Opinião
Humildade intelectual e a reestruturação do setor elétrico
O Ministério de Minas e Energia (MME) tem se empenhado para resolver problemas criados no passado e colocar o setor nos trilhos do futuro levando em conta várias pressões e tendências (tecnológicas, socioambientais e do empoderamento do consumidor). Símbolo desse empenho, a Consulta Pública nº 33 (CP 33), encerrada em 17 de agosto, recebeu mais de 190 contribuições de agentes que ofereceram seus pontos de vista sobre a “Proposta de aprimoramento do marco legal do setor elétrico”.
A Nota Técnica nº 5/2017, que orientou a CP 33, reconhece que a complexidade do setor elétrico brasileiro não pode ser vencida sem a competência técnica e as múltiplas visões dos geradores, transmissores, distribuidores, comercializadores e consumidores de energia elétrica, além dos milhares de profissionais que gravitam ao redor da cadeia de valor do setor, como universidades, consultorias e think tanks. Sai o intervencionismo e o voluntarismo improvisado do governo anterior e entra a valorização da inteligência coletiva e do planejamento realista com visão de longo prazo.
A filosofia da nota técnica é alicerçada sobre uma “Visão de Futuro” baseada em princípios modernos e bem-vindos: incentivos à eficiência empresarial, sinal econômico que alinha interesses individuais e sistêmicos, alocação adequada de risco, respeito a contratos e aos papéis de cada instituição. A partir desses princípios foram desenvolvidas 18 propostas que: (a) explicitam intenções de alteração de políticas públicas vigentes; (b) destravam aspectos saturados do modelo atual; (c) alteram alocações de riscos e custos entre agentes; e (d) promovem a desjudicialização do setor.
As mais de 190 contribuições (incluindo a do Instituto Acende Brasil) podem ser acessadas no site do MME e são ótimo recurso para o mapeamento dos diversos graus e ângulos de observação dos problemas atuais e, acima de tudo, das possibilidades de solução. A simples leitura das milhares de páginas enviadas demonstra empiricamente a necessidade de se ter humildade intelectual na formulação de políticas públicas.
Nenhum profissional, por mais competente e esforçado que seja, consegue antecipar e simular todos os problemas e soluções quando são alteradas as bases de um setor econômico. É por isso que a Medida Provisória (MP) 579, “concebida” a portas fechadas por cerca de cinco pessoas do governo anterior, nasceu condenada ao fracasso: incompetente tecnicamente, pobre na avaliação das interdependências do setor, arrogante na assunção das decisões individuais dos agentes. Todas as impropriedades da MP 579 teriam sido detectadas se submetidas a uma audiência pública...
Em termos de conteúdo, e conforme detalhamos exaustivamente em nossa contribuição, algumas das propostas da CP 33 encerram pontos pacíficos na dimensão conceitual, mas dependem de maior detalhamento, enquanto outras exigem discussão mais cuidadosa (como, por exemplo, a separação entre lastro e energia, uma das “campeãs de audiência” nas contribuições enviadas).
Em termos de prazo – salvo algumas exceções que demandam total urgência, como o fim da judicialização derivada do imbróglio do GSF (Generation Scaling Factor) e o pagamento das indenizações devidas às transmissoras –, é fundamental que não haja atropelo nas decisões finais para a implementação das medidas.
É louvável a presteza com que a equipe liderada pelo Ministro de Minas e Energia se empenhou em resolver os problemas atuais e atrair investimentos, mas recomendamos que qualquer implementação que altere o modelo setorial vigente seja antecedida por Análises de Impacto Regulatório para que seus efeitos sejam claramente visualizados.
A coesão setorial que começa a ser construída deverá ser mantida usando a mesma humildade intelectual adotada até agora.
Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são Presidente e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)