Opinião
Complexidade Tributária
A coluna bimestral de Jerson Kelman
Muito se comenta sobre nossa complexa legislação tributária, que obriga as empresas a manter um expressivo contingente de pessoal para assegurar o cumprimento de intrincadas normas. O problema não é apenas das empresas. É também do Fisco, que desperdiça esforços com muitas autuações de supostas infrações que, numa análise mais acurada, revelam-se inconsistentes.
No caso das empresas do setor elétrico, poderia haver ganho de eficiência se a Aneel fosse chamada a dar apoio às regulamentações do Fisco em questões que envolvem alguns conceitos e especificidades técnicas. É o caso, por exemplo, de algumas discussões que cercam a cobrança de ICMS. A principal especificidade, nesse caso, é que “energia elétrica” não é uma “mercadoria” que pode ser armazenada e cuja trajetória física – da produção ao consumo – pode ser seguida, passo a passo. Se acender uma lâmpada significasse “consumir um conjunto de elétrons”, seria possível dizer que esse conjunto conteria elétrons produzidos, naquele exato instante, por todas as usinas que estivessem conectadas ao Sistema Interligado Nacional e despachadas em qualquer parte do país. Mas seria impossível determinar qual o percentual de elétrons proveniente de cada usina.
O ICMS é o principal tributo embutido na “conta de luz”. No caso da Light, representa em torno de 25% do faturamento bruto. É um montante superior à parcela que fica com a companhia para cobrir todos os custos, operar e manter as redes, atender 4 milhões de clientes e remunerar os investimentos.
A concessionária tem a obrigação de pagar o ICMS mesmo quando o consumidor não paga a conta. O que não deveria ser um problema, visto que, em tese, seria possível punir o inadimplente cortando-lhe o fornecimento. Mas, em algumas áreas onde a autoridade pública não consegue estar permanentemente presente, a teoria, na prática, é outra. Nesses casos o fornecimento só pode ser cortado colocando em risco a integridade física dos eletricistas. Não parece justo. Afinal, não é culpa das concessionárias que existam “áreas de risco”. Mas assim é. E felizmente no Rio de Janeiro essa situação está mudando para melhor, graças à progressiva implantação das UPPs.
Muito pior é a pretensão de cobrar ICMS sobre energia furtada, o chamado “gato”. Trata-se, de uma tese extravagante que se baseia na suposição de que a distribuidora deveria ser responsável pelo pagamento desse imposto associado às operações que antecedem o furto de energia. Isso porque essas cobranças teriam sido diferidas da fase de geração e de transmissão para a etapa final.
Trata-se de uma linha de raciocínio perigosíssima para a saúde financeira das distribuidoras e, portanto, para todo o setor elétrico. O argumento é conceitualmente equivocado porque não há, no caso, que se falar de diferimento. A Constituição (Art. 34, §9º do ADCT) estabelece que “... as empresas distribuidoras de energia elétrica... serão as responsáveis, por ocasião da saída do produto de seus estabelecimentos... pelo pagamento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias incidente sobre energia elétrica, desde a produção ou importação até a última operação...
Como a rede elétrica faz parte do acervo da distribuidora, o fluxo elétrico só sai de seu estabelecimento quando ingressa no imóvel do consumidor. Se a energia elétrica for furtada de dentro do estabelecimento da distribuidora, isto é, da rede, não ocorre uma movimentação mercantil ou negócio jurídico” passível de recolhimento de ICMS.
Se uma loja não emite nota fiscal ao vender um par de sapatos, comete evasão fiscal. No entanto, se o produto for furtado da prateleira, não há como emitir nota fiscal para o inexistente comprador. Como é óbvio, não há, nesse caso, evasão fiscal. Há, sim, a exigência de fazer o estorno do crédito do ICMS quando da entrada dos sapatos na loja. No caso da distribuidora, porém, não existe crédito para ser estornado, por força de uma disposição constitucional.
A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses