Opinião

Empréstimo da CCEE: fundamentos e riscos

O setor brasileiro de energia elétrica tem a capacidade de surpreender o mercado de forma incomparável

Por Redação

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O setor brasileiro de energia elétrica tem a capacidade de surpreender o mercado de forma incomparável. Neste momento, o fato mais extraordinário foi a publicação do Decreto 8.221/14, que dispõe sobre a Conta-ACR (Conta no Ambiente de Contratação Regulada) destinada a cobrir, total ou parcialmente, as despesas das distribuidoras de energia elétrica originárias da exposição involuntária no mercado de curto prazo e o despacho de térmicas que contrataram no ambiente regulado.

Essa determinação do Poder Executivo atribuiu à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) a obrigação de contratar as operações de crédito que custearão essas despesas. Esse decreto indica também que ela poderá ceder ou empenhar os direitos creditórios, cabendo à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) regular a operacionalização da Conta-ACR. Para tanto, foi alterado o Decreto 5.177/04, que regulamenta as competências e o funcionamento da CCEE, atribuindo a estruturação, a gestão e a liquidação financeira da Conta-ACR. Ressalta-se, no entanto, que a Lei 10.848/04 autorizou a criação da CCEE como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, com a finalidade de viabilizar a comercialização de energia elétrica de que trata essa lei. E é claro que a obrigação imposta à CCEE pelo Decreto 8.221/14 não está acolhida pela lei que a autorizou e lhe explicitou a natureza jurídica. O 8.221/14 ainda altera o Decreto 5.177/04, do qual destacamos o estabelecimento de que os recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) poderão ser repassados para cobrir os custos relativos à Conta-ACR.

Tem sido amplamente noticiado e discutido na imprensa que o aumento do custo da energia comprada pelas distribuidoras se deve a vários fatores, entre eles o baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, que provocou o despacho das térmicas, cujos custos são muito mais elevados, e obrigou as distribuidoras a comprar energia mais cara no mercado de curto prazo (spot). Em resumo: esse resultado foi sequela da desconsideração pelo histórico hidrológico, atrelada à insensibilidade dos propositores das condições dos leilões, mesmo detendo todos os dados do aumento de consumo.

O que ocorreu com a CCEE trata-se de uma tarefa anormal, imposta por decreto a uma entidade de direito privado, exigindo uma engenharia financeira que não encontra respaldo na legislação do setor. Criou-se assim o “imponderável tupiniquim”, obrigando um agente privado a assumir riscos que extrapolam o seu objeto social. Adite-se a isso o fato de que essa obrigação não foi sequer objeto de projeto de lei discutido pelo Legislativo. Consequentemente, o governo opta por decisões imperativas sem o respaldo do Congresso Nacional.

É incontestável que esse proceder tem sido constante por parte do Executivo, seja legislando por medida provisória, seja emitindo decretos de legalidade duvidosa. O Poder Executivo decide imperialmente o que deve ser feito. Já o faz também via Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que não conta com representação proporcional da indústria e dos consumidores finais, e no Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). Desde  seu nascedouro, ambos deveriam prever a participação dos representantes da sociedade como meio de legitimar as suas decisões. 

Na mesma linha de imposições desmedidas, fomos novamente surpreendidos com a publicação do Decreto 8.231/14 incorporando artigo que estabelece alíquota zero de IOF para a operação contratada pela CCEE. Assim, neste passo, contabiliza-se um novo prejuízo aos cofres públicos.

Com a imposição do dever de gerir e contratar operações de crédito à CCEE, feita porque o Tesouro Nacional não poderia bancar essas despesas, vislumbra-se um horizonte de incertezas, visto que o ato regulamentar impõe o dever de assumir um financiamento para o qual inexiste patrimônio para lastreá-lo e que não se coaduna com função institucional atribuída à CCEE.


Maria D´Assunção Costa é doutora em Energia pelo IEE/USP e sócia da Assunção Consultoria

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