Opinião

Lei do Gás nebulosa

Questões da Lei do Gás ainda precisam de aprofundamento, como o papel das agências estaduais na definição das tarifas

Por Redação

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Em vigor há três anos, a Lei 11.909, a Lei do Gás, tem alguns itens que ainda precisam de aprofundamento. É o caso das regras para situações de contingenciamento de gás, que ainda não foram regulamentadas, e, principalmente, da consolidação do entendimento sobre como as agências estaduais vão regular as tarifas de uso das redes de distribuição (Tusd) para autoprodutores, autoimportadores e consumidores livres.

Hoje a legislação já provoca controvérsias. O artigo 63 do capítulo VI do Decreto 7.382 de 2/12/2010, que regulamentou a lei, estabelece que o consumidor livre, o autoprodutor ou o autoimportador cujas necessidades de movimentação de gás não possam ser atendidas pela distribuidora estadual poderão construir e implantar, diretamente, instalações e dutos para seu uso específico, mediante celebração de contrato que atribua à distribuidora a sua operação e manutenção, devendo também estas instalações serem incorporadas ao poder concedente. A lei estabeleceu ainda que, “caso as instalações e os dutos sejam construídos pelas distribuidoras estaduais, as tarifas estabelecidas pelo órgão regulador estadual considerarão os custos dos investimentos, operação e manutenção, observância aos princípios da razoabilidade, transparência, publicidade e às especificidades de cada instalação” (grifo meu).

Está criada a confusão: a Lei do Gás indica como as agências estaduais devem tratar do assunto, abrindo campo para debate jurídico e econômico. Segundo visão jurídica, a lei federal não pode “invadir” as competências estaduais. Assim, cada estado poderia decidir como estabelecer as tarifas para os casos em análise. Em contrapartida, há uma discussão acalorada capitaneada pelos autoprodutores e autoimportadores. Baseados na Lei do Gás, eles defendem que a tarifa deve se ater aos custos de O&M e de remuneração do investimento (quando feito pela concessionária) apenas do trecho que liga as instalações do duto de transporte ao consumidor livre/autoprodutor/autoimportador. Em “economês”, significa tarifar ao custo marginal específico daquele cliente.

Como a distribuição de gás é um monopólio natural, e tratando-se de concessão com capital intensivo (e mercados greenfield que exigem grandes investimentos, no caso do Brasil), os custos médios são maiores que os custos marginais. Portanto, tarifar ao custo marginal específico significaria atribuir o custo médio apenas aos demais consumidores que não os consumidores livres, autoprodutores e autoimportadores, criando o risco de tratamento não isonômico entre os usuários. Além disso, os clientes livres, autoprodutores e autoimportadores trazem as chamadas “externalidades positivas” para o mercado de distribuição de gás, ao representarem um consumo que usa intensivamente as instalações colocadas a seu dispor e, portanto, ajudam o todo a ser mais econômico. São estes os pressupostos no enfoque de “tarifa selo” aplicados ao setor de distribuição de gás.

No setor elétrico é possível aos consumidores livres conectarem-se diretamente à rede básica de transmissão, arcando com os custos marginais. Entretanto, nesse caso a motivação é a qualidade do serviço que é mais adequada aos grandes consumidores. Um “by-pass” não aceito na Lei do Gás.

A expectativa é que, no médio prazo, possamos caminhar para uma fase em que o país tenha oferta crescente de gás, com mais de um fornecedor. Sem contar novos agentes que, embora existam na forma, ainda não se concretizaram em número suficiente, como, por exemplo, o autoimportador, o autoprodutor e o consumidor livre. Para este novo cenário, os instrumentos que temos hoje para regular o segmento terão de ser aprimorados. Normas editadas por agências estaduais com interpretações diversas do artigo 63 do decreto que regulamentou a Lei do Gás precisarão ser harmonizadas de modo a evitar uma guerra tarifária semelhante à guerra tributária para atração de investimentos.

Com a finalidade de colocar um pouco de luz sobre o assunto, a Arsesp programa para agosto um workshop, com apresentação dos conceitos econômicos por um especialista em microeconomia e com participantes de países onde a regulação do gás canalizado está mais madura. Dessa forma, por meio da discussão contributiva, pretendemos chegar a um entendimento comum da questão.

A coluna de Silvia M. Calou é publicada a cada dois meses
E-mail: arsesp@arsesp.sp.gov.br

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