Outro exemplo é trazido pela Lei 15075/24 que delibera sobre política de conteúdo local. Concebida para ser uma política industrial, na prática gera efeito regulatório e não o original. Ao permitir que operadores usem excedentes de produção de um contrato em outro, acredita-se que haverá aumento da produtividade no setor, já que o governo renuncia de penalizar o descumprimento de conteúdo local.
  • No entanto, como as companhias usarão a permissão apenas para realocar excedentes em suas próprias plantas, o resultado é positivo do ponto de vista regulatório, ao reduzir o desperdício de gastos e otimizar fluxos de produção, mas não gera efeito algum de dinamização das cadeias do setor de petróleo e gás.

2. Essa falácia deriva de uma outra. A segunda, que acredita numa visão liberal rústica, inviável para qualquer tentativa de aumento de concorrência porque a Petrobras, por ser mais um player, vai defender seu mercado. E como é controlada pelo governo, este estaria, portanto impedido de promover boas medidas regulatórias.

  • Como dito, é no conflito de interesse inerente ao papel dúbio do governo de acionista majoritário (visa bons retornos e redução de custos) e representante da União (objetiva redução de preços e aumento da produção) que se compatibiliza objetivos em comum de melhorar a governança do mercado. Ao tentar mediar esse aparente conflito criam-se novas peças que não se comunicam.

3. Por sua vez, a falácia anterior se relaciona com a terceira. Na visão liberal mais estrita, haveria uma contradição entre regulação e liberalização. Não há. Ambas podem e devem ser complementares. Quando um agente público aceita essa premissa falsa, há uma espécie de constrangimento em assumir posturas mais duras de regulação. E, com isso, abre-se espaço para toda sorte de lobbies no Congresso, que passa a exercer o papel de regulador, capturado pelos agentes de mercado.

  • Isso é cada vez mais patente no setor de petróleo e gás onde a produção das independentes aumenta em relação à Petrobras nos campos licitados após 2018, elevando o poder de influência dessas companhias. O Estado deixa de ser o árbitro do setor.

4. A quarta falácia é a ideia de que concorrência e concentração tratam do mesmo fenômeno. Há bastante ausência de comprovação empírica que mostre a identidade dessas situações, ao passo que em muitos setores já é possível mostrar que há ambientes de alta concentração e elevada concorrência em produtos e serviços. Assim, políticas que visem a redução de concentração podem ser inócuas para aumentar a concorrência que é o objetivo do regulador.

  • Um exemplo desta falácia é a crítica que defende projetos de gás release em leilões de gás natural pelos quais os produtores vendem parte do excedente a 50% da concentração de mercado. Geralmente o objetivo das propostas é alcançar uma meta de concentração setorial que leve a participação da Petrobras para cerca de 40% do mercado.

5. A quinta falácia é explícita no debate da reinjeção de gás modificada pelo programa Gás para Empregar do governo. Na verdade, um amálgama de ideias erradas. Ao definir o poder da ANP para determinar aumento ou não de reinjeção já há a confusão do papel de regulador e de policy maker industrial. Além disso, a decisão de mudar o quantum reinvestido não é trivial, pois envolve mudanças nos planos de desenvolvimento das companhias que levam longos períodos de tempo para serem alterados. Isso porque a decisão de reinjeção é técnica e econômica.

  • O percentual de reinjeção é alto no Brasil (cerca de 60% nos últimos 5 anos) porque o gás natural sofre contaminação de CO2 que nem sempre pode ser separado do gás. Os custos elevados levam as empresas a reinjetarem mais que o "mínimo necessário para maximizar a produção".
  • Na tentativa de alterar essa composição, o resultado da política pode ser a redução da oferta (ineficiência de política industrial) e aumento dos preços (ineficiência regulatória).

Ou desenvolve-se um plano matriz de política que oriente o setor, respeitando os marcos regulatórios, ou assume-se de vez que política regulatória no país tem caráter também de política industrial baseada em colcha de retalhos, fragmentada e sem comunicação entre as partes.

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