Opinião

Esperando Godot ou Godot está à espera?

Por Redação

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O ano de 2014 foi marcado por efemérides. Por exemplo, os 100 anos da Grande Guerra (1914-18), a guerra que terminaria com todas as guerras, ou o início do que Hobsbawm chamou de A Era dos Extremos. Para quem acompanha o setor elétrico são boas essas imagens: as Grandes Manobras de 2012-13 se transformaram em um conflito de trincheiras em 2014, com o setor mostrando um gravíssimo desequilíbrio econômico-financeiro. A guerra que terminaria com as altas tarifas não dá mostras de haver terminado, pelo contrário.

Pelo lado financeiro, a ração não é suficiente para alimentar as tropas. Pelo lado físico, a crise hídrica assola o sudeste e traz interrogações sobre o quanto ainda a corda poderá ser esticada sem romper, desaguando em racionamento de fato. Torcer para que a atividade econômica continue pífia não é opção aceitável. O custo térmico não desaparece por encanto. Não existe almoço grátis, dizia Milton Friedman.

A cobertura da crise pela imprensa tem sido intensa e muito competente. O tema energia passou a ser um problema reconhecido por vasta gama de stakeholders. Com isso, tornou-se elegível à agenda que inicia o ciclo das políticas públicas. Mas será que isso está realmente acontecendo?
Identificado um problema relevante o suficiente para entrar na agenda política, o ciclo das políticas públicas desdobra-se nas fases de formulação, implementação, avaliação e, atingido o objetivo, de encerramento da política pública.

O que as grandes manobras de 2012-14 demonstraram foi que, para o setor de energia, a fase de formulação simplesmente não aconteceu. Pelo contrário, houve uma sucessão de reações paliativas, mitigando efeitos colaterais, tanto diante da crise financeira quanto na gestão dos recursos físicos para atender ao mercado. Ficou uma indisfarçável sensação generalizada de que a criatura recusava-se a reagir aos comandos dos criadores.

Isto revela uma contradição, puro teatro do absurdo: um dos problemas da crise foi exatamente o excesso de soluções. Medidas pontuais, muitas contraditórias entre si, não formam uma política pública. Pelo contrário. A situação presente contem um paradoxo de Pareto: não há ação que possa ser feita em proveito de um agente, que melhore sua posição em detrimento dos demais; por mais tímido que seja, qualquer movimento racional decorrente de uma política pública coerente e fundamentada fará com que todos os agentes melhorem de posição, inclusive o principal fiador do desequilíbrio, o Tesouro Nacional, trazido à cena para pagar os saldos impagáveis, mesmo que a custa de um agravamento fiscal.

A agenda comporta muitos problemas, e o Pai Natal já fechou sua lista de pedidos: o que desejar para 2015? Que o bom senso retorne ao núcleo duro dos policy makers. É preciso ser preenchido o vácuo criado pela ausência de políticas públicas fundamentadas, coerentes e com orientação clara e consistente no curto, médio e longo prazo. Rapidamente. O drama é que não é viável que tantos problemas venham ser formulados e resolvidos simultaneamente.
Dúvidas razoáveis aparecem: a fraca governança das políticas públicas brasileiras conseguirá administrar tantos conflitos de interesse, tantas prioridades simultâneas? Como será conduzido o diálogo com os stakeholders para obter o consenso sobre as prioridades, os meios e os fins a alcançar? No momento a atenção volta-se para os problemas emergenciais. Por isso, pouca ou nenhuma atenção é dedicada a como será restabelecida a normalidade. Esse detalhe pode fazer a diferença entre a continuidade do fracasso e a fênix do sucesso.

Problemas estruturais como a renovação das concessões de distribuição, o sinal de preços coerente, a taxa de retorno ajustada ao risco, a correção dos crônicos atrasos nas obras são mais do que simples exemplos; são uma amostra de que o objeto do desejo para 2015 envolve uma única esperança: a de que a gravidade da situação alcance um compromisso de estadistas em torno de um pacto de reconstrução, sobretudo das bases econômico-financeiras. Não vamos nos iludir novamente: a conta vai ser paga pelo consumidor, pois o contribuinte tem outras (graves e complexas) prioridades. Sem recuperar a autossuficiência financeira, não haverá saída para a atual crise.

Ao final do segundo ato, Samuel Becket retorna o menino com a mensagem de que Godot não virá, talvez amanhã. Vladimir diz a Estragon: “Alors, on y va?”; que responde: “Alons-y”... Mas ambos ficam parados. De todas as situações absurdas que foram vividas nos últimos tempos, esta é a mais inaceitável de todas. Feliz 2015 para todos nós.

Eduardo José Bernini é economista especialista em energia e em governança corporativa, mestrando em Gestão e Politicas Publicas na FGV-SP
 

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