Opinião

Ajuste natural

A coluna bimestral de Armando Cavanha Filho

Por Redação

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O petróleo é do Estado, da nação. Riquezas naturais são assim em qualquer lugar do mundo civilizado. Se a natureza contemplou um país com riquezas, elas são propriedade deste país, do povo da região. Por outro lado, dominar o ciclo de valor desde a reserva até o produto depende muito mais do desenvolvimento e da qualificação da população do que de soberania ou nacionalismo.

Assim, gestão da riqueza natural da nação é diferente da execução do ciclo produtivo, de quem detém tecnologia. Administrar as riquezas naturais de um país, ou seja, conhecer, delimitar e distribuir a exploração de forma conveniente à nação, que é um papel do Estado, deveria ser executado por poucas e fortes entidades, senão por uma só. 

Não será difícil misturar atribuições de Ministério de Minas e Energia, ANP, Petrobras e a futura PPSA, por mais bem descritas que sejam. Diminuir essa possibilidade, porém, requer esforço contínuo, sobretudo quando se muda de domínio político e são criados modelos novos sem extinguir por completo os modelos antigos, o que traz riscos de dubiedade de visões e retardos nada estratégicos dos movimentos à frente.

No que se refere à execução do ciclo produtivo, ou seja, à operação dos campos de óleo e gás do pré-sal sob o regime de partilha de produção, os projetos estariam reservados a um operador único, a Petrobras, com sócios permitidos. Nos demais campos, os não pré-sal, as operações seriam destinadas aos vencedores das licitações da ANP pelo regime de concessões. O fato de não existirem muitos operadores limita o sistema, deixando-o menos robusto e fazendo com que se evidenciem erros e falhas muito mais que acertos.

O que deveria ser único está múltiplo, e o que poderia ser diversificado está limitado. Gestores deveriam ser em menor número; operadores poderiam ser em maior quantidade.

Para o operador dominante, apesar de sua alta capacidade técnica reconhecida em âmbito mundial, aumenta continuamente a complexidade de gestão para algo tão imenso e diversificado. Sobretudo em um país como o Brasil, sem todas as estruturas produtivas desenvolvidas, o que pode requerer esforços multiplicados no manuseio isolado de tantas operações. Questões legais, de meio ambiente, de demanda e oferta da indústria fornecedora local, de fluxos financeiros, de capacitação de pessoal, de logística – a infraestrutura não é do país, e sim da própria empresa –, todas essas variáveis ficam sob um ângulo reduzido, uma alta exposição para um só agente executor. 

Na atividade de petróleo muitas vezes são utilizados conceitos como redundância de sistemas e contingências envolvendo recursos de diversos operadores. Segurança operacional, alternativas logísticas, reposição de material de emergência, associação em casos de crises permitem reduzir o risco individual em operações. Do ponto de vista dos negócios, atenuam o risco empresarial, requerem provas de racionalidade técnica, aumentam o volume disponível de investimentos.

O posicionamento dos estrangeiros é singular no Brasil. Sócios, na maioria das vezes apenas sócios, portanto, sem risco operacional. Só o risco, que não é tão alto por aqui, do próprio negócio. Quase bancos? 

Toda empresa de óleo e gás tem interesse em ser operadora. Faz parte de sua formação, capacitação, de seu desenvolvimento tecnológico, do conhecimento das bacias sedimentares e potenciais, e, obviamente, dos ganhos nos negócios. Muitas oportunidades ocorrem em grande parte quando uma empresa é operadora, pois isso intensifica seu contato e seu conhecimento das atividades de mercado, regulatórias, as informações originais sobre geologia, geofísica, engenharia de reservatórios, desenvolvimento da produção, permitindo-lhe aplicar técnicas de gestão e tecnologias específicas. Além de incentivar as trocas de ativos internacionais.

O mercado de óleo e gás no Brasil vem se transformando naturalmente, e o imenso desafio vai sendo distribuído com outros operadores, não haverá outra maneira. A próxima rodada de licitações deve diversificar ainda mais os blocos, entre empresas brasileiras e estrangeiras de portes variados. Os controles devem ficar com o Estado, com uma gestão aumentada para controlar, sem riscos, a maior quantidade de operadores. Esse aumento do número de operadores provavelmente proporcionaria um crescimento da capilaridade das operações regionais, de menor porte, por capital nacional próprio ou associado empreendedor. 

A tendência é o aumento da quantidade de operadores de forma espontânea, com o país experimentando um novo ciclo de gestão das riquezas do petróleo. Um ajuste natural do sistema, que será interessante observar.


A coluna de Armando Cavanha Filho é publicada a cada dois meses

E-mail: cavanha@yahoo.com

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