Opinião

Biocombustíveis e inovação: a importância de uma agenda brasileira em bioeconomia

Por Redação

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O futuro dos biocombustíveis depende da capacidade de inovação do setor. Questões como políticas de preços, mandatos de uso, sustentabilidade das matérias-primas, processos e produtos desafiam o futuro das indústrias baseadas em biomassa. Sob diversas formas, estão presentes tanto no Brasil quanto nas principais regiões e países produtores e consumidores de biocombustíveis, como nos EUA e na Europa. Mesmo que em alguns momentos os aspectos locais pareçam mais importantes, como no caso das políticas de preço de combustíveis, as questões de fundo que têm impactado o setor se colocam no nível mundial e tendem a ser cruciais para moldar a indústria do futuro. Como as políticas públicas têm respondido a essas questões? Em que medida as estratégias dos setores envolvidos com os biocombustíveis têm incorporado os desafios do futuro? As respostas que podem ser observadas se estruturam em torno das estratégias de inovação e de transformação da indústria.

No caso brasileiro, as dificuldades atuais da indústria de etanol têm sido amplamente noticiadas. Fechamentos de usinas são anunciados com frequência. As empresas declaram prejuízos e questionam os efeitos da contenção dos preços da gasolina sobre a rentabilidade do etanol. Ao mesmo tempo, discute-se se a indústria perdeu competitividade nos últimos anos com aumentos de custo e quedas de produtividade, principalmente na parte agrícola. Muitos estudos e debates têm buscado explicações e propostas de soluções.

Por certo, uma política transparente e estável de preços de combustíveis é indispensável para o planejamento do setor. Não há como contestar essa reivindicação. Mas se isso é importante, não é tudo. Da mesma forma, aumentar o teor de biodiesel na mistura pode fazer sentido para atender a capacidade de produção da indústria mas não é suficiente como estratégia para construir a competitividade do setor. Para sair das crises e encontrar uma trajetória sustentada de crescimento, a indústria brasileira de biocombustíveis precisa identificar as oportunidades existentes e encontrar as estratégias de inovação para explorar essas oportunidades. O futuro do setor está na busca de inovações que o coloquem de forma competitiva na linha evolutiva da indústria baseada em biomassa, na chamada bioeconomia.

Diversas definições de bioeconomia têm sido apresentadas. Termos próximos ou complementares como economia verde, economia circular ou economia baseada em biomassa (biobased economy) são também usados. De modo geral, a bioeconomia representa um conjunto de setores que envolvem o uso dos recursos biológicos, vegetais e animais, de forma integrada e fortemente relacionada às atividades de produção e consumo de energia, produtos químicos e materiais, mas também alimentos, tanto para uso humano quanto animal. A bioeconomia tem, portanto, uma amplitude econômica, social e ambiental bem mais larga do que a produção de biocombustíveis, bioprodutos e materiais derivados da biomassa. O setor que envolve a utilização de biomassa para a produção de biocombustíveis, bioenergia, produtos químicos e materiais é uma indústria emergente, em construção, e articulada de forma integrada dentro da bioeconomia.

Os países e principais regiões do mundo pensam e se organizam crescentemente em termos de bioeconomia e não, como teria sido na primeira década do século, em termos de produção isolada de biocombustíveis ou outras formas de bioenergia e materiais. Diversos relatórios e documentos recentes podem ser citados como fontes que identificam e discutem as políticas e estratégias do setor dentro de uma perspectiva não mais restrita aos biocombustíveis, aos bioprodutos, ou a algum segmento da bioenergia, mas integrada na bioeconomia.

A articulação em torno da construção da bioeconomia vem se consolidando em muitos países. Entre os países desenvolvidos, além das iniciativas da União Europeia e da OCDE, muitos têm explicitado planos e políticas nacionais voltadas para a bioeconomia, como é o caso de EUA, Alemanha, Suécia, Canadá, Finlândia e Austrália. A França está concluindo a elaboração de uma estratégia nacional. As estratégias nacionais variam bastante em relação às áreas prioritárias e ao tipo de abordagem da bioeconomia, visto que sua elaboração parte de diferentes stakeholders. No entanto, todos os documentos têm como ênfase principal melhorar a economia do país através da geração de empregos e possibilidades de novos negócios.

Também economias emergentes e com vantagens comparativas na nova indústria têm se articulado e buscado uma estruturação de suas agendas de inovação em torno da bioeconomia. É o caso, por exemplo, da Malásia e da África do Sul, que procuram estruturar seus projetos com base em estratégias nacionais para o desenvolvimento da bioeconomia.

Qual o tamanho e importância da bioeconomia para as economias dos países e regiões? O relatório An Economic Impact Analysis of the U.S. Biobased Products Industry − A Report to the Congress of the United States of America calculou que a contribuição total da indústria biobased para a economia dos EUA, em 2013, atingiu US$ 369 bilhões (em valor adicionado), gerando quatro milhões de empregos, dos quais 1,5 milhão de empregos diretos. Na Europa, estimativas feitas pelo estudo European Bioeconomy in Figures avaliam que, em 2013, o setor teria um faturamento, considerando os 28 países da União Europeia, de € 2,1 trilhões. Os números não são diretamente comparáveis porque os setores considerados e os critérios de medida são diferentes. Não existem estimativas semelhantes para o Brasil. A importância das atividades agroindustriais no Brasil e a expressiva capacidade de produção de biocombustíveis sugerem que a bioeconomia já representa uma parte expressiva da economia brasileira.

Entretanto, o ponto mais importante é o potencial que essas atividades representam em termos de capacidade tecnológica e de inovação para o país. Essa visão ainda não está articulada nos diversos órgãos de governo, nem é explicitada nas manifestações das empresas e associações ligadas aos setores da bioeconomia. Existem iniciativas isoladas que incorporam em algum grau uma visão, quase sempre parcial, de bioeconomia, como por exemplo os programas PAISS e PADIQ lançados por BNDES e Finep; os estudos da ABDI, os Fóruns da CNI. Numa visão de bioeconomia será indispensável articular novos conhecimentos, novas tecnologias e produtos e principalmente novas concepções de estruturação da produção. Aspectos como os da economia circular, que busca a redução ou eliminação dos resíduos na organização das cadeias produtivas, serão valorizados como elementos tanto de desenvolvimento da produção industrial baseada em biomassa quanto da inserção dessa atividade na economia do século 21.

Uma visão brasileira de bioeconomia, capaz de estabelecer uma estratégia de inserção nacional nesse processo de desenvolvimento, exigiria muito mais do que alguns programas isolados. Seria crítica uma capacidade de coordenação que articulasse e alinhasse esforços entre diversos organismos e ministérios, incluindo as áreas de energia, indústria, agricultura, meio ambiente e ciência e tecnologia. Na ausência dessa coordenação, os projetos de uma posição brasileira destacada no desenvolvimento da bioeconomia no mundo têm poucas chances de se concretizarem.

Este artigo é, assim, uma chamada de atenção para a importância de se criar uma agenda brasileira em bioeconomia que incorpore e supere as lógicas da indústria de biocombustíveis que, importante reconhecer, o país soube desenvolver nas décadas passadas. Se a primeira década do século 21 foi dos biocombustíveis, esta e as próximas décadas parecem ser da bioeconomia.

José Vitor Bomtempo é professor e pesquisador associado do GEE/UFRJ, professor do Programa de Pós-Graduação da Escola de Química da UFRJ e doutor em Economia Industrial pela École Nationale Supérieure des Mines de Paris

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