Opinião

A felicidade não se compra

Por Redação

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Em “Ensaio: O Tempo”, Jorge Luis Borges nos instiga “a pensar que, dos três tempos em que dividimos o tempo – o passado, o presente e o futuro – o mais difícil, o mais inapreensível”, é o presente. Sentimos sua passagem como um momento que não se detém, transitivo que é entre o passado e o futuro.

Essa reflexão me ocorre porque em janeiro deste ano escrevi um artigo para a Brasil Energia tentando decodificar legados, motivado pelo finado P&D Estratégico 20/2016, do qual só restam sombras.

O futuro, agora, atende pelo nome de “Aprimoramento do Marco Legal do Setor Elétrico”. A consulta pública, apoiada pelas NTs 05/2017/AEREG e 11/2017/SE do MME, está em andamento no momento em que escrevo este artigo.
Pelos relatos da imprensa e, não menos revelador, pelas conversas de bastidor, o anúncio das intenções de um novo capítulo nas políticas públicas do setor elétrico pegou de surpresa o mundo energético. Que reagiu positivamente... num primeiro momento. Por boas razões: o documento que prosa sobre os princípios para a reorganização setorial dialoga com bastante propriedade sobre o futuro, algo que, dada a crise política-institucional e econômica que o país vem atravessando, não deixa de ser inspirador.

Um detalhe que passa desapercebido, sobretudo entre aqueles que não militam no dia-a-dia setorial, mas que são formadores de opinião, é que a soma dos interesses em causa é maior do que o todo. Uma forma de comprovar que essa aritmética é verdadeira, pode ser facilmente assimilada com uma pergunta: quantas associações hoje atuam na vocalização (“advocacy”) de subsegmentos da indústria de energia elétrica, diretamente ou indiretamente, caso dos fornecedores de bens e serviços para a geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica?  Eu já perdi a conta.

Esse é um fato ruim? Definitivamente, a resposta é não, se olhada pela perspectiva do futuro da indústria de energia elétrica. Apenas reflete a certeza de que o modelo de negócio, desverticalizado nos anos 1990, encontra-se em face a uma nova ruptura. Desta vez, não provocada por reformas institucionais e, sim, por razões eminentemente tecnológicas. Geração distribuída, micro-grids, acumulação e baterias, “prosumidor” ao invés de “consumidor” (ou cliente, como eufemisticamente chegamos a chamar os velhos consumidores nos tempos do monopólio verticalizado), são frutos semânticos e, nem por isso, menos reais, de que a “velha ordem está morrendo” (Gramsci), determinada por progressos técnicos contínuos. A fabricação de chapéus e cartolas para senhoras e cavalheiros já foi um bom negócio...

É preciso reconhecer que no futuro, sendo incerto e passível de ser moldado, há maior campo de conciliação de interesses. Sempre haverá a esperança de que o futuro nos reserva um espaço para sermos felizes.
Mas, e quanto ao passado? O passado é cruel. Ele é o que é, mesmo que, como boutade, acreditemos que, no Brasil, até o passado é incerto. O passado e seus detalhes revelam perigos.

Essa talvez seja a melhor explicação para a reação imediata e positiva dos “agentes do setor elétrico” à proposta: como os princípios trataram do futuro, todos se sentiram à vontade.

Mas o documento submetido à Consulta Pública também trata do passado. E no passado residem as raízes da judicialização, de contas a pagar e a receber em escala bilionária. No futuro não há vencedores ou perdedores, e sim lutadores do porvir. No passado, estão gravados nossos pecados em busca de remissão – que revelarão no futuro (o pós-presente), vencedores e perdedores naquilo que realmente conta: quem vai pagar e quem vai receber a conta (financeira) do passado.
Qualquer que venha a ser o encaminhamento da proposta do MME, um resultado é certo: o acerto dos desacertos do passado não trará felicidade a todos.

Por isso, reitero: qual a razão para não ter sido feito um balanço financeiro do passado e dada transparência a quem de direito – a sociedade – do montante financeiro que está em jogo?
O futuro ainda é refém do ajuste de contas com o passado.


Eduardo José Bernini, é mestre em políticas públicas pela FGV-SP e MBA em Governança Corporativa

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