Opinião

Fronteiras da regulação tarifária: a voz da experiência

Por Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil

Por Redação

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Este ano a Aneel inicia um novo ciclo de revisões tarifárias das concessionárias de distribuição de energia elétrica. Como em outros ciclos, o órgão regulador aproveita a ocasião para aprimorar a metodologia tarifária.

Não é uma tarefa fácil. Cada mudança metodológica afeta os agentes de forma diferenciada. Há muitas particularidades a serem consideradas. No turbilhão das demandas diárias é fácil perder o norte”.

É importante parar para refletir e definir a regulação tarifária com visão de futuro. Stephen Littlechild, considerado por muitos o pai da moderna teoria da regulação, quando esteve no Brasil, durante a conferência Brazil Energy Frontiers, promovida pelo Instituto Acende Brasil, chamou a atenção para uma nova revolução na forma de regular nos próximos anos.

Littlechild tem autoridade para falar sobre revoluções. Quando ele atuou como diretor geral da agência reguladora do setor elétrico no Reino Unido fez uma, ao liderar o mundo na desverticalização do setor, na criação do mercado atacadista de energia, na introdução da concorrência no fornecimento varejista de energia, além da introdução do regime regulatório de preço-teto (RPI-X regulation).

Até hoje a regulação tarifária tem-se concentrado na análise de preços e quantidades, negligenciando o processo dinâmico de interação entre produtores e consumidores que induz à inovação, destacou Littlechild, salientando que, no mercado competitivo, produtores e consumidores interagem continuamente na experimentação de novos atributos e em novas formas de precificar e de comercializar seus produtos. É por meio desse processo de experimentação que os produtores descobrem o que os consumidores desejam, e que estes descobrem o que os produtores podem oferecer. Os setores regulados carecem desse ambiente interativo de experimentação. E para promover esse processo é necessário repensar o papel do regulador.

Littlechild sugere que o regulador deve promover a interação direta entre concessionárias e consumidores, passando a atuar mais como facilitador e mediador. Isso já vem sendo praticado em vários setores de diferentes países, tais como na regulação de aeroportos no Reino Unido e de gasodutos nos EUA e Canadá. 
Ensejar esse processo de experimentação e aprendizado torna-se imperativo quando o setor elétrico se defronta com a perspectiva de se reinventar nos próximos anos com o advento das redes inteligentes (smart grids).

Já de uma perspectiva mais próxima à realidade brasileira, José Mário Abdo, o primeiro diretor geral da Aneel, advertiu que a agência deve tomar cuidado para não propor alterações muito radicais, como a que está apresentando na abordagem metodológica para o terceiro ciclo de revisão tarifária.

A metodologia proposta pela Aneel para o novo ciclo abandona a atual, fundamentada na aferição de custos de processos e atividades requeridos das concessionárias, e a substitui por uma abordagem baseada em modelos estatísticos, construídos a partir de um punhado de variáveis para inferir os recursos globais necessários à prestação do serviço. Tal abordagem pode ser adequada em países de economias maduras, compostas de concessionárias homogêneas. Mas é um erro adotá-la num país com o grau de heterogeneidade do Brasil.

Outro risco apontado por Abdo é a definição do Fator X com base em mensurações do passado. O Fator X é um ajuste anual da tarifa visando ao compartilhamento de ganhos de produtividade com os consumidores. A mensuração passada da produtividade total dos fatores é um importante balizador para o Fator X, mas não se pode assumir que o potencial futuro de ganhos de produtividade seja igual ao do passado, ou mesmo igual entre as concessionárias.

A prudência recomenda que se mantenha a metodologia atual por mais um ciclo tarifário para que se possa testar e aprimorar os novos modelos. A regulação é como o leme de um navio: se for maldirecionada hoje, pode haver consequências desastrosas e inevitáveis no futuro. Trata-se de um risco que o país não pode correr.

Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)

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