Opinião

Belo Monte: a lição e a comemoração

A coluna bimestral de Jerson Kelman

Por Redação

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Comecemos pela comemoração. “Hip-hurra” para o governo, para a Justiça e para todos os que contribuíram para viabilizar o leilão de concessão do uso do potencial hidráulico de Belo Monte. Foi uma vitória contra as forças não podistas, que combatem qualquer alteração na natureza feita pelo homem. Seus militantes valorizam a forma simples como vivem as populações ribeirinhas e detestam as transformações sociais, mesmo as que resultem na melhoria da qualidade de vida das comunidades humildes. Adoram os rios e lagos e detestam os espelhos de água formados por hidrelétricas.

Não porque se possa perceber alguma diferença, depois de alguns anos, entre a paisagem feita pela mãe Natureza e a feita pela mão do homem. E sim por conta do “pecado original”, associado à soberba humana de pretender fazer algo diferente do que é “natural”. São pessoas que em geral se surpreendem quando descobrem que a Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, e o Central Park, em Nova Iorque, são “artificiais”.

Passemos à lição. O “time ambientalista” que batalhou contra Belo Monte falhou na tentativa de matar o projeto, mas conseguiu aleijá-lo. Por conta da pressão, o projeto foi modificado em dois pontos fundamentais, já sacramentados pelo CNPE (portanto, assunto encerrado): Belo Monte será a única usina da bacia do rio Xingu e não haverá reservatório de regularização.

Considerando a altíssima sazonalidade desse rio, foram alterações atentatórias à boa técnica hidrológica: nos rios do Sudeste, onde, no passado, foram construídos reservatórios de regularização, a razão entre vazão média na época de cheia e na estiagem é tipicamente igual a 3,5. Já no Xingu, essa razão é igual a 25! Ou seja, se no Sudeste foram construídos reservatórios, com maior motivo eles seriam necessários no Xingu.

Como se sabe, o mais importante numa hidrelétrica integrada ao SIN não é a potência instalada, e sim sua energia firme. E se menos água passa pelas turbinas durante as estiagens, tanto pela ausência de reservatórios quanto pela restrição socioambiental de manter um fluxo mínimo no trecho de rio onde cerca de cem índios vivem, o razoável teria sido também diminuir a potência instalada com o propósito de reduzir o custo dos equipamentos eletromecânicos, da escavação e dos reforços da rede básica. No entanto a potência da usina permaneceu inalterada. Difícil de entender. Talvez tenha sido uma tentativa de manter Belo Monte como a terceira maior UHE do mundo, em termos de potência instalada. Tema para possíveis interpretações freudianas.

Resultado: Belo Monte ficou menos atraente do que poderia ter sido. Mas o governo permaneceu firme no louvável propósito de conseguir um preço para a energia análogo ao que havia sido alcançado nas usinas do rio Madeira. Só que o pêndulo foi longe demais. Resultado: criou-se um ambiente pouco transparente e favorável ao empreendedorismo do tipo que gosta de andar amparado nas muletas do Estado.

É um retrocesso. No modelo vigente do setor elétrico, com leilões que eliminam o risco comercial, resta apenas o risco de construção. O natural seria que as empreiteiras se transformassem em geradoras de eletricidade. Ou seja, passassem a ser elas mesmas os empreendedores de novas usinas. Era o que estava acontecendo, para benefício do consumidor, até o leilão de Belo Monte.

O que acontecerá se o custo da usina disparar? Será possível proteger o contribuinte, que é o principal acionista do grupo Eletrobras e provedor de recursos para o BNDES? Ou haverá um retorno a uma época em que se fazia controle de processo (por exemplo, volume escavado) e não de resultado (reais por megawatt-hora produzido)?

A lição é que a luta contra os não podistas deve ser travada num plano mais abrangente, fazendo com que as reais forças políticas do país participem do debate, hoje sob controle de algumas ONGs. Quais as fontes energéticas e em que quantidade pretendemos utilizá-las para produzir eletricidade? As quedas de água, o combustível nuclear, a biomassa, o gás natural, o vento, o óleo ou diretamente a energia solar? Quais são as consequências de cada uma dessas escolhas em termos de tarifas, qualidade do serviço, criação de empregos e eliminação da pobreza?

São perguntas de cunho não apenas técnico, mas também político. Um caminho para respondê-las – reconheço, de alto risco – seria conduzir a discussão em torno de um projeto de lei formulado a cada ano, contendo o plano de expansão da geração, de forma análoga ao que se faz com o Orçamento.

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