Opinião

Investimento estrangeiro, Direito Econômico e o biodiesel no Brasil

Por Redação

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O tema dos investimentos estrangeiros no setor de biodiesel no Brasil merece destaque por sua peculiaridade. Desta vez, não atribuiremos ao Estado a habitual inércia na criação de marcos regulatórios para os setores da economia que demandam investimentos, ou colocaremos em tópico as amarras burocráticas que nos deram a 122ª posição no ranking "Doing Business" do Banco Mundial. Nosso objetivo é destacar a atuação pioneira do país na criação de um arcabouço jurídico favorável à produção de biodiesel, além de analisar essa legislação sob a ótica dos princípios gerais da atividade econômica previstos na Constituição Federal.

Na atividade econômica, o Direito posto pelo Estado é relevante ao permitir que o agente previna e reduza riscos em sua atuação no mercado. Nesse sentido, tanto o marco regulatório quanto o modelo microeconômico do setor deverão ser alvos da análise detalhada do agente econômico. Se a Microeconomia apresenta perspectivas para a maximização de lucros, o Direito oferece incentivos e impõe sanções para a obtenção de condutas juridicamente desejáveis. Em suma, ao analisar o modelo microeconômico e o marco regulatório de um setor, o agente econômico tem a possibilidade de cortar custos desnecessários, produzir de acordo com a demanda dos consumidores, adotar as medidas judiciais cabíveis contra eventuais condutas abusivas de seus concorrentes e usufruir dos benefícios previstos na legislação.

A norma jurídica, além de impor regras comuns a todos os agentes e delimitar expectativas, é o instrumento pelo qual uma determinada vontade política recebe a roupagem de política setorial, legitimada por sua inserção no ordenamento jurídico nos termos da Constituição de um Estado. Todavia, são raras as situações nas quais esse marco regulatório se antecipa à existência da atividade econômica. Freqüentemente, os marcos regulatórios são criados para disciplinar atividades que experimentam do empirismo e cujos agentes estão sujeitos à insegurança jurídica até então.

Nossa Constituição Federal, ao tratar dos princípios gerais da ordem econômica, refere-se ao Estado "... como agente normativo e regulador da atividade econômica...", o qual "... exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado." (art. 174). O poder normativo do Estado é elevado, sob a ótica do Direito Econômico Constitucional, à condição de instrumento de implantação de políticas setoriais para o desenvolvimento econômico do país.

Sob esse aspecto, o cenário para o investidor estrangeiro não pode ser mais favorável caso esteja disposto a produzir biodiesel no Brasil. Antes mesmo da existência de demanda e oferta em grande escala, a Lei 11.097, de 13 de janeiro de 2005, já havia introduzido o biodiesel na matriz energética brasileira, determinando a adição obrigatória de 2% de biodiesel ao óleo diesel (B2) comercializado ao consumidor final a partir de 2008. A mistura de 5% de biodiesel ao óleo diesel (B5) será compulsória a partir de 2013. Desde julho, porém, passou-se a adicionar 3% de biodiesel ao óleo diesel (B3). O que comprova que, na ausência de um mercado para o produto, o Estado valeu-se de suas competências constitucionais para criá-lo.

O estímulo do governo para a substituição do diesel proveniente do petróleo pelo similar vegetal acontece em um momento muito diferente daquele vivido pelo país quando do lançamento do Pró-Álcool após a crise do petróleo de 1973 e o estrangulamento de suas contas externas. Desde 2006, o Brasil desfruta da auto-suficiência no setor petrolífero e já não está tão sujeito às flutuações internacionais do mercado de petróleo. A redução em 880 milhões de litros na importação de diesel por ano somente com a adição de 2% de biodiesel no óleo diesel trará ao governo economia de cerca de US$ 500 milhões.

O investidor estrangeiro não encontraria em qualquer outro país do mundo tantos estímulos para produzir biocombustíveis como no Brasil. Os países dependentes da importação de petróleo estão demasiadamente comprometidos com os interesses do mercado internacional desse produto, além de não possuírem área agricultável que assegure a segurança alimentar de sua população e permita a substituição da matriz energética. Por outro lado, os países que possuem grandes áreas agricultáveis estão distantes dos principais centros consumidores e não dispõem de capacidade instalada para abastecê-los no curto prazo.

Mais uma vez, a singularidade do Brasil é patente. O país apresenta condições extremamente propícias ao desenvolvimento de matéria-prima para a produção de biodiesel por ter um clima favorável e 90 milhões de hectares cultiváveis, sem nenhum impacto às florestas reservadas. Nossa capacidade anual estimada é de 2,8 bilhões de litros de biodiesel, e o estímulo à demanda é garantido por lei até 2013. Percebe-se, portanto, a existência de uma estratégia governamental para transformar o país em líder mundial na produção de combustíveis renováveis e consolidar sua auto-suficiência no setor petrolífero.

A Lei 11.116, de maio de 2005, é outro indicativo que, desta vez, o governo utiliza normas jurídicas para promover o desenvolvimento do setor, com impactos socialmente positivos. O incentivo para a inclusão na cadeia produtiva do biodiesel de agricultores do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e cooperativas agropecuárias, mediante a redução das alíquotas de PIS/Pasep e Cofins sobre as receitas decorrentes da venda de biodiesel, encontra abrigo constitucional e tem o objetivo de evitar a repetição do único erro do Pró-Álcool. À época, o governo não planejou o crescimento do setor energético com inclusão social. Vale lembrar que a manutenção de barreiras ao livre comércio do etanol brasileiro pelos países desenvolvidos é fundamentada nas péssimas condições de trabalho impostas a nossos bóias-frias.

Ainda fazendo-se a leitura dos marcos regulatórios do biodiesel sob a ótica dos princípios constitucionais que norteiam a atividade econômica no Brasil, em especial, o dever do Estado de apoio e estímulo ao "cooperativismo e outras formas de associativismo" (§2º, art. 174, CF) e a "redução das desigualdades regionais e sociais" (VII, art. 170, CF), o Decreto 5.297/2004, alterado posteriormente pelo Decreto 6.458/2008, determinou que as alíquotas de PIS/Pasep e Cofins sejam reduzidas a zero, caso o biodiesel tenha sido fabricado a partir de matérias-primas produzidas nas regiões Norte, Nordeste e no semi-árido e adquiridas de agricultor familiar enquadrado no Pronaf.

À empresa de capital nacional ou estrangeiro constituída nos termos da legislação brasileira e que obtenha o selo "Combustível Social" por meio da inclusão da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel, será conferido o direito a benefícios de políticas públicas específicas voltadas para a promoção da produção de combustíveis renováveis com inclusão social e desenvolvimento regional. Tendo em vista o grande número de plantas produtoras de biodiesel instaladas no Centro-Sul do país, tais incentivos buscam irradiar os benefícios econômicos do crescimento do setor a regiões menos desenvolvidas. A economia nordestina, decadente desde meados do século XIX, não foi contemplada por políticas de desenvolvimento ao longo do século XX, fato este que ampliou a desigualdade regional advinda da concentração industrial no Centro-Sul do Brasil.

A produção de biodiesel pela Petrobras é outro indício da determinação do governo de aumentar a oferta e criar um mercado robusto para o combustível no país. A companhia já possui quatro usinas no Nordeste e uma no Sudeste, com produção total estimada em 171 milhões de litros/ano. O fato de a exploração direta da atividade econômica pelo Estado ser permitida - " ... quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definido em lei" (art. 173, CF) - demonstra que o direcionamento governamental na legislação regulatória para que esta atividade repercuta positivamente no combate às desigualdades sociais e regionais outorga a essa produção a condição de relevante interesse coletivo.

Assim, não será pela ausência de um marco regulatório e de incentivos governamentais que o investidor estrangeiro deixará de olhar com interesse para a produção de biodiesel no Brasil. O crescimento da economia mundial, ao mesmo tempo que estimula a produção de biocombustíveis pela necessidade de superação do petróleo como matriz energética preponderante, é o principal responsável pelo encarecimento das matérias-primas mais importantes do setor. Todavia, em raras oportunidades o ordenamento jurídico brasileiro foi colocado de maneira tão contundente em prol do sucesso de um determinado setor da atividade econômica.

* Felipe Fernandes Rocha é especialista em Direito Empresarial Internacional e sócio diretor do escritório Godke, Silva & Rocha Advogados

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