Opinião

As distribuidoras na montanha russa

A coluna bimestral de Jerson Kelman

Por Redação

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Nos contratos por disponibilidade, o consumidor assume o risco de uma hidrologia desfavorável, que induza o acionamento das termelétricas. Quando elas são ligadas, é o consumidor que paga o custo do combustível. Já nos contratos por quantidade, das hidrelétricas, são os geradores que, individual ou coletivamente (através do MRE), assumem o risco de comprar no spot a diferença entre a energia vendida e a produzida, quando esta for menor do que a vendida, por força de situação hidrológica desfavorável.

Se o custo do combustível das termelétricas fosse de responsabilidade das próprias usinas, o fluxo de caixa seria absurdamente volátil, o que as obrigaria a contratar proteções financeiras caras, tipo seguro, que seriam embutidas nos preços livremente negociados. No final das contas, seria o próprio consumidor que arcaria com o custo.

O risco hidrológico não se resume à possibilidade de despacho das termelétricas por uma razão econômica (PLD maior do que CVU). As térmicas também podem ser despachadas por segurança de abastecimento. Nesse caso, o custo do despacho é repartido entre todos os consumidores, via Encargo de Serviço do Sistema (ESS).

Quando o conceito de contrato de disponibilidade foi adotado, discutia-se a razoabilidade de alocar o risco aos consumidores, e não aos geradores. O impacto sobre as distribuidoras não era considerado, porque se supunha que a Aneel se encarregaria de neutralizá-lo regulatoriamente. De fato, o cálculo tarifário embute uma expectativa da despesa com combustível no cálculo da tarifa de cada distribuidora, e ao fim do período a diferença entre o previsto e o observado constitui parte da CVA, que é paga ou recebida pelo consumidor no período regulatório seguinte. Há pouco mais de um ano, em janeiro de 2012, expliquei nesta coluna que a norma contábil da época da adoção dos contratos por disponibilidade permitia que se incluísse no Ebitda a “provisão regulatória”, correspondente ao CVA, que poderia ser positiva ou negativa. Ou seja, assim como as geradoras, também as distribuidoras eram razoavelmente protegidas contra o risco hidrológico, que deveria ser arcado exclusivamente pelo consumidor.

Todavia, a situação das distribuidoras piorou significativamente devido à adoção de nova norma contábil (IFRS) que impede a inclusão da CVA nos demonstrativos de resultado. Isso resulta no aumento de volatilidade do Ebitda e eventual violação dos covenants.
A situação fica particularmente difícil quando as térmicas são despachadas a plena capacidade, como atualmente. Nessa circunstância ocorre simultaneamente pesada obrigação financeira e, dependendo dos covenants, encarecimento ou mesmo desaparecimento do crédito. A situação é ainda mais difícil para distribuidoras sob intervenção da Aneel, que não têm como mobilizar recursos dos acionistas. No limite, elas podem se tornar inadimplentes, por falta de caixa.

Segundo a Abradee, o ESS de dezembro de 2012 foi cerca de dez vezes o valor da previsão tarifária mensal do conjunto de distribuidoras. O quadro foi agravado porque o volume das cotas de energia, decorrente da renovação antecipada de contratos de concessão de geração, não foi suficiente para atender às necessidades das distribuidoras, criando uma exposição involuntária ao PLD superior a 2.000 MW médios. Para agravar ainda mais, o risco hidrológico das hidrelétricas que tiveram os contratos de concessão renovados é agora alocado aos consumidores. Ainda segundo a Abradee, a despesa incremental mensal resultante desses três fatores – despacho térmico adicional, exposição contratual involuntária e risco hidrológico das usinas renovadas – drenará algo em torno de 100% do Ebitda mensal do setor de distribuição.

Claro, lá na frente o consumidor ressarcirá as distribuidoras. Antes disso, porém, esse grande volume de despesas adicionais poderá comprometer a cadeia de pagamentos do setor. É preciso achar uma saída. Entre as cogitadas, nenhuma é perfeita. A que me parece menos imperfeita seria a urgente criação de uma linha especial de financiamento, por exemplo, do BNDES, para cobrir a necessidade de capital de giro das distribuidoras.

A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses
E-mail: jerson@kelman.com.br

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