Opinião

Desperdício de energia renovável: ineficiência controlável

Da mesma forma que não se constrói rodovias adicionais apenas para acomodar o tráfego de um feriado prolongado, não faz sentido econômico construir uma rede de transmissão só para uso em momentos de pico

Por Roberta Aronne

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A questão do desperdício de energia renovável, ou "curtailment", como é conhecido internacionalmente, tem sido um tema de debate crescente no Brasil e no mundo. A experiência da Austrália, onde a quantidade de energia solar e eólica não convertida em eletricidade tem aumentado, serve como um alerta para os desafios que o Brasil pode enfrentar à medida que expande sua capacidade de energia renovável.

No Brasil, país com vasto potencial para a geração de energia renovável, principalmente solar e eólica, o fenômeno do curtailment também é uma realidade. De acordo com dados recentes, desperdiçamos cerca de 5% da energia eólica gerada em 2022 devido às limitações na infraestrutura de transmissão e questões regulatórias. Isso representa uma quantidade significativa de energia, que poderia estar contribuindo para o abastecimento de milhares de residências brasileiras.

O curtailment por aqui, assim como na Austrália, pode ser dividido em duas categorias principais: redução por limitações na rede de transmissão e redução econômica. A infraestrutura de transmissão no Brasil ainda é insuficiente para lidar com o crescimento acelerado da geração de energia renovável. Muitas vezes, há congestionamento nas linhas de transmissão, especialmente em regiões onde a geração eólica e solar é mais intensa, como no Nordeste. A redução econômica acontece quando a produção de energia renovável é reduzida devido a preços de mercado baixos. Isso ocorre porque, em alguns momentos, a oferta de energia supera a demanda, levando a uma queda nos preços que não compensa o custo de produção.

A prática, à primeira vista, pode parecer um grande desperdício, especialmente num momento em que a necessidade de reduzir as emissões de carbono é urgente. No entanto, especialistas argumentam que um certo nível de redução é esperado e pode até ser economicamente eficiente. Tentar utilizar cada watt de energia gerada exigiria investimentos enormes em armazenamento e transmissão, tornando o sistema energético inviável economicamente.

No Brasil, estudos indicam que construir capacidade adicional de geração renovável e aceitar alguma redução pode ser mais vantajoso do que superdimensionar a infraestrutura de transmissão. Isso é comparável à construção de estradas: não se constrói rodovias adicionais apenas para acomodar o tráfego de um feriado prolongado. Da mesma forma, não faz sentido econômico construir uma rede de transmissão que só será totalmente utilizada em momentos de pico.

O exemplo da Austrália mostra que, em sistemas de energia altamente renováveis, a redução de energia pode chegar a 20% até 2050, segundo o Integrated System Plan do operador do mercado de energia australiano. Por aqui, as projeções ainda são tímidas, mas a tendência aponta para um aumento da capacidade instalada de energias renováveis, o que provavelmente levará a um aumento no curtailment se não houver investimentos adequados em infraestrutura.

Para minimizar os efeitos do curtailment no país, algumas medidas podem ser adotadas. Investir em infraestrutura é crucial, melhorando a capacidade de transmissão e distribuição de energia. Projetos como o Rodoanel da Transmissão, que pretende interligar as regiões de maior geração de energia renovável às áreas de consumo, são passos na direção certa. Além disso, é necessária uma reforma regulatória, revisando as regras de acesso à capacidade de transmissão para facilitar a integração de novos projetos de energia renovável e evitar o congestionamento da rede.

Outro ponto importante é o incentivo ao armazenamento de energia. Promover tecnologias de armazenamento, como baterias e hidrogênio verde, pode ajudar a equilibrar a oferta e demanda, reduzindo a necessidade de curtailment. Por fim, é essencial o gerenciamento da demanda, incentivando consumidores a utilizar mais energia durante os períodos de maior geração renovável, como o meio do dia, para ajudar a equilibrar o sistema.

A complexidade do curtailment nos lembra que, na busca por um futuro energético sustentável, devemos equilibrar a eficiência econômica com a necessidade ambiental, investindo em soluções que permitam aproveitar ao máximo o potencial das energias renováveis sem incorrer em custos desnecessários.

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