Opinião

Caducidade, intervenção e expropriação

No futuro, talvez se possa adotar uma solução intermediária entre a caducidade e a intervenção

Por Redação

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Em junho de 2007, a Aneel propôs ao MME a caducidade da concessão do serviço de distribuição de energia elétrica da CEA (Amapá). Se a proposta fosse aceita, seria escolhida uma nova concessionária, por licitação. Venceria quem tivesse capacidade técnica, pagasse uma quantia prefixada para indenizar o antigo concessionário pelo ativo não depreciado e ofertasse a menor tarifa. A antiga concessionária provavelmente iria à falência. Alguns de seus funcionários ficariam desempregados. Outros – provavelmente os melhores – seriam aproveitados pela nova concessionária, que iniciaria a prestação do serviço livre de passivos, inclusive trabalhistas. Como se vê, um tratamento de choque. Que se revelou, porém, politicamente inviável.

Como a caducidade não é uma alternativa viável, a Aneel, em duas ocasiões, recorreu à intervenção administrativa para preservar a saúde de concessões. A primeira vez foi na Cemar (Maranhão), em 2002. A segunda, nas oito distribuidoras do Grupo Rede (Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e cinco pequenas distribuidoras de São Paulo), no final de agosto de 2012, que só terminou recentemente, em abril, com a compra do Grupo Rede (em recuperação judicial) pelo Grupo Energisa.

A Aneel nomeou quatro veteranos do setor elétrico para dirigir as concessionárias do Grupo Rede, mantendo-as operacionais: o ex-interventor na Cemar e três ex-diretores da própria agência. Nós – os interventores – assumimos a missão com plenos poderes. A mim, coube zelar pela Enersul (Mato Grosso do Sul), e tive a possibilidade de escolher livremente os diretores, sem quaisquer pressões ou indicações. Usei essa prerrogativa para recrutar profissionais excepcionais, que maximizaram a capacidade criativa e a produtividade da competente equipe técnica que já existia na Enersul. Parecerei imodesto, mas o fato é que os resultados foram significativos: todos os índices operacionais, sem exceção, melhoraram (DEC, FEC, inadimplência e perdas). As perdas não técnicas, por exemplo, caíram de aproximadamente 18% para 8% (métrica Aneel). Dez pontos percentuais em apenas um ano e meio... não é pouca coisa!

E isso sem acesso a equity ou a crédito. Como a intervenção é um ato administrativo feito à revelia dos acionistas, não se pode esperar que eles, os acionistas, façam novas capitalizações durante o regime excepcional. Também não se pode esperar sucesso no acesso a novos empréstimos, numa situação de instabilidade empresarial. Ao início da intervenção sabíamos disso, mas achávamos que o Tesouro poderia socorrer as empresas sob intervenção, caso necessário, conforme previsto na legislação específica. Todavia, a despeito dos esforços da Aneel e do MME, o Tesouro e os agentes financeiros oficiais não conseguiram destrancar os seus cofres.

Só pudemos contar com a ajuda regulatória da Aneel, que suspendeu a exigibilidade dos encargos setoriais durante a intervenção, e com o bom senso dos credores. Esses se abstiveram de exercer uma cláusula contratual que lhes facultava a liquidação antecipada do empréstimo, na hipótese de recuperação judicial do grupo. Um dos bancos colaborou mais ainda, adiando três pagamentos de empréstimo concedido à Enersul. Em sentido oposto, um pequeno banco nos ofereceu um empréstimo à taxa 2,5% ao mês. Isso mesmo, ao mês! Mandamo-lo passear.

Uma das primeiras tarefas dos interventores foi desatar o nó da gestão compartilhada, realizada com pouca transparência e sinergia. Aprendi no processo que a centralização corporativa, concebida para propiciar ganhos de escala e de escopo, deve ser feita com extrema cautela e controle administrativo. Caso contrário, o tiro sai pela culatra.

No futuro, talvez se possa adotar uma solução intermediária entre a caducidade e a intervenção. A ideia é expropriar e subsequentemente vender em leilão as ações do controlador de concessionária que se revele claudicante na prestação do serviço. Por essa rota, possivelmente será mais fácil encontrar um novo controlador, capaz tanto de pagar ao antigo controlador pelas ações expropriadas quanto de prestar o serviço com boa qualidade e continuidade.

A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses
E-mail: jerson@kelman.com.br

Outros Artigos