Opinião
Enfim: o que ainda virá?
Na vida nunca se deveria cometer duas vezes o mesmo erro.
Há bastante por onde escolher.” Bertrand Russel
O leilão de 29 hidrelétricas com concessões vencidas que estava marcado para 25 de novembro buscou leiloar cerca de 6 mil megawatts (MW) de potência em 5 lotes. Neste leilão duas hidrelétricas foram consideradas por muitos como “joias da coroa”: Jupiá e Ilha Solteira, localizadas no Estado de São Paulo, representando a maior parte da receita.
No entanto, a nova metodologia estipulada para a renovação das concessões veio com condições e/ou objetivos diferentes dos definidos nos termos da MP 579/12 transformada na Lei 12.783/13. No contexto da MP 579 em 2012, o governo justificou tal medida para a sociedade como uma forma de baixar o preço das tarifas de energia elétrica. Naquela oportunidade os MW´s produzidos pelas usinas que estavam com suas concessões vencidas foram transformados em cotas a preços mais baixos e destinados ao mercado regulado. As empresas federais foram obrigadas a renovarem as concessões das suas usinas.
A meta do governo no novo leilão foi bem diferente das medidas estabelecidas anteriormente. Agora o governo quis, sobretudo, atrair a iniciativa privada nessas novas licitações e arrecadar R$ 17 bilhões de bônus de outorga. Uma guinada nas regras para atender a novos interesses. Novamente uma prática que o governo vem usando, no setor elétrico para atender a soluções conjunturais. O investidor de um modo geral fica se perguntando: enfim, o que ainda virá ? Afinal colocar os seus recursos em setores ou em países que mudam constantemente as regras traz insegurança na hora de direcionar os investimentos. E as condições econômicas e políticas, como as atuais no Brasil, complicam ainda mais a decisão de investir em vários setores no País.
Já se discutiu muito sobre os prejuízos imputados ao setor elétrico após a referida Lei 12 783/13 ( MP 579/12) que em suma teve como grande meta baixar os preços das contas de luz, mas que durou pouco tempo. Além disso, essa Medida Provisória acabou restringindo as empresas do sistema Eletrobrás a voos mais altos em novos investimentos.
Na minha avaliação, as regras desse leilão buscaram medidas que pudessem aguçar o apetite de novos investidores. No entanto, há riscos no presente negócio. Vale lembrar que o vencedor do lote ou sublote seria quem ofertasse do somatório do Custo de Gestão dos Ativos de Geração (GAG) – incluindo as melhorias a serem executadas durante o prazo da concessão – e o da parcela de Retorno da Bonificação pela Outorga (RBO). Foi definida uma receita teto para cada lote ou sublote de usinas oferecidas e os vencedores terão o direito a 30 anos de concessão das usinas. Importante destacar que os investidores desembolsariam praticamente à vista o bônus de outorga. Em 2015 o montante da outorga corresponde a R$ 11 bilhões pagos no ato da assinatura da concessão e o restante, R$ 6 bilhões, em 6 meses. O caixa dos investidores é “sacudido” no ato do leilão.
As regras do financiamento pelo Banco do Brasil e outras instituições para os concorrentes do leilão até o inicio de novembro não estavam claras. Os interessados dispuseram de menos de 20 dias antes do certame para avaliarem as condições do financiamento. Isso teria que ter sido definido bem antes, pois as decisões para a formação de consórcios ou sociedades ficam em suspenso, quando todas as condições não estão definidas.
A indicação de que a energia produzida por essas hidrelétricas em 2017 deixa de ser totalmente destinada às distribuidoras, ou seja, ao mercado regulado a preços mais baixos pois 30% serão comercializados no mercado livre a preços mais altos pode não trazer atratividade. Isso é discutível sem dúvida, pois há uma tese que tal regra poderia permitir maior flexibilidade ao concessionário na comercialização da energia. Mas se observarmos a série histórica dos preços de energia no mercado livre, verificamos que de 2003 a 2015 os valores oscilaram de R$ 4/MWh até R$ 822/MWh. Isso pesa na balança das decisões dos investidores.
Em adição há outra importante questão. O investidor certamente considerou como um risco a regra que após assumir a usina os gastos com exigências socioambientais e obras serão por sua conta. E há dificuldades em obter um detalhamento de todas essas informações antes do leilão. Ou seja, a ANEEL não vai mais autorizar aumentos de receitas após o certame. Há, assim, o risco da existência de condicionantes ambientais com até possíveis pendências judiciais. Afinal, as ações mitigatórias para corrigir os impactos causados por esses empreendimentos foram definidas posteriormente. Isso porque, quando da construção dessas usinas, não existiam leis ambientais estruturadas e vigentes. Como exemplo, as usinas de Ilha Solteira e Jupiá tiveram suas Licenças de Operação emitidas somente em 2015 e 2014 respectivamente. Esses empreendimentos formam o grande complexo hidrelétrico Urubupungá, que tem influência nos estados de SP, MG, Goiás e Mato Grosso do Sul e estão em uma região rica em água e estratégica para o país, com forte influência econômica em vários municípios e cujos órgãos ambientais estão sempre atentos. Esses projetos trazem grandes impactos ao próprio reservatório e também a jusante, com efeitos que podem durar até o final da concessão. Uma insegurança para um novo investidor se não souber avaliar em profundidade tais questões. Há também riscos de natureza técnica, pois podem ocorrer necessidades de investimentos em máquinas, equipamentos, melhorias e mesmo manutenção que não puderam ser bem avaliados pelo interessado no Data Room e nas visitas as UHE´s. Cabe lembrar que Jupiá teve sua construção iniciada em 1960 e Ilha Solteira em 1966.
O resultado do leilão a priori já suscitava algumas indagações :
i) As empresas do governo seriam obrigadas a participarem do leilão, mesmo com a convicção de seus dirigentes de que se tratava de uma ação de governo e não empresarial, mesmo em consórcios com privados?
ii) Será que os atuais proprietários seriam aqueles que teriam mais condições de avaliar os riscos e assim seriam os mais apropriados a continuarem operando tais empreendimentos?
iii) Haveria muitos investidores disputando o leilão ?
No mundo dos negócios há segredos escondidos na manga que somente os experientes investidores têm. Assim, avaliar se é um bom negócio participar de um leilão como esse, depende de informações que nem todos possuem. Vale lembrar uma frase do filósofo grego Aristóteles: “o segredo do sucesso é saber algo que ninguém mais sabe”.
Renato Queiroz, engenheiro, mestre em Planejamento Energético, é pesquisador do Grupo de Economia da Energia da UFRJ.