Opinião

A insustentável leveza do navipeças

Por Cesar Prata, presidente da Câmara Setorial de Equipamentos Navais e de Offshore da Abimaq

Por Redação

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Todas as declarações sobre o setor naval vêm ganhando um tom de palanque sem o menor efeito prático sobre o que realmente interessa. Cada vez que ouço um gestor público falar sobre o assunto vejo quão distante do chão de fábrica ele está e como não faz ideia de como aproveitar o momento para melhorar o cenário. Desta forma, o poder central mais parece um adolescente que não pode ser responsabilizado por seus atos.

Para se obter forte resultado social nos empreendimentos que o governo estimula na construção naval e offshore seria elementar estimular um alto conteúdo local. Como se sabe, para cada emprego gerado pelo epecista ou pelo estaleiro criam-se outros dez na cadeia fornecedora e outros dez nos subfornecedores. Esse efeito multiplicador se dá, inclusive, com qualidade, porque cria os melhores e mais bem remunerados empregos.

O modelo adotado na retomada da construção naval nestes últimos anos se espelhou em projetos coreanos. Estes, por sua vez, são cópias de um modelo japonês de 30 anos atrás (no caso dos navios de grande porte), que, por seu lado, imitou o modelo europeu da década de 1960. Ficou de fora a inteligência brasileira, repensando conceitos e introduzindo soluções, usando nossa engenharia, nossas normas e, sobretudo, nossa mentalidade bastante voltada para as questões ambientais, sustentáveis, não impactantes e socialmente responsáveis. Características que o Brasil já tem e nossos amigos do BRIC ainda buscam a distância.

Falta uma política de governo que, seguindo o lema propagado na campanha do primeiro mandato de Lula, de que “tudo que puder ser feito no Brasil será”, tenha a capacidade de ver onde estão os verdadeiros interesses nacionais e como usar adequadamente os instrumentos a favor deles.
Além disso, nos últimos tempos a Petrobras vem se projetando como “uma multinacional de energia, com ações na Bolsa de Nova York”, sem responsabilidade sobre políticas industriais de interesse do país. A petroleira diz que apenas segue políticas nacionais, não as faz.

No entanto, a Petrobras, por mais internacional que seja, ainda tem cargos divididos entre partidos; seus produtos têm preços determinados pelas necessidades econômicas para conter inflação ou demanda; os locais de instalação de suas novas refinarias são decididos não apenas por questões 100% técnicas, mas também políticas. Portanto, a Petrobras não apenas é do governo como, acima de tudo, é um instrumento de governo.

Os fornecedores de máquinas e equipamentos para navios, pla-taformas e sondas vivem um dilema. De um lado, grandes companhias, que exploram nosso subsolo com liberdade de importar, sem grandes restrições tarifárias, que acham tudo o que fazemos caro. De outro, um governo, o mesmo que concede os direitos de exploração, impondo a maior carga tributária do mundo, juros dez vezes maiores que os praticados nos países industrializados, leis trabalhistas da era Vargas, dificuldades para se fazer valer contratos, câmbio desestimulante à produção local e infraestrutura viária e de transmissão de dados muito inferior à dos países nossos concorrentes.

Os países europeus que estimularam sua produção nacional de máquinas e forte conteúdo local em seus projetos hoje já não constroem mais navios – a não ser os ultrassofisticados e especiais –, mas possuem o segmento de navipeças mais poderoso do mundo. Ou seja, poderíamos deduzir que a construção de cascos passa pelos países enquanto estes possuem mão de obra abundante e barata, mas o navipeças fica para sempre.

Por falar em estímulos, no Brasil há grande barreira tarifária para importar navios, mas nenhuma para as máquinas que os equipam. E os financiamentos dos órgãos de governo para a construção de navios não pedem contrapartida em conteúdo local.

Fala-se muito em mais conteúdo local nos palanques. Mas não vejo mais no atual governo o tempo e a vontade para nos deixar um legado que resulte em alento para quem mais produz e emprega no setor. O Brasil já foi conhecido como o “país das oportunidades perdidas”. Continuaremos fazendo jus a esta fama? Enquanto não houver resposta para essa pergunta, a insustentável leveza do setor de navipeças continuará.

Cesar Prata é presidente da Câmara Setorial de Equipamentos Navais e de Offshore da Abimaq

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