Opinião

Falta pessimismo no setor elétrico

Por Redação

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Não estranhem o título. Perante a excessiva politização de um setor que deveria ser debatido em diálogo aberto, adjetivos têm substituído os argumentos. Talvez porque o governo não aceite críticas, por mais contestáveis que sejam as suas decisões. Aqueles que consideram grave a atual situação do nosso setor elétrico são classificados como pessimistas e até como “profetas do apocalipse”. Como o Ilumina não acredita em mediunidades, pelo menos no setor elétrico, não vemos como nossa falta de otimismo possa influenciar.

Até parece que o único problema é o racionamento. Se ele não ocorrer, está tudo bem? O Ilumina sabe que estamos sob um clima tropical e racionamento ou não podem ser uma enorme surpresa. Não emitimos nenhuma avaliação sobre a probabilidade desse evento, apesar de ser bem possível e válido calculá-la. Mas, dado o desentendimento do significado de probabilidade e a falta de transparência das nossas autoridades, a estimativa será sempre interpretada como um viés político, quando é apenas uma conta. Não vale a pena entrar nesse debate vazio.

Se alguém vendar os olhos, atravessar a Avenida Presidente Vargas ao meio-dia e chegar vivo do outro lado, isso não transforma em aceitável o risco que correu. Se não houver racionamento, seria educativo que o governo refletisse sobre esse exemplo. O problema não se limita a ter ou não ter a penúria de energia, como o governo se vangloria. O que é importante e o que deveria estar sendo debatido é o caminho percorrido até aqui.

Para o instituto Ilumina, a situação atual apresenta sintomas gravíssimos e, se estivesse ocorrendo em países com melhores instituições, certamente uma profunda reforma já estaria sendo considerada. Exagero? Quantos sistemas elétricos no planeta geram dívidas cujo montante é equivalente a duas usinas de Belo Monte ou quatro usinas do Rio Madeira? Quantos sistemas adotam mecanismos de redução tarifária que causam uma redução de 70% no valor de sua principal empresa geradora? Quantos o fariam em troca de uma redução pífia para o padrão de parques de base hidráulica? Quantos sistemas no mundo apresentam um mercado livre cujas variações de preço atingem 7.000%? Quantos sistemas no planeta obrigam o consumidor a pagar juros por kWh consumido? Quantos sistemas no mundo subsidiam geração térmica, como está ocorrendo agora? Tudo isso está ocorrendo ao mesmo tempo e, mesmo assim, são perguntas que nunca serão respondidas.

Alguma reflexão faria muita gente entender que, no setor elétrico brasileiro, a técnica mais apropriada é a do pessimismo. Sendo dependente de hidrologia tropical e tendo um custo de déficit muitas vezes superior ao custo de sobra, uma boa dose de pessimismo é recomendável. Ao contrário do discurso oficial, o que esteve faltando no setor elétrico foi justamente o pessimismo.

Chega a ser tedioso ter de repetir que reservatórios podem se esgotar por dois motivos: falta d’água ou excesso de uso. Se o sistema tivesse sido gerido com um pouco mais de pessimismo, sem dúvida os reservatórios não estariam tão vazios. Sob esse ponto de vista, o seu oposto, o otimismo, pode ser interpretado como falta de prudência. Em 2000, 85% das nossas usinas eram hidroelétricas e respondiam por 94% da energia. Em 2011 eram 70%, mas continuaram a ser responsáveis por 92% da energia. Em 2012, um ano mais seco, elas eram 68%, mas foram responsáveis por 87% da energia. Ora, se isso não é uma demonstração de que o sistema estava impregnado de otimismo exacerbado, o que é então?

Certamente, o uso de usinas térmicas já deveria ter sido acionado bem antes da estranha data de setembro de 2012, coincidindo com o anúncio da MP 579. Como o sistema não consegue reencher, a água economizada pela substituição térmica mais pessimista estaria reservada e talvez não necessitássemos do acionamento das térmicas mais caras.
Outra falta de pessimismo se observa nas garantias físicas das usinas. Esses certificados foram definidos em datas diferentes, sem se considerar que o sistema estava passando por uma alteração estrutural da maior importância: a redução da capacidade de reserva em relação à carga. Evidentemente, o critério de operação teve de ser alterado para uma visão mais pessimista. E dada a dependência desse certificado com o modo de operar o sistema, todas as garantias físicas estão superavaliadas ou otimistas.

O nível de descontratação das distribuidoras, que está provocando a dívida bilionária atual, também foi originado numa avaliação na qual faltou pessimismo. Em 2013 terminavam os contratos firmados em 2005 e que tinham preços baixos em função de terem sido feitos quando havia uma sobra decorrente do racionamento de 2001. O governo, sempre otimista, achou que poderia repetir aqueles preços. Errou. Resultado: distribuidoras expostas e tendo de comprar MWh a R$ 822.
Não reconhecendo o erro, o governo acusou as empresas que não concordavam com sua visão otimista sobre o equilíbrio estrutural do sistema. Dado o modelo, elas fizeram as contas e preferiram ficar descontratadas. Mais uma falta de pessimismo.
Sob esse cenário, as autoridades nem sequer implantaram um incentivo à racionalização do consumo. Talvez com medo da semelhança entre as palavras, agiram de forma otimista e prejudicial ao consumidor, que não percebe que cada MWh não economizado está sendo colocado na sua conta por R$ 822 mais juros!

O que é grave é que, de certa maneira, essa falta de pessimismo se espalha em todos os setores da vida nacional. Um pouco mais de pessimismo, ou prudência, evitaria viadutos que desmoronam, prédios que se incendeiam, acidentes rodoviários, filas nos hospitais e até quedas de avião. Portanto, viva o pessimismo prudente.

Roberto Pereira D’Araujo é diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico – Ilumina

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