Opinião

A cor do gato é vermelha

Por Redação

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“Não importa a cor do gato, desde que ele cace ratos”.  A frase de Deng Xiaoping de 1976 resume o pragmatismo que moldou a China como a potência econômica influente no Século XXI. Esse pragmatismo e uma firme estratégia de longo prazo contém implicações geopolíticas. A China e suas empresas “capitalistas de Estado” estão no rol dos principais agentes de investimento direto estrangeiro. Segundo o World Investiment Report (2015), China mais Hong Kong realizaram investimentos diretos no exterior de US$ 258 bi, em 2014, atrás dos EUA (US$ 337 bi) e muito próximo da União Europeia (US$ 280 bi).

A aquisição do controle de empresas do setor elétrico brasileiro materializou, no plano da consciência coletiva, os expressivos interesses chineses em geração e transmissão (Exame, 17/08/2016).

A cobertura jornalística tem destacado dois aspectos. O positivo é a entrada de novos capitais externos através de grupos capitalizados e com acesso a financiamento a custo baixo, a ponto de dispensar o BNDES, mesmo que ressuscite fantasmas da desnacionalização, que não é o melhor ângulo para se analisar a nova realidade.

O controverso é a alimentação de especulações, nem todas racionais, como a onda de valorização das ações das empresas elétricas, pois os problemas estruturais pelos quais o setor vem atravessando desde 2012 estão longe da equação. A expectativa de aquisição por capitais externos pode dar liquidez a quem queira sair dessa posição nas suas carteiras, mas não resolverá os problemas estruturais setoriais.
Retirando de cena a xenofobia ao capital externo (um exotismo anacrônico em um mundo de capitais globalizados), a mídia não discute as consequências complexas por trás de um aparente jogo de palavras, com graves impactos sobre as políticas públicas e o futuro do mercado de capitais e da governança corporativa no Brasil.

O jogo de palavras é o paradoxo entre consolidação e concentração de negócios e/ou empresas. Analistas do mercado veem consolidação como algo positivo: ganho de escala, sinergias e redução de custos. De fato, parte das premissas é verdadeira, mas compromete o silogismo, induzindo a uma conclusão equivocada.

O que está em jogo é concentração de poder econômico: poucos e influentes atores agirão em áreas em que a presença do Estado-Nacional como regulador é fundamental, pois monopólios e/ou oligopólios obrigam a uma eficiente regulação e fiscalização.

Quanto mais concentrado for o mercado, mais limitada será a eficiência do regulador e de políticas públicas indutoras de modernização e de qualidade nos serviços prestados, além de intensificar a assimetria de informações. Esta foi uma das razões para a reforma de setores como energia elétrica e telecomunicações anos 1990, desverticalizando monopólios de rede e emulando um ambiente de competição pela regulação por incentivo.
Em Fórum de Debates no IBGC, Ary Osvaldo Mattos Filho apresentou os resultados de uma pesquisa realizada pela FGV-Law, da qual extraio dois pontos: a opção preferencial por altos valores mínimos de OPAs por distribuidores e aplicadores (especialmente fundos) impede que empresas médias e médias-grandes se financiem pelo mercado de capitais; grandes tendem a migrar para ADRs em praças mais líquidas. Com isso, o mercado brasileiro mostra-se estagnado e grandes grupos econômicos, operando no estrangeiro, tendem a fechar o capital de operações locais buscando recursos e crédito nas praças globais.

Essa inércia é uma péssima notícia para qualquer modelo de financiamento autossustentável. Implicitamente significa que os investidores locais continuarão vítimas da “síndrome de Estocolmo” da captação de recursos via crédito de curto prazo e caro e de aplicações financeiras de curto prazo com remuneração próxima à inflação ou menor.

No mínimo, há uma falha de mercado grave que requer políticas públicas adequadas para sua superação. Estarão nossos policy makers conscientes desse fato da vida?

Eduardo José Bernini, é mestre em políticas públicas pela FGV-SP e MBA em Governança Corporativa

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