Opinião

Avanços e tropeços no caminho da expansão da energia fotovoltaica no Brasil

Por Redação

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O ano de 2016 é marcado pela entrada oficial da fonte solar fotovoltaica (FV) nas estatísticas do Setor Elétrico Brasileiro (SEB), com 0,01% de participação da matriz elétrica do país (BEN, 2016). Pela primeira vez, o Brasil acolheu importante evento do setor de energia solar no mundo. Realizado no final de agosto, o Intersolar South America mostrou que o interesse pela fonte no país é crescente. Representantes do poder público e atores de toda a cadeia comemoraram a sinalização do governo de apoiar o crescimento da fonte.

Inicialmente, sua difusão se deu através das modalidades de micro e minigeração. Agora, graças ao apoio público, ela será transacionada sobretudo através de Leilões de Energia de Reserva. Espera-se que sejam realizados ao menos dois leilões, para a contratação de 1 GW cada, por ano, considerados necessários para a estruturação da cadeia produtiva.

Já foram realizados três leilões federais, um em 2014 e dois em 2015, e deverá haver um quarto em dezembro deste ano. Entretanto, a expansão pode ser menos importante do que se anuncia. Levantamento feito pela BNEF mostra que diversos empreendimentos se encontram em situação de risco. A situação financeira dos investidores é um dos pontos críticos.

Além disso, o SEB teve recentemente importantes mudanças regulatórias. A Portaria MME 444 estabelece novas diretrizes para os próximos leilões. De acordo com release do MME, “o objetivo das novas diretrizes é: coordenar a contratac?ão de gerac?ão com a conexão a instalac?ões de transmissão existentes e com entrada em operac?ão comercial no horizonte de ini?cio de suprimento do leila?o; mitigar riscos referentes ao atraso de entrada em operac?ão de instalac?ões de transmissão; e dotar de maior transparência o processo para definição da Capacidade Remanescente, definindo prazos e os principais responsáveis em cada etapa”.

Um grave problema, no entanto, é a falta de previsibilidade com a qual os investidores terão de lidar. Os Dados Quantitativos da Capacidade Remanescente do Sistema Interligado Nacional (SIN) para Escoamento de Geração somente serão conhecidos “no prazo de até 75 dias antes da data de realização do Leilão”.

Previamente, já havia sido determinado que a habilitação técnica dos empreendimentos que desejam participar do certame depende da comprovação da capacidade de escoamento da sua potência associada ao SIN (Portaria MME 104), entre outras considerações sobre remuneração fora do previsto. Aqui cabe lembrar que o setor de transmissão passa por profunda crise e teve inclusive seu último leilão adiado por falta de investidores interessados.

Assim, mesmo sendo contemplada com leilões dedicados, a difusão da fonte solar FV ainda encontra importantes barreiras, pois é atrelada à expansão da capacidade de transmissão e não define como será a remuneração “do custo do fio”. Nesse sentido, um passo foi dado ao ser autorizada a implantação da tarifa binômia, até então somente permitida a grandes consumidores, para consumidores de baixa tensão. Entretanto, a não obrigatoriedade de sua adoção não nos permite estimar seus reais impactos.

Podemos, portanto, nos questionar se o incentivo à expansão da fonte solar FV no Brasil realmente deve se dar por meio das fazendas solares que demandam novas subestações e conexões de transmissão.

Através da micro e da minigeração, é gerada eletricidade onde ela é consumida e já em baixa potência. Evitam-se ainda questões fundiárias, impactos ambientais e licenciamentos, que também são fontes de atraso e de custos adicionais aos empreendimentos. No entanto, as novas linhas de crédito para financiamento de projetos de energias renováveis oferecidas por bancos públicos e através de fundos constitucionais continuam a contemplar grandes empreendedores e consumidores rurais. Praticamente não existe financiamento atrativo para pessoas físicas e não há linhas para locador.

Além disso, a revisão da Resolução 482, que regula a micro e a minigeração, não foi acompanhada por mudanças na tributação. A isenção do ICMS sobre a diferença entre a energia ativa consumida e a injetada se aplica somente à GD na mesma unidade consumidora ou ao autoconsumo remoto limitado a 1 MW, quando o teto para a classificação como micro e minigeração foi elevado para 5 MW e foi autorizada a criação de modalidades de compartilhamento de propriedade dos sistemas FV. A isenção não se aplica ao custo de disponibilidade, à energia reativa, nem à demanda de potência. Essa falta de alinhamento dos incentivos é mais um dos problemas de coordenação institucional e organizacional do setor. Atualmente, a oportunidade de expansão sustentável se encontra na difusão do modelo de negócios das ESCOs, através de contratos de performance.

Assim, existem muitos entraves a serem superados para que a difusão da fonte solar FV ocorra de maneira sustentável. Neste momento de rediscussão do modelo do SEB, são fundamentais a questão da integração da GD à luz dos problemas do setor de transmissão, dar previsibilidade a como será a remuneração “do fio”, e apoiar a micro e minigeração distribuídas.

Clarice Ferraz  é Doutora em Ciências Econômicas e Sociais pela Universidade de Genebra, Suíça; Professora da Escola de Química da UFRJ e Pesquisadora Associada do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da UFRJ

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